4 de mar. de 2015
25 de fev. de 2015
18 de fev. de 2015
Óculos de ver a vida
A mamãe levou a
filhinha ao shopping a fim de fazer algumas compras. O motivo real, porém, era
apaziguar um pouco o espírito que andava um pouco perturbado. Algumas coisas
andavam a incomodar e nada melhor do que um passeio para refrigerar as ideias.
A garotinha, alheia à aflição materna, gozava da oportunidade de ver aquele
mundo maravilhoso de cores, luzes, pessoas, sons e aromas. Cada detalhe a
enchia de entusiasmo que era externalizado por uma enxurrada de perguntas e
observações. Uma vitrine chamou a atenção da senhora. Dentro em pouco ela
estava sentada diante de um balcão experimentando vários óculos de sol. A menininha
não foi esquecida, pois uma das funcionárias colocou à disposição dela uma
coleção infantil a fim de que a jovenzinha imitasse a compradora em se
olhar no espelho com o novo visual. A cada prova a criança ficava encantava com
o colorido das lentes que deixava o ambiente cor-de-rosa, lilás, azulado...
Tomada de emoção com tais experiências incríveis, a clientezinha olhou para sua
mãe e lhe perguntou:
- Mamãe com que óculos
você vê a vida?
A garota não percebeu,
mas a pergunta inquietou profundamente sua mãe.
Roberto Policiano
11 de fev. de 2015
Aconchego
Domingo de manhã;
O corpo busca proteção sob o cobertor;
O frio encontra uma brecha,
Entra encrespando a carne
E provocando arrepios
Até morrer no calor do agasalho.
A alma reclama por outro aconchego.
O espírito flutua no vácuo da carência.
A sensação de abandono dói
Mais do que a invasão do ar gelado.
O castigo do inverno interior é maior
Do que o clima da estação do ano.
O ser procura – mas não encontra –
Uma razão para se levantar.
Roberto Policiano
4 de fev. de 2015
Poucos passos para se alcançar a felicidade
Dona Lourdinha estava
atarefada com as encomendas de costura, mas nem por isso deixou de parar com
os trabalhos quando chegou a hora de preparar a refeição de Ticão, seu marido.
Ela conseguiu uma sintonia espetacular entre o fogão, o tempo, os alimentos a
ser preparados e a chegada do seu homem para o almoço. Não era incomum ela
apagar o fogo do último alimento e ouvir, logo a seguir, o giro da maçaneta
indicando que o companheiro chegara para comer.
Enquanto ele se dirigiu ao lavatório ela montou a mesa, tirou o avental, e sentou-se em sua cadeira preferida. Era o momento em que ele chegava para assumir o seu lugar a mesa. A refeição seguia sempre animada com os dois conversando sobre as atividades de ambos. Naquele dia, porém, ela só foi perceber que a farinha preferida dele havia acabado quando não dava mais para sanar a falha. Acreditou na sensatez dele e esperou que ele não fizesse caso do assunto, mas não foi o que aconteceu. Depois de montar o seu prato foi atrás do farináceo a fim de regar o alimento com ele. Não se conformou quando foi avisado pela mulher, com voz trêmula e baixa, que não dera pela falta daquele alimento. Acabou o dia para ele e, consequentemente, para ela. Fez um discurso lamurioso e exaltado, onde ficou clara sua decepção de ter que ficar sem sua iguaria. Comentou que, em sua vida, havia poucos motivos para felicidade e, um deles era exatamente poder almoçar com sua preciosa nevinha sobre a comida - como ele costumava dizer. E, para o desgosto da companheira, deixou o prato montado na mesa e saiu batendo os pés. Trancou-se em seu quarto e passou o dia com fome. A mulher também não comeu, porque o choro impediu a comida de descer. Como naquela casa não se consumia alimento requentado, tudo foi parar no lixo, inclusive a tarde de ambos. O que mais impressiona é que a casa do casal ficava ao lado de um armazém onde podia se comprar o tão desejado acompanhamento da refeição. A felicidade estava bem perto, mas o orgulho ferido e a incompreensão ergueram uma muralha entre ela e o comensal amargurado.
