Roberto Policiano

21 de jan. de 2015

Sono Profundo




Sonhei que sonhava que dormia e sorria por causa de um sonho maravilhoso. Acordei três vezes e continuei dormindo. Quando despertei pus-me a pensar naquele, ou melhor, naqueles sonhos. Depois de algum tempo fui levado à realidade com o toque do despertador, mas então veio a dúvida – estava realmente acordado ou continuava dormindo? A luz do sol que penetrava através da janela, a cortina soprada pela brisa e o aroma do café coado me convenceram de que estava na hora de me levantar. Fui ao toalete, me banhei, escovei os dentes, sentei-me à mesa e saboreei o café com pão ainda quente umedecido pela manteiga derretido em seu miolo. Estava tão gostoso que eu repeti a dose. Enquanto comia planejava com os presentes as atividades do dia. Neste momento um sinal sonoro, muito conhecido pelos meus ouvidos, me informava que tudo não passava de um sonho. Bem que eu estranhara a presença da minha professora de infância me acompanhando no café da manhã! Um sonho diferente como esse não podia passar em branco, assim, pulei da cama e fui atrás da minha agenda e de minha caneta para anotá-lo. Depois de ler o que registrara fiquei por um tempo meditando naquela experiência incomum. Fui levado à realidade pela minha mulher que me sacudia levemente a fim de me acordar, enquanto estendia o telefone com o meu primo na linha. Atendi-o e combinamos um encontro para depois do almoço. Assim que desliguei, acordei. "Que estranho!", pensei, "já acordei tantas vezes e, mesmo assim, continuei dormindo". Lembrei-me do sonho de anotar o sonho e, concluindo que isso era uma boa ideia, tratei de registrar minhas observações. Enquanto fazia isso, vieram-me à mente as anotações anteriores. Era como se eu estivesse escrevendo os sonhos pela segunda vez. Quando estava quase terminando de anotar minhas visões, o galo do vizinho soltou a sua voz estridente e fez com que eu me despertasse de verdade. Fiquei na cama pensando no assunto e decidindo se eu estava acordado mesmo ou continuava dormindo. O som do chiado da panela de pressão me lembrou das visitas que receberíamos para o almoço  e me convenceram da realidade de minhas sensações. Levantei-me e, depois dos rituais matinais de higiene, fui tomar café. Enquanto sorvia a bebida misturada com leite e saboreava uma torrada com uma cobertura generosa de requeijão cremoso, lembrei-me do café que tomara no sonho e pensei: ‘deste jeito vou engordar uns dois quilos”. Enquanto o alimento ainda estava em minha boca e os pensamentos povoavam minha mente, ouvi o locutor do rádio informando que faltavam quinze minutos para as seis horas da manhã e, portanto, o momento de sair debaixo dos cobertores. Um tanto quanto aborrecido obedeci a voz que me acordara. ‘Aquela torrada estava tão boa’, pensei, ‘não podia passar mais alguns minutinhos até eu terminar de saboreá-las?’. Como eu tinha algum tempo disponível, voltei para a cama, deitei com a cabeça sobre as mãos, que estavam abertas em cima do travesseiro, e fiquei pensando em todos os falsos despertares. De repente comecei a rir. Lembrei-me do galo que me acordou com o seu canto. ‘Como eu consegui um vizinho no décimo quinto andar de um prédio com rígidas leis de condomínio, principalmente de barulhos fora do horário estabelecido, com uma ave barulhenta e capaz de acordar o edifício inteiro com o seu canto galante?’. Como o tempo do qual eu dispunha terminou, deixei os sonhos e fui encarar a realidade. Fui ao toalete pela terceira vez num curto espaço de tempo. Enquanto fazia gargarejo com um líquido mentolado para refrescar a garganta, comecei a ouvir uma de minhas canções preferidas e passei a gargarejar no ritmo da música. Neste momento senti a mão de minha mulher em meu ombro direito a me chacoalhar enquanto ela me convidada a acordar, julgando, pelos sons que eu emitia, que eu estava a ter um pesadelo.

            - Bem!

            - Pois não, querido!

           - Eu já devo ter acordado umas quinze vezes, mas sempre descubro que eu continuo dormindo.

            - Bem que eu o avisei para não comer todos aqueles torresmos no jantar. Porque não toma um pouco de água?

            Como essa tática costuma funcionar comigo, aceitei a sugestão. Levantei-me, calcei os chinelos, fui até a copa, peguei um copo de água e me dirigi até a geladeira. Quando a abri, a luz projetada de seu interior me fez acordar. Percebi uma brisa fria entrando pela fresta da janela do quarto. Tateei em busca do cobertor e me agasalhei, mas não consegui dormir. As cenas mutantes daqueles sonhos invadiram meus pensamentos. Achei que eles mereciam ser registrados, assim, como já fizera nos sonhos, levantei-me, fui atrás de papel e lápis, dirigi-me à sala, sentei-me na poltrona e dei início às anotações.  Quando estava terminando de escrever a oitava sentença a ponta do lápis quebrou. Imediatamente levantei-me da pedra onde me encontrava, andei até a praia da ilha, entrei na água gelada e, enquanto meu corpo se arrepiava com a temperatura fria, continuei a caminhar até que as ondas já batiam em meus ombros. Dei um mergulho e nadei em direção ao fundo do oceano a fim de encontrar um lápis apontado para prosseguir registrando meus sonhos.



Roberto Policiano