Roberto Policiano

26 de mar. de 2007

Planeta Terra

O planeta geme
Pois está ferido
O coitado treme
Todo dolorido.

Seus mares espumam
Ao prever sua morte.
Os seus rios agouram
Pela mesma sorte.

Suas cascatas choram
Por tantos maus-tratos
Que se lhes infligem.

Poucos rostos coram,
Mas muitos, de fato,
O planeta infringem.


Roberto Policiano

19 de mar. de 2007

Sufoco


Terça-feira, seis horas e quarenta e cinco minutos. O dia não começou muito bom para ele. Ao entrar no ônibus a primeira decepção – os bancos eram de plásticos maciços. Viajar por cerca de duas horas num daqueles bancos não seria nada fácil. Outro problema – só havia lugares vagos nos bancos do corredor. Resignou-se e escolheu um dos bancos, torcendo para que as coisas não piorassem. Parece que naquele dia todos estavam atrasados, pois, dentre em pouco, o ônibus estava entupido de gente. “É”, pensou, “nunca fui um bom torcedor”. Quinze minutos de viagem e já levara três cotoveladas na cabeça e duas pancadas de bolsa na testa. “O que pode me acontecer ainda?”, ironizou. A resposta veio cinco minutos depois, quando uma senhora tentou se encaixar ao seu lado. Aperta daqui, empurra de lá, sacode acolá até conseguir ficar literalmente socada num pequeno espaço que havia ali. Alguns minutos depois um passageiro tentou passar pelo corredor em direção à porta da saída. Ao tentar abrir espaço para passar empurrou a senhora para cima do infeliz, que teve sua cabeça parcialmente engolida pela barriga da companheira de viagem. Visivelmente zangada com o ocorrido, a mesma virou bruscamente a fim de dirigir alguns impropérios àquele que a empurrara. O movimento quase arrancou a orelha do nosso herói. Foi aí que a senhora reparou que uma amiga sua estava bem ao seu lado.
- Comadre, você por aqui?
- Eu mesma. Que ônibus medonho de apertado!
- É sempre assim, comadre, é sempre assim.
Terminado esse cumprimento inicial, a mulher voltou a sua posição atual, levando a orelha do pobre coitado junto.
- Eu ouvir dizer que seu filho mais velho vai se casar novamente. É verdade isso?
- Casar não casa não, comadre, mas já estão morando juntos, respondeu a outra, que virou para a amiga a fim de conversar. E a orelha foi levada com a barriga.
“Agora compreendo porque orelha não tem osso”, ainda conseguiu pensar o rapaz.
- É uma boa moça?
- Quisera eu que fosse, porque ele é meu filho. Mas a peste é uma jararaca, isso sim.
- Não me diga, mulher!
- Sabe aquela minha neta, filha desse meu filho?
- Claro que sei comadre, ela está bem?
- Como poderia estar com uma mulher daquela como madrasta? Está sofrendo mais do que a Gata Borralheira.
- Não fale isso não, minha amiga.
- Falo porque é verdade, comadre, falo porque é verdade. Além do mais é preguiçosa. Nunca vi ninguém mais preguiçosa do que aquela, vi nada! De vez em quando minha neta vai até em casa, porque eu ainda tenho o desprazer de ter aquela praga daninha morando na MINHA CASA, que construí na parte de trás do meu terreno COM MUITO SUOR, se é que a senhora quer saber. Pois bem, a coitadinha da minha neta vai até em casa para não morrer de fome, está me entendendo?
- E o seu filho?
- É um burro e não um homem. Mais de uma vez eu cheguei até ele e disse: “Meu filho, eu pensei que tivesse criado um homem, está me ouvindo? Mas meu coração de mãe corta de tristeza quando eu vejo que você se transformou em um burro! Um BURRO, está me ouvindo? Um BURRO, está me entendendo?” Falei isso sim, comadre, embora meu coração de mãe ficasse em pedaços, falei para ver se ele abria os olhos.
Enquanto ela falava de seus dissabores, fazia isso com tanta veemência, que toda sua raiva repercutia em sua barriga, resultando num constante chacoalhar da cabeça do infeliz.
- E o que ele fez, comadre?
- Teve o descaramento de esboçar um sorriso. Aquilo me ferveu tanto no sangue que eu saí de perto para não encher a cara dele de tapa, dizia furiosa, enquanto cuspia gotículas de saliva no azarado.
- E o seu outro filho, disse a outra no intuito de acalmar a amiga.
- O do meio?
- Esse mesmo.
- Não teve uma melhor sorte do que a do irmão. Casou com outra preguiçosa. Para a comadre ter uma idéia, uma vez ele apareceu com o meu neto lá em casa, coisa que ele fez poucas vezes, sabe-se lá o por quê. Foi uma emergência, porque filho ingrato só lembra da mãe em caso de emergência, se é que a comadre me entende. Pois bem, ele pegou o menino na escola e jogou lá em casa, porque foi isso mesmo o que ele fez, eu não vou mentir só porque ele é meu filho, e saiu apressado, dizendo que a sirigaita da sua mulher pegava meu neto mais tarde. O menino nem conhecia a avó direito, comadre, de tão pouco que ele me viu. Eu fiquei olhando para ele morrendo de amor e de dó ao mesmo tempo. O menino estava muito maltratado, isso sim. “Ele passa fome”, logo adivinhei. Era só pele e osso. Quase não se via seus olhinhos de tão fundo que estavam. Quando eu percebi isso, minha comadre, fui buscar o pote de biscoito. Assim que o menino viu aquilo estatelou tanto os olhos que ficou deste tamanho assim, ó. Ele esticou aqueles olhinhos cumpriiiiiiidos para o pote de biscoito e nem esperou que eu oferecesse, comadre, nem esperou que eu oferecesse. Arrancou o pote da minha mão e comeu tanto dos biscoitos que se percebia que ele passava fome. Aquilo doeu no coração bondoso dessa avó.
- E a sua filha caçula?
- É outra que só dá trabalho! A comadre está sabendo que... Meu ponto! Meu ponto está chegando. Preciso andar se não eu não desço. Vá lá em casa qualquer dia que eu conto tintim por tintim. Dá licença gente! Dá licença que vai passando uma senhora.
E saiu apressada, quase levando a orelha do rapaz. A dor foi tanta que ele levou a mão até ela para se certificar se ainda estava lá. Em seguida examinou sua mão achando que encontraria sangue. Foi só um susto.
“Amanhã vou até o ponto final para encontrar um lugar ao lado da janela, determinou”.
Fechou os olhos e fingiu dormir.
Roberto Policiano

