Roberto Policiano

11 de nov. de 2008

Teodoro


O trem já estava fechando as portas quanto ele entrou, ou melhor, se jogou, dentro do veículo. Tudo rolou pelo chão, bagagens, uma lata de Coca-Cola pela metade, um sapato que se soltou do pé do dono e o dono do sapato com um pé marrom e o outro amarelo. Teodoro não se intimidou; levantou, calçou o sapato, pegou suas bagagens, menos a lata de Coca-Cola que havia rolado para baixo de um dos bancos. É claro que ele não permaneceu naquele vagão. Afinal, pensou ele, era só mudar para o outro lado da porta que dividia as composições do trem e pronto, ele seria um passageiro como qualquer outro.
Já no outro vagão, tratou de encontrar um banco para se sentar. Colocou suas bagagens no bagageiro, encostou o braço direito no batente da janela do trem, esticou as pernas, e ficou sorrindo para si mesmo, pois, apesar do incidente, não perdera o trem, o que significava um ganho de tempo de três horas.
Passados vinte minutos o nosso amigo sentiu sede. Só então percebeu a falta da coca-cola.
- Já havia tomado metade mesmo, disse para si mesmo como forma de consolo.
Foi até sua bagagem e tirou uma lata de refrigerante que havia de reserva. Ao abrir a lata da bebida, porém, um jato forte escapou e, para não molhar ninguém, pressionou a abertura da embalagem contra o próprio peito a fim de impedir um desastre maior. Conseguir ele conseguiu, mas ganhou uma mancha indisfarçável na camisa. Não se deu por vencido, no entanto. Tirou uma camiseta da bolsa, foi até o toalete e voltou novinho em folha. Depois de sentar em seu lugar tomou o que restou do refrigerante.
Após dez minutos de viagem o trem parou numa estação. Vários passageiros correram para comprar algum lanche nas lanchonetes que havia na estação. Entre eles estava Teodoro. Alguns minutos depois voltou com um cachorro quente no capricho – no capricho, para ele, significava entupido de maionese, mostarda, catchup, e purê de batatas. Eram tanto recheios diferentes que a salsicha sumia no meio deles. Nosso herói sentou com os olhos deste tamanho naquele imenso lanche e tratou de devorá-lo imediatamente, antes, porém, deu uma golada no guaraná que ele, evidentemente, comprou para acompanhar aquele petisco. Na primeira mordida, no entanto, a salsicha, talvez assustada com a bocarra do rapaz, aproveitou o ambiente escorregadio em que se encontrava e tratou de escapar por baixo, indo parar direto no bolso da camiseta do Tenório, que só foi perceber a falta da mesma quando já havia comido metade do lanche. Sem se deixar abater, recuperou a salsicha com a outra mão e, a fim de que ela não escapasse novamente, dava uma mordida no pão sem salsicha e outra mordida na salsicha sem pão e deixava para misturar os dois enquanto mastigava.
Quanto foi se livrar das migalhas de pão na roupa reparou que estava ‘carimbado’ com a maior parte do molho do lanche. Mas nosso homem não se entrega facilmente. Foi até o toalete e tratou de limpar a sujeira e, para esconder a mancha que ganhara, deixou a camiseta por fora do cinto.
Como a próxima parada demoraria um pouco mais, Teodoro foi até uma banca de frutas na estação e matou a sede com três pedaços generosos de melancia. Na volta trouxe quatro latas de cerveja consigo e, a fim de não tomar a bebida quente, tratou de bebê-la rapidamente.
Dando-se por satisfeito nosso amigo recostou e se preparou para fazer o restante da viagem acomodado em sua poltrona, mas não passaram nem vinte minutos e toda aquela mistura começou a incomodá-lo. Alguns minutos depois teve vontade de urinar. Ao entrar no banheiro e olhar para o buraco onde deveria despejar o que o incomodava, sentiu náuseas. Aquilo chacoalhando em sua frente no compasso do trem, acrescido à zonzeira que ganhara ao tomar as quatro latas de cerveja, teve um efeito de uma bomba e nosso homem foi incapaz de manter aquilo tudo em seu estomago.
Meia hora depois, estando Teodoro literalmente largado em sua poltrona, o trem parou na estação, que seria a penúltima da viagem. Um cheiro irresistível de abacaxi recém cortado invadiu o vagão, e nosso amigo, que era louco pela fruta, recobrou o ânimo e a fome, saindo em disparada a fim de conseguir algumas fatias.
Roberto Policiano

6 Comments:

At 5:58 PM, Anonymous Anônimo said...

Conheço muito gente como o Teodoro. Parece que nunca para de comer! E olha que não é piada.

 
At 2:48 PM, Anonymous Anônimo said...

Como que consegue comer tanto assim?
bjs
Kika

 
At 4:08 PM, Anonymous Anônimo said...

Um texto bastante divertido e, pelo jeito, o passageiro só vai parar de comer na última estação.
bjs
Betinha

 
At 7:13 AM, Anonymous Anônimo said...

Seria também muito divertido conhecer as reacções dos passageiros que viajavam com Teodoro. O homem devia espalhar charme com tanta nódoa e tanta gula... digo eu. Felizmente, nunca fui contemplada com este tipo de companheiros de viagem: seria eu a vomitar, tenho a certeza.
Um texto divertido que faz a caricatura perfeita dos que só vivem para "encher a pança". Parabéns.

 
At 11:43 AM, Anonymous Anônimo said...

Ainda bem que eu não viajo de trem, pois seu eu encontro um cara como esse eu expulso do vagão, e, se possível, até do trem.

 
At 2:15 PM, Anonymous Anônimo said...

Vocês podem até não acreditar, mas eu já algo bem parecido numa viagem. O cara chamou a atenção de todos. Assim que li o texto lembrei imediatamente daquela viagem.
bjs

 

Postar um comentário

<< Home