Roberto Policiano

27 de jun. de 2011

Libertação






Enquanto aguardava sua vez na sala de espera de um consultório psicológico folheava sem muito interesse uma das revistas disponíveis. Só queria observar as gravuras para passar o tempo. No entanto, seus olhos acharam a palavra obsessão e arrastaram com eles toda a atenção disponível. Foi então que leu uma informação intrigante. A obsessão pode ser notada nos pequenos detalhes do dia a dia do sujeito. Tomar banho no horário costumeiro, visitar o supermercado no mesmo dia da semana, comer os alimentos preparados de um jeito só, viajar sempre por um único caminho, são alguns sinais, dizia o artigo, que poderia indicar uma sutil obsessão. Esqueceu as gravuras e leu atentamente o artigo, relendo-o a seguir e tornando a fazê-lo, só interrompendo a leitura quando ouviu seu nome ser anunciado.
Assim que chegou a casa correu para o computador e só saiu dali horas depois com um maço de papéis que acabara se ser impresso. Segurava os documentos com a mão direita enquanto batia-os lentamente nas pontas dos dedos da mão esquerda. Seu rosto estava iluminado por um sorriso, mas não era um qualquer, era, nada mais nada menos, um sorriso de libertação. Conseguira, depois de extenso raciocínio, planejar sua vida para os próximos cinco anos. Sua rotina estava devidamente tabulada para que nenhum ato seu se repetisse, seja no horário, itinerário, alimentação, passeio, pessoas, ou seja, conseguira enquadrar a si mesmo a fim de não cair num modo obsessivo de ser!


Roberto Policiano

20 de jun. de 2011

Tela






No horizonte a abóbada celeste parece ter acabado de receber uma camada generosa de azul.
No fundo uma montanha adornada em seu cimo por um anel de nuvem e parcialmente coberta de vegetação deixa à mostra rochas incrustadas em seu solo.
À direita um imenso prado salpicado de flores multicoloridas é tomado por animais silvestres que se deliciam de suas tenras gramíneas.
À esquerda um rio serpenteia por entre pedras liberando o seu frescor e seu marulho.
Um casal de tucanos troca carícias num dos galhos de uma macieira.
O sol, que iniciou seu declive no poente, presenteia o dia pincelando de dourado as nuvens do entardecer.
Eu, da varanda, assisto a este magnífico espetáculo enquanto ouço uma música suave que vem do interior da casa e parece fazer o ar bailar ao som de suas notas musicais.
De repente você aparece no alpendre com os olhos irradiando de contentamento e o rosto enfeitado por um lindo sorriso que gradativamente vai se desfazendo para se transformar num botão que é delicadamente depositado em meus lábios.
Em seguida sua cabeça desliza vagarosamente e apóia gentilmente em meu peito.
Meu braço direito enlaça ternamente teu corpo e minha mão procura pela sua.
Nossos dedos se entrelaçam numa tentativa de parar o tempo neste instante.
Que momento de paz!

Que dia feliz!



