Tiquico
Como posso esquecê-lo? Tinha seus oito anos de idade. Cabeça pequena, corpo coberto apenas por um calção, deixando à mostra o corpo raquítico, e pés encardidos pela poeira das ruas descalças. Dia após dia era assim que ele andava. Seu nome? Não sei. Tiquico era o seu apelido, talvez em razão de seu pequeno tamanho. Mas naquele dia ele teve uma idéia. Não, não era uma idéia qualquer. Era a melhor e a mais importante idéia que aquele garoto já tivera, e ele sabia disso. Seu rosto, coberto por uma camada fina do pó das ruas, iluminou com um sorriso. Até isso era singular nele, pois ela sorria puxando os lábios para cima sem mostrar os dentes, ao mesmo tempo em que franzia a testa e arregalava os olhos. Aquela grande idéia fez com que o brilho do seu olhar tornasse mais intenso do que o costumeiro. Não é qualquer um que, à idade de oito anos, já sabe o que quer da vida, e ele, Tiquico, acabara de descobrir qual seria a sua profissão - escultor. Esfregando as mãos de contente, saiu em disparada para por em execução a idéia que tivera. Tudo o que ele precisava era de uma madeira para esculpir. Depois de procurar por cerca de dez minutos, encontrou um pedaço de peroba rosa de aproximadamente trinta centímetros de comprimento. Mirou por alguns instantes aquela peça de madeira deitada em suas pequenas mãos e anteviu a sua primeira obra de arte. Aquela cor, bonita e brilhante, enriqueceria ainda mais o seu trabalho. Só lhe faltava a ferramenta, pois o resto era com ele. Vinte minutos se passaram e, não obstante o seu empenho, não encontrou o que procurava. Desolado, sentou-se num dos degraus da porta da cozinha. Colocou o pedaço de madeira no chão, entre os seus pés; apoiou os cotovelos em seus joelhos; deitou as faces em cada uma das palmas de suas mãos, e quedou-se pensativo. Alguns segundos de meditação foram suficientes para ajudá-lo a achar a solução para o seu problema. Ficou em pé num pulo e entrou na cozinha. Logo depois estava de volta carregando uma faca que tirara do faqueiro que era guardado para ser usado em ocasiões especiais. Com a ferramenta e a matéria prima à mão, ocupou o seu atelier, que nada mais era do que o degrau da cozinha, e iniciou a sua primeira obra de arte. Quinze minutos depois concluiu que não nascera para aquilo. Como é difícil ser escultor, pensava ele, enquanto encarava os míseros fiapos que conseguira arrancar da madeira após tanto esforço. Seu corpo estava molhado de suor. A mão que segurava a faca tremia, em vista da força que fizera e da ardência proveniente das três bolhas de água que a fricção da ferramenta causara. Levantou; foi até a pia, lavou, secou e guardou a faca no lugar de onde tirara; jogou a madeira, quase uma obra de arte, no lixo e, batendo a parte de trás do calção para livrá-lo do pó do degrau da escada, disse para si mesmo:
- Esse negócio de ser escultor não é comigo.
E, ganhando a rua, foi em busca de uma atividade mais fácil e menos dolorosa.
Roberto Policiano
2 Comments:
Ah, Rui, que triste...
Adoro esse seu realismo, dá para imaginar a cena e o personagem em todos os detalhes.
Parabéns.
Realmente, Roberto, posso ver o menino...
Como sempre EXCELENTE!!!!
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