Enquanto ele se dirigiu ao lavatório ela montou a mesa, tirou o avental, e sentou-se em sua cadeira preferida. Era o momento em que ele chegava para assumir o seu lugar a mesa. A refeição seguia sempre animada com os dois conversando sobre as atividades de ambos. Naquele dia, porém, ela só foi perceber que a farinha preferida dele havia acabado quando não dava mais para sanar a falha. Acreditou na sensatez dele e esperou que ele não fizesse caso do assunto, mas não foi o que aconteceu. Depois de montar o seu prato foi atrás do farináceo a fim de regar o alimento com ele. Não se conformou quando foi avisado pela mulher, com voz trêmula e baixa, que não dera pela falta daquele alimento. Acabou o dia para ele e, consequentemente, para ela. Fez um discurso lamurioso e exaltado, onde ficou clara sua decepção de ter que ficar sem sua iguaria. Comentou que, em sua vida, havia poucos motivos para felicidade e, um deles era exatamente poder almoçar com sua preciosa nevinha sobre a comida - como ele costumava dizer. E, para o desgosto da companheira, deixou o prato montado na mesa e saiu batendo os pés. Trancou-se em seu quarto e passou o dia com fome. A mulher também não comeu, porque o choro impediu a comida de descer. Como naquela casa não se consumia alimento requentado, tudo foi parar no lixo, inclusive a tarde de ambos. O que mais impressiona é que a casa do casal ficava ao lado de um armazém onde podia se comprar o tão desejado acompanhamento da refeição. A felicidade estava bem perto, mas o orgulho ferido e a incompreensão ergueram uma muralha entre ela e o comensal amargurado.
Roberto Policiano
28 de jan. de 2015
Inverno
Já chegou o inverno,
Junto com ele o sol;
Multidões afluem à praia.
Nos bicos de injetoras
Florescem plásticos
De vários formatos e cores
Para diversos usos.
Logo serão descartados,
Virarão lixo,
Serão escondidos nas entranhas da terra
Ou boiarão em rios até alcançarem os mares.
Ilhas de plásticos se expandem;
Em breve o planeta Terra
Ganhará um novo continente,
Mas ninguém o reivindicará.
No entanto, sossegue,
Não precisa fazer alarde,
Está tudo sob o controle,
Só não se sabe de quem!
Roberto Policiano
21 de jan. de 2015
Sono Profundo
Sonhei que sonhava que dormia e sorria
por causa de um sonho maravilhoso. Acordei três vezes e continuei dormindo.
Quando despertei pus-me a pensar naquele, ou melhor, naqueles sonhos. Depois de
algum tempo fui levado à realidade com o toque do despertador, mas então veio a
dúvida – estava realmente acordado ou continuava dormindo? A luz do sol que
penetrava através da janela, a cortina soprada pela brisa e o aroma do café
coado me convenceram de que estava na hora de me levantar. Fui ao toalete, me
banhei, escovei os dentes, sentei-me à mesa e saboreei o café com pão ainda
quente umedecido pela manteiga derretido em seu miolo. Estava tão gostoso que
eu repeti a dose. Enquanto comia planejava com os presentes as atividades do
dia. Neste momento um sinal sonoro, muito conhecido pelos meus ouvidos, me
informava que tudo não passava de um sonho. Bem que eu estranhara a presença da
minha professora de infância me acompanhando no café da manhã! Um sonho
diferente como esse não podia passar em branco, assim, pulei da cama e fui atrás
da minha agenda e de minha caneta para anotá-lo. Depois de ler o que registrara
fiquei por um tempo meditando naquela experiência incomum. Fui levado à
realidade pela minha mulher que me sacudia levemente a fim de me acordar, enquanto
estendia o telefone com o meu primo na linha. Atendi-o e combinamos um encontro
para depois do almoço. Assim que desliguei, acordei. "Que estranho!",
pensei, "já acordei tantas vezes e, mesmo assim, continuei dormindo". Lembrei-me
do sonho de anotar o sonho e, concluindo que isso era uma boa ideia, tratei de
registrar minhas observações. Enquanto fazia isso, vieram-me à mente as
anotações anteriores. Era como se eu estivesse escrevendo os sonhos pela
segunda vez. Quando estava quase terminando de anotar minhas visões, o galo do
vizinho soltou a sua voz estridente e fez com que eu me despertasse de verdade.
