Roberto Policiano

2 de mai. de 2007

Inacreditável



O Zé, assim como o João, levanta mais cedo para ir ao serviço a pé. Uma hora e meia para ir e outra hora e meia para voltar. Isso lhe rende uns trocados, um modo de aumentar seu orçamento. É assim de segunda à sexta. O duro é quando recebe a cesta básica, pois tem que carregá-la na cabeça até em casa. No sábado faz bico numa banca da feira, onde, além de um dinheirinho a mais, consegue algumas frutas para a família. Estão um pouco amassadas, é verdade, mas Tereza, sua mulher, aproveitam-nas bem. É só tirar as partes estragadas que dá uma ótima salada de frutas. As crianças até gostam! Mulher de ouro, a Tereza. Não é que duas vezes por semana ela, junto com algumas amigas, vão até o Ceasa para aproveitar as sobras das mercadorias? Algumas mulheres do bairro criticam, dizendo que é lixo de feira, mas elas não se importam com isso e voltam para casa com várias sacolas cheias de verduras, legumes e frutas, com quase nenhum estragadinho. Zé costuma dizer que Tereza não é só seu braço direito, mas sim seus dois braços. Pois ela, para complementar o salário da família e ajudar o marido a sustentar os cinco filhos, além de lavar roupa para fora, ainda consegue, duas vezes por semana, trabalhar como diarista. Domingo o Zé não descansa. Levanta cedo, côa o café e busca pão num mercadinho que, embora fique bem mais longe da padaria, é um pouco mais barato. Depois de tomar seu café com pão, coisa que ele não dispensa nunca, pega sua caixa de isopor e ruma para sorveteria, pois ele passa o domingo vendendo sorvetes no parque do Ibirapuera. Todo domingo é assim, menos neste último, pois, no dia anterior, a fim de ganhar uns trocados extras, fui ajudar o ajudar o Nestor a encher a laje do Amaral, mas, por ficar muito tempo descalço mexendo concreto, acordou com vários cortes entre os dedos dos pés. Ainda bem que Tereza conhece de remédio caseiro e fez um emplasto que, garante ela, vai deixar os pés deles sãos já para o dia seguinte. Zé ficou feliz pois, sendo assim, não precisará gastar dinheiro à toa com a condução. Enquanto descansava um pouco numa poltrona Zé pegou um dos jornais, que seus filhos juntam para vender no ferro velho, e foi treinar sua leitura, coisa que ele nunca fazia, por causa da falta de tempo. Não deu nem cinco minutos e ele começou a rir. Sua mulher, que naquele momento passava por ele com uma peça de bofe de boi a fim de prepará-lo para o almoço da família, quis saber o que ele lera de tão engraçado. “Esses repórteres têm cada imaginação”, disse ele sorrindo para a mulher enquanto apontava a parte da página do jornal que acabara de ler, e, continuando, falou: “Esse aqui tá dizendo que os deputados federais e os senadores, além dos salários que ganham, recebem casas com tudo quanto é móveis pra morar. E tudo de graça! Diz também que eles recebem não sei quantos litros de combustíveis por mês pra andar pra lá e pra cá. E eles nem precisam dirigir, pois o governo dá um motorista pra cada um deles. Você pensa que acabou? Diz aqui que eles recebem passagens de avião pra ir pras terras deles. Não é uma vez por anos só não, são muitas. Aqui tá escrito também que, além do décimo terceiro, eles recebem outros salários. E, pra completar, o repórter fala que eles têm duas férias por mês. Não, espere, tem mais uma coisa que diz aqui que eu já ia esquecendo. Eles nem precisam trabalhar todos os dias. Cada história que essa turma inventa! Será que eles pensam que alguém vai acreditar numa mentira dessa?”
Roberto Policiano

1 Comments:

At 1:15 AM, Blogger 5T4NL3Y said...

Fantástico este 'conto' ein caríssimo?!! Com astúcia, critíca de uma forma leve e interessante esta pouca vergonha que é a política brasileira!

Abraço e obrigado por mais este escrito

 

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