Leleco - parte 1
Leleco nasceu de uma aventura. Nunca conheceu seu pai. Antes de completar seu primeiro ano, sua mãe deixou-o aos cuidados da tia dele, que o criou como a um filho, junto com os oito que era dela.
Garoto sossegado, nunca deu trabalho à tia. À idade escolar, no entanto, mostrou quem ele era. Assim que terminou o ensino básico saiu da escola e arrumou um emprego.
- Tia, a partir de amanhã vou trabalhar com o ‘seu’ Moraes.
- Que besteira é essa, menino?
- Não é besteira não, tia, é um emprego.
- E tu chamas isso de emprego?
- E não é?
- Claro que não, quero dizer, é um emprego, mas... Tu não tens que trabalhar, tu tens que estudar. O que te deu na cabeça? Tu precisas estudar para ser alguém na vida, é isso que eu quero pra ti, como quero para meus filhos.
- Já sei o suficiente, tia, não preciso estudar mais, não. Preciso é ganhar dinheiro pra me sustentar e ajudar a senhora.
- Quem tá pedindo dinheiro pra tu, menino? Não te sustentei até agora? Vai estudar pra melhorar teu futuro!
- Que futuro que nada, tia, eu quero e melhorar meu presente!
- Por quê? Falta alguma coisa pra ti?
- Claro que não tia, mas não quer dizer que não possa melhorar.
- E só vai melhorar se tu continuar a estudar.
- Isso vai me manter preso muitos anos na escolha.
- Mas isso vai ser bom.
- Ser livre é mais bão!
Não teve jeito. Por mais que a tia insistisse, ele manteve sua decisão e permaneceu em seu primeiro emprego, um bico no ramo da construção. Ao receber seu primeiro pagamento, separou-o em três partes iguais. Com a primeira parte abriu uma caderneta de poupança, com a ajuda da avó, que assinou as papeladas no banco. Ficou com o segundo terço para suas necessidades e ofereceu o restante à sua tia, que o rejeitou a princípio.
- Não quero teu dinheiro, menino, quero que voltes a estudar.
- Volto nada, tia, já conversamos sobre isso.
- Tu tá fazendo a maior besteira da tua vida.
- Tô não, tia, só tô trabalhando pra me sustentar.
- Quem tá te pedindo isto?
- Eu mesmo tia, vem daqui de dentro, ó.
Todas as vezes que ele levava o terço do seu salário era assim. Um ano depois ele veio com uma novidade.
- Tia, tô indo embora.
- Tu vais pra onde, menino?
- Pra minha casa.
- Tua casa é aqui. Sempre foi e sempre será.
- Foi até hoje, tia, e eu agradeço tudo o que a senhora fez por mim, mas eu tô indo embora pra minha casa.
- Que casa é essa, menino?
- Comprei a casinha do seu Moraes.
- Tu vai morar na favela?
- E o que tem isso?
- Se tivesse precisão não teria nada, porque lá mora muita gente de bem, mas pra que isso?
- É coisa minha, tia, só isso.
- Mas... tu vai fazer uma besteira, menino, pára com isso.
Não teve quem tirasse isso da cabeça dele. Levou suas coisas e deixou a tia e os primos preocupados. No fim de semana voltou lá para visitá-los. Ouviu vários conselhos para voltar, mas ele estava resoluto, e ninguém conseguiu dissuadi-lo. Todo fim de semana, a partir de então, dava, nem que fosse uma passadinha, na casa da tia, e nunca ia de mãos vazias. Quando questionado por outros, dizia simplesmente:
- Ser livre é mais bão!
...continua
Roberto Policiano
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