Fiquei na cama pensando no assunto e decidindo se eu estava acordado mesmo ou
continuava dormindo. O som do chiado da panela de pressão me lembrou das
visitas que receberíamos para o almoço e me convenceram da
realidade de minhas sensações. Levantei-me e, depois dos rituais matinais de
higiene, fui tomar café. Enquanto sorvia a bebida misturada com
leite e saboreava uma torrada com uma cobertura generosa de requeijão cremoso,
lembrei-me do café que tomara no sonho e pensei: ‘deste jeito vou engordar uns
dois quilos”. Enquanto o alimento ainda estava em minha boca e os pensamentos
povoavam minha mente, ouvi o locutor do rádio informando que faltavam quinze
minutos para as seis horas da manhã e, portanto, o momento de sair debaixo dos
cobertores. Um tanto quanto aborrecido obedeci a voz que me acordara. ‘Aquela
torrada estava tão boa’, pensei, ‘não podia passar mais alguns minutinhos até
eu terminar de saboreá-las?’. Como eu tinha algum tempo disponível, voltei para
a cama, deitei com a cabeça sobre as mãos, que estavam abertas em cima do
travesseiro, e fiquei pensando em todos os falsos despertares. De repente
comecei a rir. Lembrei-me do galo que me acordou com o seu canto. ‘Como eu
consegui um vizinho no décimo quinto andar de um prédio com rígidas leis de
condomínio, principalmente de barulhos fora do horário estabelecido, com uma
ave barulhenta e capaz de acordar o edifício inteiro com o seu canto galante?’.
Como o tempo do qual eu dispunha terminou, deixei os sonhos e fui encarar a
realidade. Fui ao toalete pela terceira vez num curto espaço de tempo. Enquanto
fazia gargarejo com um líquido mentolado para refrescar a garganta, comecei a
ouvir uma de minhas canções preferidas e passei a gargarejar no ritmo da
música. Neste momento senti a mão de minha mulher em meu ombro direito a me
chacoalhar enquanto ela me convidada a acordar, julgando, pelos sons que eu
emitia, que eu estava a ter um pesadelo.
-
Bem!
-
Pois não, querido!
-
Eu já devo ter acordado umas quinze vezes, mas sempre descubro que eu continuo
dormindo.
-
Bem que eu o avisei para não comer todos aqueles torresmos no jantar. Porque
não toma um pouco de água?
Como
essa tática costuma funcionar comigo, aceitei a sugestão. Levantei-me, calcei
os chinelos, fui até a copa, peguei um copo de água e me dirigi até a
geladeira. Quando a abri, a luz projetada de seu interior me fez acordar.
Percebi uma brisa fria entrando pela fresta da janela do quarto. Tateei em
busca do cobertor e me agasalhei, mas não consegui dormir. As cenas mutantes
daqueles sonhos invadiram meus pensamentos. Achei que eles mereciam ser
registrados, assim, como já fizera nos sonhos, levantei-me, fui atrás de papel
e lápis, dirigi-me à sala, sentei-me na poltrona e dei início às
anotações. Quando estava terminando de
escrever a oitava sentença a ponta do lápis quebrou. Imediatamente levantei-me
da pedra onde me encontrava, andei até a praia da ilha, entrei na água gelada
e, enquanto meu corpo se arrepiava com a temperatura fria, continuei a caminhar
até que as ondas já batiam em meus ombros. Dei um mergulho e nadei em direção
ao fundo do oceano a fim de encontrar um lápis apontado para prosseguir
registrando meus sonhos.
Roberto Policiano