Roberto Policiano

11 de jun. de 2007

Falta

No sofá, onde sentara há algum tempo, contemplava a festa. Várias pessoas, representando suas amizades de épocas diferentes de sua trajetória, estavam presentes. A casa cheia agradava-lhe, afinal ali se encontravam amigos e amigas que, de uma forma ou de outra, foram significativos em sua vida. A mão esquerda, descansada sobre o braço do estofado que ocupava, chamou sua atenção para a maciez do seu tecido. Olhou de relance os outros móveis da casa. Atentou para o belíssimo lustre. Observou cada um dos cinco quadros que adornavam o ambiente. Não havia dúvida que era uma pessoa bem sucedida. Ao pensar um pouco sobre esboçou um leve sorriu . Lutara muito, é verdade, mas vencera. Fixou sua atenção para o seu anel de doutorado. Não fora fácil adquirir o direito de colocá-lo no dedo, mas ali estava ele. Como dá trabalho ser alguém, pensou. Fez uma breve reflexão de sua vida. Tinha uma boa renda, o que lhe permitiu construir uma situação financeira confortável. No campo profissional tornara-se uma referência, pois os vários convites para palestras em eventos importantes, os inúmeros artigos publicados em periódicos especializados e os diversos livros lançados, confirmavam isso. A casa repleta indicava que suas amizades foram bem cultivadas. Tinha tudo para se considerar uma pessoa feliz. Então por que sentia aquele vazio? Levantou, caminhou lentamente por entre os amigos, cumprimentou com os olhos e um leve inclinar de cabeça a vários deles, pegou uma bebida que lhe fora oferecida pelo garçom, pediu que fossem colocadas duas pedras de gelo, dirigiu-se até o pequeno terraço para aproveitar a brisa que soprava agradavelmente, e, apoiando-se sobre um parapeito, fixou seus olhos por alguns momentos para o reflexo da luz da lua sobre a água da piscina enquanto girava a mão com o copo a fim de gelar a bebida. Embora tivesse tudo, sentia a falta de alguém. Tomou um pequeno gole da bebida. Olhou para a lua. Sentiu uma certa inquietação. 'De repente o 'tudo' pode significar 'nada'', filosofou. Deixou escapar um suspiro. Lembrou de um poema que vira numa moldura em cima de uma escrivaninha: 'Felicidade.../ Onde se esconde? / Como se obtém? / Na realidade, / Não busque onde / E sim com quem.' ‘Engraçado, nunca fui de importar-me com poesia; porque essa lembrança? questionou’. 'E sim com quem!', repetiu para si mesmo. Tomou mais um gole da bebida. Ficou de costa para o parapeito e observou a animação dos convidados. Sentiu uma certa satisfação ao lembrar que todos estavam presentes. A falta de alguém voltou a lhe incomodar. Sentia uma espécie de alegria triste, pois, embora os amigos estivessem presentes, havia aquela falta. Um dos convidados lhe acenou. Tomou o resto da bebida, forjou um sorriso, e foi ao encontro dos amigos.

Roberto Policiano

1 Comments:

At 3:19 PM, Anonymous Anônimo said...

Este texto esta no minimo... excelente!!!!!
Adorei, MESMO....
Parabéns...

 

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