Roberto Policiano

28 de jan. de 2013

Aposentadoria



Acordou com o barulho estridente do despertador. Levantou-se, travou o relógio e ia se preparar para o trabalho quando lembrou que era o primeiro dia de sua aposentadoria. Sentou-se na beirada da cama, passou as mãos no rosto e nos cabelos e continuou na mesma posição por vários minutos, pois não sabia o que fazer. Sua rotina, nos últimos quarenta anos, foi levantar-se ao som característico de todas as manhãs e, quase que automaticamente, se aprontar, pegar sua marmita, e sair em direção ao ponto de ônibus. Agora que esta ação não era mais necessária, simplesmente não sabia dar o passo seguinte. Como não lhe sobrou alternativa, deu de filosofar – coisa de ociosos que os gregos podem comprovar muito bem -. Descobriu, na verdade sem muito esforço, que nos últimos anos sua vida não lhe pertencia, pois, com a imposição das necessidades, a vendera para o mercado de trabalho. Assim, funcionou como a uma máquina automática sem haver a necessidade de pensar no que fazer, posto que isto já estivesse determinado por aqueles que alugaram seu tempo para tocarem os projetos deles. Acostumou-se a proceder como uma coisa sem ter o trabalho de decidir o que fazer, como aconteceu com a grande maioria dos em sua volta. Tal situação nunca lhe causou qualquer angústia, pois presumira como sendo o modo de vida natural e esperado por e para todos. Agora que a sua vida voltara sob o seu comando, não sabia como conduzi-la. Sentiu certa estranheza com isso. Deu-se conta que sua vida fora administrada todo esse tempo por outros. Uma sensação de sequestro se apoderou de si e concluiu que vivera em cativeiro nos últimos quarenta anos. Foi até o espelho e encarou sua imagem demoradamente. Presenciou a marca deixada pelo tempo em seu rosto, cabelos, braços, mãos... Recusou-se a continuar o autoexame. Voltou a sentar-se na beirada da cama. Ficou por alguns minutos a contemplar seus pés. “E achar que era eu que os comanda”, pensou. Deu um longo e profundo suspiro.  Assustou-se com o fato de que, estando agora a sua vida aos seus cuidados e direção, não tinha a menor ideia do que fazer com ela.
 
Roberto Policiano

2 Comments:

At 4:42 PM, Anonymous Cecilia Cardoso da Silva said...

Achei uma perspectiva negativa da aposentadoria. Aposto que se fosse uma mulher, seria diferente. Aguardo um novo texto, com as delícias dessa fase inicial. Rsrsrs

 
At 8:45 AM, Anonymous Roberto Policiano said...

Olá Cecília! Obrigado por tua visita e comentário. Na realidade minha ideia foi apontar a manipulação dos trabalhadores. A aposentadoria foi uma descoberta de ter sua vida dirigida por outros. Agora podendo decidir o que fazer com a vida, o aposentado se esqueceu de como faz isso, mas ele vai aprender, pode ter certeza! Aguarde o texto "Vai e vem das ondas". Volte sempre e deixe tua opinião, que é sempre apreciada. Um grande abraço!

 

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