Sono Profundo
Sonhei que sonhava que dormia e sorria
por causa de um sonho maravilhoso. Acordei três vezes e continuei dormindo.
Quando despertei pus-me a pensar naquele, ou melhor, naqueles sonhos. Depois de
algum tempo fui levado à realidade com o toque do despertador, mas então veio a
dúvida – estava realmente acordado ou continuava dormindo? A luz do sol que
penetrava através da janela, a cortina soprada pela brisa e o aroma do café
coado me convenceram de que estava na hora de me levantar. Fui ao toalete, me
banhei, escovei os dentes, sentei-me à mesa e saboreei o café com pão ainda
quente umedecido pela manteiga derretido em seu miolo. Estava tão gostoso que
eu repeti a dose. Enquanto comia planejava com os presentes as atividades do
dia. Neste momento um sinal sonoro, muito conhecido pelos meus ouvidos, me
informava que tudo não passava de um sonho. Bem que eu estranhara a presença da
minha professora de infância me acompanhando no café da manhã! Um sonho
diferente como esse não podia passar em branco, assim, pulei da cama e fui atrás
da minha agenda e de minha caneta para anotá-lo. Depois de ler o que registrara
fiquei por um tempo meditando naquela experiência incomum. Fui levado à
realidade pela minha mulher que me sacudia levemente a fim de me acordar, enquanto
estendia o telefone com o meu primo na linha. Atendi-o e combinamos um encontro
para depois do almoço. Assim que desliguei, acordei. "Que estranho!",
pensei, "já acordei tantas vezes e, mesmo assim, continuei dormindo". Lembrei-me
do sonho de anotar o sonho e, concluindo que isso era uma boa ideia, tratei de
registrar minhas observações. Enquanto fazia isso, vieram-me à mente as
anotações anteriores. Era como se eu estivesse escrevendo os sonhos pela
segunda vez. Quando estava quase terminando de anotar minhas visões, o galo do
vizinho soltou a sua voz estridente e fez com que eu me despertasse de verdade.
Fiquei na cama pensando no assunto e decidindo se eu estava acordado mesmo ou
continuava dormindo. O som do chiado da panela de pressão me lembrou das
visitas que receberíamos para o almoço e me convenceram da
realidade de minhas sensações. Levantei-me e, depois dos rituais matinais de
higiene, fui tomar café. Enquanto sorvia a bebida misturada com
leite e saboreava uma torrada com uma cobertura generosa de requeijão cremoso,
lembrei-me do café que tomara no sonho e pensei: ‘deste jeito vou engordar uns
dois quilos”. Enquanto o alimento ainda estava em minha boca e os pensamentos
povoavam minha mente, ouvi o locutor do rádio informando que faltavam quinze
minutos para as seis horas da manhã e, portanto, o momento de sair debaixo dos
cobertores. Um tanto quanto aborrecido obedeci a voz que me acordara. ‘Aquela
torrada estava tão boa’, pensei, ‘não podia passar mais alguns minutinhos até
eu terminar de saboreá-las?’. Como eu tinha algum tempo disponível, voltei para
a cama, deitei com a cabeça sobre as mãos, que estavam abertas em cima do
travesseiro, e fiquei pensando em todos os falsos despertares. De repente
comecei a rir. Lembrei-me do galo que me acordou com o seu canto. ‘Como eu
consegui um vizinho no décimo quinto andar de um prédio com rígidas leis de
condomínio, principalmente de barulhos fora do horário estabelecido, com uma
ave barulhenta e capaz de acordar o edifício inteiro com o seu canto galante?’.
Como o tempo do qual eu dispunha terminou, deixei os sonhos e fui encarar a
realidade. Fui ao toalete pela terceira vez num curto espaço de tempo. Enquanto
fazia gargarejo com um líquido mentolado para refrescar a garganta, comecei a
ouvir uma de minhas canções preferidas e passei a gargarejar no ritmo da
música. Neste momento senti a mão de minha mulher em meu ombro direito a me
chacoalhar enquanto ela me convidada a acordar, julgando, pelos sons que eu
emitia, que eu estava a ter um pesadelo.
-
Bem!
-
Pois não, querido!
-
Eu já devo ter acordado umas quinze vezes, mas sempre descubro que eu continuo
dormindo.
-
Bem que eu o avisei para não comer todos aqueles torresmos no jantar. Porque
não toma um pouco de água?
Como
essa tática costuma funcionar comigo, aceitei a sugestão. Levantei-me, calcei
os chinelos, fui até a copa, peguei um copo de água e me dirigi até a
geladeira. Quando a abri, a luz projetada de seu interior me fez acordar.
Percebi uma brisa fria entrando pela fresta da janela do quarto. Tateei em
busca do cobertor e me agasalhei, mas não consegui dormir. As cenas mutantes
daqueles sonhos invadiram meus pensamentos. Achei que eles mereciam ser
registrados, assim, como já fizera nos sonhos, levantei-me, fui atrás de papel
e lápis, dirigi-me à sala, sentei-me na poltrona e dei início às
anotações. Quando estava terminando de
escrever a oitava sentença a ponta do lápis quebrou. Imediatamente levantei-me
da pedra onde me encontrava, andei até a praia da ilha, entrei na água gelada
e, enquanto meu corpo se arrepiava com a temperatura fria, continuei a caminhar
até que as ondas já batiam em meus ombros. Dei um mergulho e nadei em direção
ao fundo do oceano a fim de encontrar um lápis apontado para prosseguir
registrando meus sonhos.
Roberto Policiano
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