Auditoria
Domingo à tarde. Chovia torrencialmente. Desistiu de sair, mas o que fazer? Sentou-se na poltrona da sala de estar; estirou as pernas; esticou os braços longa e demoradamente; bocejou à vontade; largou o corpo relaxado na poltrona e deixou-se ficar assim por vários minutos. Sentiu a necessidade de fazer uma auditoria de sua vida. Tirou o baú do recôndito de seu cérebro; eliminou as teias de aranha; espanou a tampa a fim de se livrar do pó e, com o coração acelerado, abriu o móvel bem devagar. Resolveu contar as lágrimas estocadas. Foi um trabalho doloroso e corajoso. Ao término da contabilidade teve uma triste surpresa – havia mais lágrimas do que as que derramara. Cruzou as pernas, apoiou um dos cotovelos no braço da poltrona, pousou o queixo na mão do braço apoiado, e deixou-se levar em pensamentos. Os olhos, tristes e embaçados, logo ficaram cheios de água, acrescentando lágrimas à sua coleção, pois concluíra que as excedentes foram as lágrimas que causara em outrem. Refletiu um longo tempo sobre a descoberta. Tentou reviver cada situação onde as lágrimas nasceram e participou do longo jogo de auto-absolvição e auto-condenação. Suspirou profunda e demoradamente e tomou uma resolução – a mais significativa de sua vida: daquele dia em diante se esforçaria para não acrescentar nenhuma lágrima alheia ao seu baú. Objetivara que, no futuro, ao fazer nova auditoria, se encontra-se algumas lágrimas adicionais, que sejam apenas as suas!
Roberto Policiano
5 Comments:
Roberto, muito gostosa a leitura de seus mini-contos e acaba por nos fazer refletir.
Abraço
Damáris
Excelente texto, amigo Roberto. Excelente! Talvez, um dia, eu tenha coragem de assumir a mesma posição face ao meu baú...
Abraço portuense.
Ana, de fato é preciso coragem! Damáris, fico feliz de contribuir à reflexão. Abraços
Excelente...
Obrigado, Samantha, por sua visita. Volte sempre que desejar.
Abraços
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