12 de mar. de 2007

Cidade Grande

Que povo é este?
Que corre-corre!
Onde nasceste?
O que lhe ocorre?

O que procuras?
O que persegues?
Quantas loucuras
Que tu consegues!

Vai persistente
Atrás de um sonho
Que traz contigo.

Por mais que eu tente
Ter este sonho
Eu não consigo!

Roberto Policiano

5 de mar. de 2007

Uma pequena fábula


Ela andou cabisbaixa até um banco de uma praça e sentou. Seu rosto estava banhado de lágrimas. Seu olhar estava opaco. Sua fisionomia era sombria. Suspirou profundamente. A natureza em sua volta, ao notar tamanha tristeza, procurou desesperadamente ajudá-la. Um pássaro corajoso pousou no encosto do banco e assobiou uma alegre canção numa tentativa de amainar a sua dor. Embora o coitadinho assobiasse tanto a ponto de perder o fôlego, não conseguiu arrancar a tristeza do coração daquela sofredora, pois a tristeza a deixara surda! Um gato saiu de um tronco oco, que estava tombado a alguns metros de distância, e, chegando perto dela, ronronou incansavelmente, enquanto passava por entre suas pernas. Embora não obtivesse o resultado desejado, não quis deixá-la sozinha e enrolou-se em volta dos pés da menina, achando que, se ela sentisse o calor de seu “abraço”, poderia sentir-se melhor. Mas a tristeza deixou o coração dela tão gélido, que não sentiu aquele “abraço”! Um casal de beija-flores executou uma infinidade de acrobacia em frente dela, mas foi tudo em vão, pois a tristeza cegou-a completamente! Antes de irem embora, porém, cada um deles sorveu uma lágrima que corria, como que a enxugar o seu pranto. Um novo suspiro ecoou no ar. Uma nova enxurrada molhou o seu rosto. O pássaro corajoso, recuperado do insucesso inicial, voltou com mais seis pássaros que, representando todas as notas musicais, pousaram no encosto do banco e iniciaram uma linda apresentação canora. Uma borboleta monarca, como que dançando ao ritmo daquela orquestra, rodopiou graciosamente diante da menina por alguns minutos e, ao se sentir exausta, pousou delicadamente sobre um dos seus joelhos e ficou, ora com as asas abertas, ora fechadas, fazendo companhia a ela. E vieram grilos, gafanhotos, mariposas, joaninhas, e tantos, tantos outros insetos, que é impossível escrever sobre todos eles. Todos fracassaram! Mas a natureza não desistiu e enviou um cordeirinho, branquinho como a neve, que pulou ao lado da infeliz e, ficando bem pertinho dela, passou sua cabeça por baixo de suas mãos e ficou a mendigar um carinho. Não ficou magoado quando o carinho não veio. Apenas deixou sua cabeça encostada no ventre da coitada e, fechando seus olhinhos, ficou bem quietinho compartilhando o calor de sua lã com ela. Terminada a vez do cordeirinho, dois filhotes de lobo entraram em cena e fizeram tudo que estava ao alcance deles para amainar aquela tristeza. Numa tentativa mais agressiva, cada um deles agarrou uma das barras da calça da desconsolada e, dando pequenos e insistentes puxões, tentou acordá-la para fazê-la ver que todos torciam por ela. Vencidos pelo cansaço, os dois filhotes pularam em cima do banco e ficaram do lado oposto ao do cordeirinho, com as cabecinhas deitadas sobre as pernas daquela menina. Uma hiena, que observava tudo por trás de uma moita, quis rir da cena, mas um dos beija-flores que tentou alegrar a moça pousou corajosamente diante da fera e, com as asinhas na cintura e um pezinho batendo insistentemente no galho onde pousara, passou-lhe um psitií assim: “psitiiiiii, psiiiiiiiti, psiiiiitiiiii!”, que, traduzido, quer dizer: “você não percebe que a nossa irmãzinha está tristonha?”