Roberto Policiano

27 de nov. de 2008

Perfumes


A repercussão da notícia não poderia ter sido outra. ‘Um químico francês criou um perfume que, com a aplicação de apenas uma gota, a pessoa ficaria perfumada para sempre. O mais inusitado de tudo é que o químico não trabalhava para uma indústria de cosmético, mas sim para a agência de inteligência de seu país. Como pode ser isso? perguntaram todos. A resposta foi convincente – o objetivo do perfume era ‘marcar’ por assim dizer, uma pessoa que fora condenada pela justiça, pois, se acaso ela fugisse, seria facilmente identificada e recapturada. E quando terminasse sua sentença? O profissional havia pensando nisso, por isso criou um antídoto capaz de eliminar o perfume do réu. Houve protesto, principalmente da turma dos direitos humanos, argumentando que mesmo alguém fora da lei tinha direito à privacidade, mas houve também contra argumentos no sentido de que as pessoas inocentes também tinham seus direitos, - essa batalha toda sobre moralidade que assistimos com freqüência. O fato é que a idéia pegou e foi aperfeiçoada, pois foram criados perfumes permanentes para cada um dos diferentes delitos existentes. O tal do químico, como era de se esperar, chegou a ser aclamado no meio científico sendo contemplado, inclusive, com o Prêmio Nobel. Mas aí veio a turma que pediram igualdade e fizessem perfumes permanentes que identificassem pessoas de bem. E tome perfume para honesto, trabalhador, honrado, pacífico, fidedigno, e todas as demais qualidades louváveis que conhecemos. Como resultado de tudo isso muitos indústrias químicas, devidamente cadastradas e autorizadas pelas autoridades competentes de seu respectivo país, lucraram com a novidade - França na frente, evidentemente. Não demorou muito e outras indústrias, trabalhando na clandestinidade, começaram a fabricar os tais perfumes, principalmente os antídotos – que não se sabe como deixou de ser segredo. Isso gerou milhares de empregos, principalmente no ramo do contrabando. Animais tiveram seus faros desenvolvidos para detectar tais perfumes proibidos em bagagens que passavam em aeroportos, portos, rodoviárias, ferroviárias e em outros locais, mais, como sempre acontece, a situação fugiu do controle das autoridades. O mundo continuou a abrigar pessoas corruptas, injustas, desonestas, e demais vícios morais conhecidos muito bem por todos nós. No entanto não dá para negar uma mudança significativa – o mundo se tornou muito mais perfumado! Desde então uma mistura de odores virtuosos invade cada narina dos habitantes do planeta terra.


Roberto Policiano

17 de nov. de 2008

Quem sabe?


Amélia acredita;

Moreira descrê;

Olivia pensa;

Ricardo duvida;


Adélia não sabe;


Paulo aceita;

Rosa aposta;

Ivo se opõe;

Maria desafia;

Eduardo confirma;

Iracema desconfia;

Raimundo nega;

Aurora imagina;


Valter não opina;

Iolanda prova;

Sérgio desconversa;

Tânia reflete;

Augusto sorri.


