Roberto Policiano

23 de abr. de 2007

Saudade

Esta sensação potente
Que provoca riso e pranto
Que domina nossa mente
Em qualquer lugar ou canto;

Ao ver-nos desprevenidos
Invade tão de repente,
Sem alerta nem aviso,
O recôndito da gente;

Sacudindo as emoções
De toda e qualquer pessoa
Sem importar a sua idade.

Tais grandes revoluções,
Que em nosso peito povoa,
Só tem um nome – saudade!

Roberto Policiano

16 de abr. de 2007

Saga Masculina

Três horas da manhã. Ainda sonolento dirigiu-se para o banheiro. Estava apertado. Bastante apertado. Extremamente apertado. Ao entrar no ambiente sentiu o cheiro agradável do pinho. Tudo ali estava impecavelmente arrumado, como sempre fora. Dirigiu-se até o vaso sanitário. Sentiu-se na obrigação de não deixar cair nenhum pingo fora. Tinha que mirar bem no centro, mas, tendo em vista o seu estado atual, o vaso sanitário deveria estar instalado no teto e não no chão. Nada demais. Era só o trabalho noturno da natureza que aproveita o período de sono para fazer manutenção em todos os vasos sanguíneos. É assunto comprovado cientificamente. Querendo manter a limpeza do local, resignou-se a executar a hipérbole de Arfy. Dirigiu-se para frente do vaso sanitário, respirou fundo, criou coragem, e direcionou o futuro jato para o centro do recipiente. A dor foi tão forte que ele gemeu baixinho:
- Arfy!
Caprichou na pontaria. Dobrou um pouco a perna para evitar qualquer acidente. Quando achou que estava tudo certinho, soltou o jato. Para o seu desespero, saíram dois jatos. (se você for mulher pode até estranhar, mas isso acontece com uma certa freqüência). Um saiu tão distante do outro como o leste é do oeste, e nenhum dentro do vaso! Num pulo ele foi para o lado do vaso, pois, visto que o seu cumprimento era maior do que a sua largura, talvez os dois jatos coubessem no vaso. Não deu certo. Ficou desesperado. Correu os olhos em volta. Achou o ralo onde a água do banho é coletada. “Talvez”, pensou ele num relance, “eu consiga direcionar um jato no vaso e o outro no ralo”. Pulou novamente para frente do vaso a fim de por em prática esta idéia, mas escorregou na própria urina, perdendo totalmente o equilíbrio. Para não cair, pulou de costa contra a parede e abriu os braços para ajudar no apoio. Cair ele não caiu, mas ficou trêmulo, abatido, acuado, assustado, humilhado e urinando na própria testa! Não teve ânimo para tentar qualquer outra reação.
Depois do incidente criou coragem e olhou em volta para medir o estrago. Que porcaria conseguira fazer! Piso, parede, espelho, armário, toalha, papel higiênico, tapetinho... Tudo contaminado! Sentiu-se o marido mais porcalhão do planeta! Foi quando viu, num lugar especialmente preparado, ao lado do armário, uma toalha com um desenho caprichosamente bordado por sua esposa e, abaixo do desenho, a frase: Quinze anos. Era mania dela desde o primeiro aniversário de casamento. Sempre na noite que antecedia este dia especial ela colocava a toalha, que só ficava ali por um dia. Pois é, tinha que ser naquele dia! Mas, homem que é homem não desiste fácil. Ainda havia tempo de remediar aquele desastre. Pegaria uma, duas, três, ou quantas toalhas fossem necessárias, enxugaria tudo, colocaria desinfetante de pinho novamente, esconderia as toalhas a fim de levá-las à lavanderia e...
Toc! Toc! Toc!
- Amor! Anda logo que eu estou apertada.
Roberto Policiano

9 de abr. de 2007

Povo? Que Povo?

Reúnem-se governantes
Em requintadas mesas
Soberbos e falantes
Destilando espertezas.

Reclamam posições;
Exigem seus poderes;
Propondo transações;
Medindo seus haveres;

Redistribuindo a grei;
Contando o que se herdou.
Assim, eles, de novo,

Usam a velha lei:
Se-me-deres-eu-dou.
E que se dane o povo!

