Roberto Policiano

3 de mar. de 2008

Leleco - segunda e última parte

Na favela Bebeto foi logo abordado pelos ‘donos’ do território, que tentaram aliciá-lo para os ‘negócios’ da região, mas essa não era a intenção dele. Sofreu muitas pressões e ameaças, mas não ‘arredou o pé’. Chegou a ser jurado, mas Chulapa, que era da turma da pesada, fora designado para ‘entortar’ o moleque. Homem já de certa idade, conhecia o Leleco de longe, mas ao tentar convencê-lo da vantagem de fazer parte da turma e assim ser ‘protegido’ de qualquer ‘complicação’, ouviu do menino a resposta;
- Ser livre é mais bão!
- Tu tá desafiando os caras?
- Tô não. Só quero morar sossegado na minha casa. Diz pra eles que eu não vou me meter nos negócios de ninguém. Trabalho no ramo da construção. Alguém tem que construir pro pessoal morar, não é não? É só isso que eu quero.
Chulapa levou a resposta do Leleco para os chefes. No dia seguinte levou a decisão.
- Tá tudo bem, mas tu vai ser vigiado. Se tu vacilar tu vais pra cova.
- Fica tranqüilo que meu negócio é outro.
Leleco fez da favela seu lar. Cresceu na ‘bocada’. Assistiu de perto o que a maioria de nós só toma conhecimento através dos noticiários. Ali cresceu e se tornou um homem. Tinha acesso livre em qualquer parte, pois se tornou o pedreiro mais conhecido da região. Era um bom profissional, e isso fez com que granjeasse o respeito de todos. Mas o que mais chamava atenção no Leleco era sua filosofia de vida. Como todos já sabiam de cor, ele não bebia, não fumava, não cheirava, não picava, não vendia, não levava e nem trazia. Era a prova viva de um milagre. Quando perguntavam por que, respondia resoluto:
- Ser livre é mais bão!
Outra coisa que chamava a atenção em Leleco era seu modo de administrar seu negócio. Mesmo quando pegava um serviço grande, deixava claro que só trabalharia semana sim, semana não. Isso fez com que ele perdesse bons negócios, mas ele não se incomodava. Preferia trabalhar uma semana e folgar a seguinte. Na semana de trabalho não havia quem trabalhasse tanto quanto ele, inclusive nos sábados e domingos, pois sua semana de trabalho era de sete dias corridos. Só que na semana seguinte não havia montante de dinheiro que o fizesse trabalhar. Muitos tentavam fazê-lo ‘enxergar’ o dinheiro que ele deixava de ganhar por causa do seu método, mas sua resposta sempre era:
- Ser livre é mais bão!
Na sua semana de folga ele praticamente não parava na favela. Ia visitar os parentes e os amigos, fazia pequenas viagens, ficava um ou dois dias na praia, ia aos shoppings, cinema, teatro, bibliotecas, museus, enfim, fazia o que escolhia fazer, pois era sua semana de liberdade. Administrava seu dinheiro do mesmo jeito que começou – um terço guardava na poupança, um terço comprava mantimentos e coisas para casa, e um terço usava para cuidar de si. Quando alguém o aconselhava a usar sua reserva para investir em alguma coisa, Leleco respondia na hora que a reserva era para o seu futuro, quando talvez não conseguisse mais trabalhar. Quando lhe pediam uma razão para tal atitude, respondia sem pestanejar:
- Ser livre é mais bão!
Quando Leleco beirou os trinta anos de idade ainda continuava solteiro. Não era uma pessoa solitária, pelo contrário, ia às festas, aceitava convites, levava uma vida social normal, mas nunca teve namorada. Quando os amigos tocavam no assunto com ele, não se aborrecia. Sorria e dizia convicto:
- Ser livre é mais bão!
E Leleco continuou vivendo segundo sua filosofia, feliz da vida. Mas um dia, quando curtia sua semana de liberdade e andava à toa no calçadão, depois da visita que fizera à sua tia, seus olhos cruzaram com os olhos de Maria do Céu. Nem ele nem ela foram os mesmos desde então. Era o ‘pé na bota’; a ‘mão na luva’; o chapéu na cabeça’; a ‘comida no prato’; a ‘bebida no copo’; ou o que quiseres chamar. Leleco e Maria do Céu chamavam a atenção por onde quer que fossem. Quem é Maria do Céu? Para o Leleco ela é tudo, e é isso que importa.
No dia do casamento o Biriba, primo do Leleco, brincou com ele, dizendo:
- Ué Leleco, o que aconteceu com tua filosofia? Deixastes de acreditar que ‘ser livre é mais bão’?
- Não, Biriba, eu não deixei de acreditar que ser livre é mais bão.
- Então, o quê?
- Ser livre é mais bão, é verdade, mas descobri que tá preso é mais milhó!
Leleco é sabido! Quem conhece Maria do Céu concorda imediatamente com ele: ‘Tá preso é mais milhó!’

Roberto Policiano