. Sim, irmãzinha, disse o beija-flor, porque, embora raramente nos lembramos que somos parte da natureza, a natureza jamais se esquece que somos parte dela! A hiena, envergonhada, abaixou a cabeça, colocou o rabo entre as pernas e tratou de sair de fininho! O sol, que assistia toda aquela dedicação, resolveu contribuir e, brilhando como nunca tinha brilhado antes, dirigiu seus raios solares no rosto da nossa amiguinha, achando que com isso secaria suas lágrimas. O astro rei fez tanto esforço para irradiar aquele brilho, que ficou vermelhinho, vermelhinho. Várias nuvens que estavam esparramadas na imensidão do céu, quando perceberam a razão do tamanho esforço do sol, vieram testemunhar de perto tamanha tristeza. Ficaram tão juntinhas e tão coladinhas umas às outras, que se transformaram numa densa nuvem! O sol, sentindo-se fracassado em seus esforços, escondeu atrás naquela nuvem recém-formada. A nuvem ficou tão tristonha com a tristeza que assistia, que não conseguiu conter suas águas. E então a natureza chorou de tristeza! Anoiteceu. Vários pirilampos rodearam nossa amiguinha e, numa coreografia jamais vista antes, criaram o maior caleidoscópio do mundo, mas nossa amiguinha nem notou! Quando as estrelas ficaram sabendo através das andorinhas o que estava acontecendo, fizeram um pacto entre elas e, num esforço conjunto, brilharam e piscaram como nunca fizeram antes. A lua querendo dar sua contribuição, enviou tanto dos seus raios para a terra, que aquela noite, por alguns minutos, ficou tão clara quanto o dia. Nenhum animalzinho se recolheu naquela noite. Todos ficaram, ou dos galhos onde pousavam, ou da entrada de suas tocas, ou ainda escondido entre as moitas, com seus olhinhos bem abertos para presenciar qualquer reação positiva. Qual o quê! Depois de todos se esforçarem tanto para alegrá-la, a menina se levantou e, num suspiro profundo, deixou cair mais algumas lágrimas e saiu cabisbaixa. Todos iam entregar-se ao mais sentido dos choros que já se ouviu, mas a velha e sábia coruja, batendo uma asa na outra, chamou a atenção de todos. Ela, como era muito respeitada, conseguiu a atenção que queria. Neste momento a natureza, pela primeira vez, ficou sem dar nenhum pio! E a sábia coruja ensinou:
- Não se desesperem, meus amiguinhos, vocês não são culpados, pois, quando uma pessoa está extremamente triste, fica surda e cega e o único sentimento que consegue demonstrar é a tristeza. Por mais que tentamos fazê-la feliz, não conseguimos fazer com que ela enxergue nem ouça nossos esforços. Mas não se preocupem! Ela não ficará assim para sempre. Alguma coisa ou alguém vai fazê-la sorrir novamente. Aí então ela vai olhar para trás e agradecer todos os esforços que vocês fizeram por ela.
Então, a pedido da coruja, os pássaros mais velozes voaram em direção à lua e às estrelas para pedirem a elas que não brilhassem naquela noite. Enquanto isso, os outros pássaros voaram até as nuvens que estavam espalhadas pelo céu, pedindo que elas se unissem para criar a maior e mais a densa nuvem de todos os tempos. Dizem que aquela foi a noite mais escura que já houve no planeta terra!
Roberto Policiano