Roberto Policiano

31 de mai. de 2009

A amazona de Ébano





A caravana avançava devagar com o sol castigando seus membros. A rainha seguia mais ou menos no centro do comboio, de onde suas diretrizes podiam ser ouvidas por todos. Cavalos e cavaleiros sentiam o cansaço da viagem. De repente um galope ao longe foi ouvido por todos. O príncipe que estava à frente da caravana sorriu, pois conhecia, pelo som do galope, de quem se tratava. Quinze minutos depois a amazona alcançou os últimos membros dos viajantes e continuou galopando em seu alazão ao lado da caravana. Ao chegar ao centro do comboio a rainha, ao notar a cavaleira, ordenou-lhe, sem dizer qualquer palavra, apenas erguendo seu braço esquerdo, que a recém chegada deveria tomar sua posição junto aos demais, mas ela continuou em seu galope até alcançar os primeiros cavaleiros e, numa franca desobediência à ordem da rainha, prosseguiu na mesma velocidade que chegara e, ultrapassando a todos, continuou avançando. A desaprovação era evidente no semblante da rainha. Todas as atenções dos viajantes se voltaram para a amazona que continuava determinada em seu empreendimento. Quanto estava a cerca de cem metros da caravana, parou em frente a um caminho estreito. Hesitou por algum tempo, o que permitiu a chegada dos cavaleiros perto do local. O príncipe percebeu que a amazona chorava. Não era um choro de medo, tampouco de tristeza ou de incerteza, mas era um choro de coragem de alguém que, contra todas as expectativas, tomara uma atitude resoluta e imutável. O cavalo resfolegava enquanto aguardava a ordem da cavaleira. Esta, depois de suspirar significativamente, pressionou levemente a barriga do animal com os seus dois calcanhares. Imediatamente o alazão deu um pulo para frente e, por alguns segundos, os dois, cavalo e cavaleira, voaram suavemente até que a pata dianteira do animal alcançasse firmemente o solo dum caminho que terminava num estreito riacho que fora vencido pelo impulso conseguido pelo pulo do alazão. A cavalgada da amazona continuou por aquele caminho sinuoso e íngreme num terreno frágil e escorregadio. Enquanto isso a caravana mantinha a sua viagem pela estrada, mas a atenção de alguns fora desviada para a escalada espetacular daquele alazão conduzido pela cavaleira de Ébano. Em apenas alguns minutos o pico do morro foi alcançado pela amazona e seu cavalo. Por alguns instantes ela parou e, continuando montada, fitou o céu que ganhara uma cor alaranjada do sol que se preparava para se pôr. A viajante já não chorava. Seu semblante evidenciava uma paz interior. Não havia traços de raiva, revolta ou vingança, mas aquela sensação de ter feito a coisa certa. O príncipe percebeu, apesar da distância, o significado de toda aquela emoção e começou a aplaudir a amazona de Ébano. Inicialmente só se ouvia o som do bater de suas palmas, mas, pouco a pouco, para o desgosto da rainha, mais e mais cavaleiros juntaram a ele nesse gesto de apoio. A figura daquela amazona em seu cavalo confrontando o Oeste, com sua postura e semblante pacífico, tendo como fundo uma cadeia de montanhas atrás de si encimada por um céu alaranjado e os caminhos sinuosos vencidos na subida, acrescida com o som dos aplausos, só pode ser descrito por uma palavra – VITÓRIA!




Roberto Policiano

24 de mai. de 2009

Delicado


O amor é lindo

E delicado

Qual cristal fino

Muito cuidado!


Roberto Policiano

17 de mai. de 2009

Automatismo moderno



Quando colocou o último bocado em sua boca voltou a si. Olhou para a taça de sorvete e a percebeu vazia. Assustou-se com aquilo, pois tomara todo o sorvete sem se dar conta. Sua mente estava tão ocupada com tantas coisas que nem sentira o sabor da sobremesa, mesmo sendo a sua preferida. Como pode sorver toda aquela delícia sem nem mesmo perceber? Este incidente fez com que fizesse uma reflexão sobre sua própria vida. Concluíra, com grande perplexidade, que sua vida, tal qual a taça de sorvete, escapava-lhe antes que fosse usufruída. Era como se sua própria vida não lhe pertencia. Na maioria das vezes estava em lugar que não escolhera estar, que lhe fora imposto pelas obrigações, compromissos, responsabilidades, e tantas outras amarrações que o sistema lhe impusera. E para quê? Tentou responder a si mesmo a pergunta, mas foi debalde. Uma angustia invadiu de repente todo o seu ser. Descobriu-se um simples objeto manipulado num redemoinho de exigências que, se quisesse fazer parte do sistema, deveria cumpri-las tão eficazmente quanto possível, pois disso dependia sua permanência na posição que ocupava naquele momento. Mas era isso o que queria realmente? Como saber se nunca tivera tempo para refletir? Ademais, que alternativa lhe restava? Depois de refletir por alguns momentos tomou uma decisão:
- Por favor!
- Pois não!
- Traga-me outra taça de sorvete do mesmo sabor.
Ao receber a taça não quis pensar em outra coisa. Fez questão de se concentrar enquanto saboreara cada bocado daquela gostosura! O que faria de sua vida era algo para se pensar depois. Decidira, ali mesmo, fazer uma coisa de cada vez. Aquela hora foi reservada para se tomar sorvete - e nada mais.


Roberto Policiano

10 de mai. de 2009

Partida



O trem partiu

Alguém ficou

Há quem sorriu

Há quem chorou.


Roberto Policiano

5 de mai. de 2009

Tatuagem





Enquanto tomava banho olhou o nome tatuado em seu braço. Lembrou de como tudo começou há alguns anos. Um sorriso monalisano tomou conta de seu rosto. O grande amor de sua vida parecia, na época, que seria eterno. Parecia tal forte, tão robusto, infindável. Um não sei quê de contentamento invadia-lhe a alma todas as vezes em que estava ao lado de seu amor. Foram momentos felizes aqueles! Parecia que o mundo se resumia nos dois, nada mais tinha qualquer importância. Reconhece aqueles como os melhores anos de sua vida. Porém, gradativamente, assim como o vento incansavelmente vai esculpindo a montanha, o tempo foi desgastando o amor que parecia eterno até destruí-lo por completo. O que parecia uma rocha maciça se desintegrou e desapareceu como pó. O que sobrou foi apenas aquela tatuagem, essa sim inexorável.




Roberto Policiano