Automatismo moderno
Quando colocou o último bocado em sua boca voltou a si. Olhou para a taça de sorvete e a percebeu vazia. Assustou-se com aquilo, pois tomara todo o sorvete sem se dar conta. Sua mente estava tão ocupada com tantas coisas que nem sentira o sabor da sobremesa, mesmo sendo a sua preferida. Como pode sorver toda aquela delícia sem nem mesmo perceber? Este incidente fez com que fizesse uma reflexão sobre sua própria vida. Concluíra, com grande perplexidade, que sua vida, tal qual a taça de sorvete, escapava-lhe antes que fosse usufruída. Era como se sua própria vida não lhe pertencia. Na maioria das vezes estava em lugar que não escolhera estar, que lhe fora imposto pelas obrigações, compromissos, responsabilidades, e tantas outras amarrações que o sistema lhe impusera. E para quê? Tentou responder a si mesmo a pergunta, mas foi debalde. Uma angustia invadiu de repente todo o seu ser. Descobriu-se um simples objeto manipulado num redemoinho de exigências que, se quisesse fazer parte do sistema, deveria cumpri-las tão eficazmente quanto possível, pois disso dependia sua permanência na posição que ocupava naquele momento. Mas era isso o que queria realmente? Como saber se nunca tivera tempo para refletir? Ademais, que alternativa lhe restava? Depois de refletir por alguns momentos tomou uma decisão:
- Por favor!
- Pois não!
- Traga-me outra taça de sorvete do mesmo sabor.
Ao receber a taça não quis pensar em outra coisa. Fez questão de se concentrar enquanto saboreara cada bocado daquela gostosura! O que faria de sua vida era algo para se pensar depois. Decidira, ali mesmo, fazer uma coisa de cada vez. Aquela hora foi reservada para se tomar sorvete - e nada mais.
Roberto Policiano
3 Comments:
olá,
este texto diz muito para mim. quando decidi trancar a facul era bem isso que estava acontecendo comigo... parar para refletir e logo, saborear aquilo que escolhi para minha vida. aprendi que quando fazemos isso fazemos muito bem feito porque fazemos com todo nosso ser.
mas,não vou negar, as vezes tenho que estar vigilante para não voltar a fazer tudo automaticamente...
fica com Deus
Thais
Carpe Diem! Carpe Diem!
Às vezes, no entanto, pergunto-me se de tanto a queremos aproveitar não acabamos por cair no oposto, ou seja, desperdiçá-la.
Um texto - como sempre - muito bem construído e que convida à reflexão.
Fiquem bem.
O equilíbrio, Thais e Ana, não é e nunca foi fácil, mas não tevemos desistir de atingi-lo. Um grande abraço
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