Roberto Policiano

2 de abr. de 2007

Aldair


Seu nome era Aldair. Era um garoto novo no bairro. Veio morar na nossa rua. Morava ele e sua mãe, que nunca estava em casa, pois trabalhava fora. Assim, ele tinha total liberdade para fazer o que quisesse e quando bem entendesse, visto que não havia ninguém para supervisioná-lo. Tinha um tamanho descomunal para a sua idade, pois era apenas um ou dois anos mais velho do que a idade média da meninada e já era bem mais alto do que os demais. Provavelmente tirando partido da sua altura, tentou dominar a meninada a fim de tornar-se o chefe do grupo. Embora todos o temessem pelo seu tamanho, ele não conseguiu o seu intento, pois, mesmo quando protestava, a meninada brincava do que queria, quando queria e da maneira como sempre brincou. Algumas vezes cedíamos à sua vontade, principalmente quando ele vinha com uma bola nova. Nestas ocasiões, como era natural acontecer, ele ditava suas regras e tinha preferência em escolher seu time. Nas demais ocasiões, porém, não obstante o seu tamanho, ele era tratado com todos os demais. Embora o seu tamanho metesse medo, no que diz respeito à força física, em todas as outras coisas ele não era de nada! Nunca vi ninguém tão ruim em todas as coisas ao mesmo tempo. Quando brincávamos de bola, por exemplo, ele era sempre um dos últimos a ser escolhido, a não ser, é claro, quando ele vinha com uma bola nova. No pião não ganhava uma. Na bolinha de gude era uma lástima. Conseguia errar na bolinha a apenas um palmo de distância. Mas apesar de ruim era papudo. Quem parasse para ouvi-lo contar suas jogadas e não o conhecesse, acreditaria estar diante de um campeão. E isso em qualquer modalidade. Para se ter uma idéia disso, assim que ele chegou ao bairro e teve os primeiros contatos com a turma, todos imaginavam que ele fosse bom em tudo e ninguém se atrevia a desafiá-lo. Certa vez, por exemplo, quando estávamos jogando bolinha no campinho, ele chegou com as suas bolinhas mas ninguém teve coragem de enfrentá-lo. No entanto, depois de vê-lo jogar bola, percebi que ele era bem diferente do jogador que ficamos conhecendo das suas espetaculares histórias. Assim, numa outra ocasião em que jogávamos bolinha no campinho eu não esperei que ele me convidasse:
- Vamos jogar bolinha?
- Só aceito se a aposta for de cinco bolinhas por partida, disse Aldair confiante.
Confesso que aquela segurança me desequilibrou, mas eu estava decidido a “pagar para ver”.
- Está bem, vamos apostar cinco por partida.
Aldair estabeleceu mais algumas regras próprias, como era seu costume, e fez-me concordar com todas elas. Depois de tudo definido, ele foi até a casa dele buscar suas bolinhas, não antes de me recomendar que eu buscasse minha lata cheia, pois, segundo ele, eu iria precisar delas se quisesse jogar alguns minutos. Qual não foi a minha surpresa quando começamos a jogar. O pior da turma jogava melhor do que ele! Depois daquele dia todo mundo queria jogar bolinha de gude com ele.
O mesmo acontecia com os jogos de pião e figurinhas. Ele conseguia ser ruim em tudo. Era, como dizíamos, o pato da turma.
Certa tarde, eu, ao chegar ao campinho, encontrei-o com uma lata cheia de bolinhas novinhas em folha. Quando me viu foi logo me convidando para jogar, alertando-me que aquele dia era seu dia de sorte e iria recuperar todas as bolinhas que já perdera para mim. Quando me virei para buscar as bolinhas ele mandou que eu trouxesse minha lata cheia, pois eu iria precisar. Nem me preocupei com o que ele estava dizendo, porque seu discurso era mais conhecido do que as regras do jogo de bolinhas.
Como sempre era ele quem determinava como queria jogar e, como para mim não fazia diferença, deixava-o escolher à vontade. Jogamos “Box”, “Corridinha’, “Triângulo”, “Paredão”, conforme a vontade dele. O resultado lógico foi que em pouco tempo quase todas as bolinhas dele estavam dentro da minha lata.
Quando ele percebeu que, mesmo mudando as regras várias vezes continuava perdendo, esperou uma distração minha, pegou minha lata de bolinhas e saiu correndo para sua casa.
Indignado com o acontecido, e como não tinha outra alternativa a não ser xingá-lo, foi o que eu fiz, porém eu queria xingá-lo do pior nome que conhecesse. Pensei por um momento em todos os nomes feios para xingá-lo bem xingado. Queria um xingo que o arrasasse, que o colocasse no lugar em que ele merecia, ou seja, na lama. Alguma coisa que descrevesse bem a espécie de pessoa que ele mostrou ser. Algo que fosse extremamente repugnante, baixo, sujo e todos os demais predicados que indicasse, sem qualquer sombra de dúvida, quem ele era realmente. Assim, enchi o peito, coloquei as duas mãos em forma de concha em cada lado da boca para aumentar o volume, e xinguei o pior xingo que eu encontrei:
- Seu político de uma figa!
Roberto Policiano