Roberto Policiano

11 de nov. de 2008

Teodoro


O trem já estava fechando as portas quanto ele entrou, ou melhor, se jogou, dentro do veículo. Tudo rolou pelo chão, bagagens, uma lata de Coca-Cola pela metade, um sapato que se soltou do pé do dono e o dono do sapato com um pé marrom e o outro amarelo. Teodoro não se intimidou; levantou, calçou o sapato, pegou suas bagagens, menos a lata de Coca-Cola que havia rolado para baixo de um dos bancos. É claro que ele não permaneceu naquele vagão. Afinal, pensou ele, era só mudar para o outro lado da porta que dividia as composições do trem e pronto, ele seria um passageiro como qualquer outro.
Já no outro vagão, tratou de encontrar um banco para se sentar. Colocou suas bagagens no bagageiro, encostou o braço direito no batente da janela do trem, esticou as pernas, e ficou sorrindo para si mesmo, pois, apesar do incidente, não perdera o trem, o que significava um ganho de tempo de três horas.
Passados vinte minutos o nosso amigo sentiu sede. Só então percebeu a falta da coca-cola.
- Já havia tomado metade mesmo, disse para si mesmo como forma de consolo.
Foi até sua bagagem e tirou uma lata de refrigerante que havia de reserva. Ao abrir a lata da bebida, porém, um jato forte escapou e, para não molhar ninguém, pressionou a abertura da embalagem contra o próprio peito a fim de impedir um desastre maior. Conseguir ele conseguiu, mas ganhou uma mancha indisfarçável na camisa. Não se deu por vencido, no entanto. Tirou uma camiseta da bolsa, foi até o toalete e voltou novinho em folha. Depois de sentar em seu lugar tomou o que restou do refrigerante.
Após dez minutos de viagem o trem parou numa estação. Vários passageiros correram para comprar algum lanche nas lanchonetes que havia na estação. Entre eles estava Teodoro. Alguns minutos depois voltou com um cachorro quente no capricho – no capricho, para ele, significava entupido de maionese, mostarda, catchup, e purê de batatas. Eram tanto recheios diferentes que a salsicha sumia no meio deles. Nosso herói sentou com os olhos deste tamanho naquele imenso lanche e tratou de devorá-lo imediatamente, antes, porém, deu uma golada no guaraná que ele, evidentemente, comprou para acompanhar aquele petisco. Na primeira mordida, no entanto, a salsicha, talvez assustada com a bocarra do rapaz, aproveitou o ambiente escorregadio em que se encontrava e tratou de escapar por baixo, indo parar direto no bolso da camiseta do Tenório, que só foi perceber a falta da mesma quando já havia comido metade do lanche. Sem se deixar abater, recuperou a salsicha com a outra mão e, a fim de que ela não escapasse novamente, dava uma mordida no pão sem salsicha e outra mordida na salsicha sem pão e deixava para misturar os dois enquanto mastigava.
Quanto foi se livrar das migalhas de pão na roupa reparou que estava ‘carimbado’ com a maior parte do molho do lanche. Mas nosso homem não se entrega facilmente. Foi até o toalete e tratou de limpar a sujeira e, para esconder a mancha que ganhara, deixou a camiseta por fora do cinto.
Como a próxima parada demoraria um pouco mais, Teodoro foi até uma banca de frutas na estação e matou a sede com três pedaços generosos de melancia. Na volta trouxe quatro latas de cerveja consigo e, a fim de não tomar a bebida quente, tratou de bebê-la rapidamente.
Dando-se por satisfeito nosso amigo recostou e se preparou para fazer o restante da viagem acomodado em sua poltrona, mas não passaram nem vinte minutos e toda aquela mistura começou a incomodá-lo. Alguns minutos depois teve vontade de urinar. Ao entrar no banheiro e olhar para o buraco onde deveria despejar o que o incomodava, sentiu náuseas. Aquilo chacoalhando em sua frente no compasso do trem, acrescido à zonzeira que ganhara ao tomar as quatro latas de cerveja, teve um efeito de uma bomba e nosso homem foi incapaz de manter aquilo tudo em seu estomago.
Meia hora depois, estando Teodoro literalmente largado em sua poltrona, o trem parou na estação, que seria a penúltima da viagem. Um cheiro irresistível de abacaxi recém cortado invadiu o vagão, e nosso amigo, que era louco pela fruta, recobrou o ânimo e a fome, saindo em disparada a fim de conseguir algumas fatias.
Roberto Policiano

3 de nov. de 2008

Rio Pinheiros











(Imagens: Primeira Foto - Rio Pinheiros na década de 30; demais fotos - Rio Pinheiros hoje.)
Rio Pinheiros, Rio Pinheiros,
Não sei dizer bem ao certo:
Fizeram-te de banheiro
Ou de esgoto a céu aberto?

Ilhas de lixo te invadem,
Maculam-te por inteiro.
Canos de esgoto em tuas margens
Tornam fétido o teu cheiro.

Montes de restos nojentos
Flutuam em tua superfície
Numa triste procissão.

Hoje tu és rio lamacento,
Passarela da Imundície,
Vitrine da Podridão.


Roberto Policiano