Roberto Policiano

13 de jun. de 2011

Despertanto






Embora estivesse viajando num dos trens do metrô em direção ao seu trabalho, seu pensamento a tirara dali para levá-la em devaneios a rápidas passagens de sua própria vida. Quem observasse atentamente seus olhos perceberia seu olhar introspectivo e perceberia sua viagem mental. Quanto o sinal sonoro de segurança disparou trouxe-a de volta para o trem. Foi então que ela o viu em pé, perto do banco ocupada por ela. Não conseguiu disfarçar seu espanto nem impediu que seus olhos procurassem insistentemente penetrar no olhar dele que, distraído, não percebeu a intenção dela. Essa situação continuou pelo tempo que durou para que o trajeto dele fosse percorrido, mesmo assim ele não notou a tentativa de comunicação por parte dela. Quando o momento para desembarque do nosso passageiro se aproximava, ele virou-se e se aproximou das portas a fim de seguir para seu destino, deixando sua admiradora com um desapontamento imenso ao perceber que aquela separação poderia ser para sempre. No momento em que ele abandonou o trem e se dirigiu em direção à escadaria do lugar, parecia, do ponto de vista dela, que o seu mundo ruía impiedosamente.
Quando o pé dele alcançou o primeiro degrau, sentiu uma mão agarrando seu antebraço. Ao olhar para trás foi surpreendido pela responsável por aquele ato repentino e inesperado. Antes de ele pedir uma razão por aquela abordagem inusitada, ela deu uma explicação tão espetacular quanto sua atitude.
- Desculpe-me, mas eu não poderia deixá-lo escapar mais uma vez.
- Perdão, mas eu estou confuso. Você não está me confundindo com alguém?
- Tenho certeza absoluta que estou conversando com a pessoa certa! Se você puder dispor de alguns minutos posso convencê-lo disto.
Os dois se dirigiram até um dos bancos da estação para conversarem melhor.
- Estou curioso para ouvir o que você tem a me dizer, embora lhe garanto que eu não sou a pessoa que você está pensando ter encontrado.
- Você já me visitou várias vezes e, em todas elas, quando tudo pareceria que acabaria bem, as coisas se desintegravam no ar.
- Não falei que era engano de sua parte? Não me recordo de conhecê-la.
- Pode ser, isto é bem provável.
- Não me entenda mal, mas estou achando sua história desconexa. Como eu posso ter visitado você por várias vezes e, ao mesmo tempo, não conhecê-la?
- É porque você vem visitar-me em meus sonhos.
- O quê?
- Isso mesmo! Por vários meses tenho sonhado com você, embora eu também não o conhecesse pessoalmente. Mas você já esteve em muitos de meus sonhos. Lembro-me até hoje do nosso primeiro encontro, ou seja, da primeira vez que sonhei com você. Estávamos em uma praia. Era no fim de uma tarde. O sol já havia iniciado seu mergulho no horizonte e pintado de dourado as águas do mar. Eu estava sentada em uma das pedras que havia do lado direito do lugar, onde as ondas batiam provocando espumas que se infiltravam nos vãos, admirada com a cor emprestada pelo grande astro ao oceano, quando você apareceu de repente, como que trazido pela maré, numa rocha contígua à que eu ocupava. Assim que nossos olhos se encontraram sentimos o vínculo que nos uniu imediatamente e foi selado por um sorriso que iluminou imediatamente tanto o meu quanto o seu rosto. Você caminhou até a extremidade da pedra que ocupara e estendeu sua mão direita em minha direção. Assim que os meus dedos tocaram os seus, fui acordada pelo som do despertador.
- Que azar!
- Foi exatamente o que achei. Poucas dias depois, enquanto eu escalava uma montanha ainda encoberta pela névoa da manhã, cujo frio queimava meu rosto e minhas mãos ao me esforçar para atingir um ponto onde eu poderia descansar um pouco e tomar uma bebida quente que trazia comigo, escorreguei numas pedrinhas e perdi o pé de apoio, você apareceu e jogou uma corda para mim. Não sei se fiquei mais feliz por sair daquele apuro ou com a sua presença. Subia contente em sua direção quando novamente o despertador me fez ver que era apenas um sonho.
- E a aventura foi interrompida ainda em seu começo!
- Passei aquele dia tentando reatar o sonho em devaneios, mas foi uma luta em vão. Cerca de duas semanas depois, estava eu caminhando numa noite chuvosa, procurando me esconder debaixo de um guarda-chuva ao mesmo tempo em que tentava aparar o vento que mudava constantemente de direção, tornando quase inútil meu esforço em me manter seca, quando, de repente, um carro em alta velocidade passou por uma poça d’água criando uma onda que me deixou encharcada. Antes que eu gritasse de raiva e de desespero outro automóvel encostou suavemente. Quando sua porta foi aberta ouvi pela primeira vez a sua voz, que me convidava para entrar. Imediatamente aceitei a sua ajuda e entrei apressadamente. Quando me virei para agradecer a sua gentileza, fui acordada pelo miserável do despertador.
- Isso já está parecendo perseguição.
- Não é mesmo? Pois bem, estas foram algumas das várias vezes que recebi a sua visita em meus sonhos, que sempre foram interrompidos de maneira abrupta antes de chegarmos ao nos conhecer melhor. Fiquei tão indignada com o meu despertador que na semana passada travei-o. Quero ver você me interromper novamente? Dizia à ele enquanto desativava sua função de despertar, transferindo esta responsabilidade para o meu aparelho de telefone celular que, no lugar do barulho irritante, passou a me despertar com uma rádio musical.
- Bela mudança!
- Também fiquei feliz com esta alteração, me condenando por não ter feito isto antes. Pois bem, quando o vi no trem, tive um sobressalto. Não, você não era apenas uma miragem de um lindo sonho, você era real, bem real! Mas, como no sonho, você estava para deixar minha vida para sempre, e eu não poderia permitir que isso acontecesse, de modo que, enquanto me entristecia por ver seu desembarque, algo dentro de mim falou: “não o deixe escapar desta vez!”, de modo que me levantei num salto e consegui sair antes que a porta fechasse. E aqui estamos nós, sentados neste incômodo banco de uma estação do metrô, conversando sobre tudo isso. Não acha isso um presságio que devemos levar em consideração.
- Não, não acho, tenho absoluta certeza! E garanto-lhe, não permitirei que nada nem ninguém nos separem, como nos seus sonhos.
E, olhando-a em seus olhos, estendeu sua mão direita até a sua cabeça e foi em direção a ela para selar seu juramento com um doce beijo e...
- Seis horas da manhã. Hora de levantar minha gente! E para começar bem o seu dia ouça essa linda canção que...



Roberto Policiano

7 de jun. de 2011

Benjoriando

























Segui o esquema à risca,
Assim, depois de uma intensa busca,
E pagando o preço à vista,
Conseguir comprar um Fusca.

Um dos meus camaradinhas
Cuja alcunha é Paulão
Saudou a dívida que tinha
E eu comprei meu violão

O próximo passo de ação
Foi feito com muito dengo
Meu time do coração
Passou a ser o flamengo

Se eu moro num país tropical,
Bonito por natureza,
Para ficar tal e qual,
Só falta a minha Tereza.



Roberto Policiano