Roberto Policiano

28 de jun. de 2009

Modernidade



A equipe técnica estava reunida para discutir os novos produtos que brevemente seriam lançados no mercado pela empresa. Olegário, o engenheiro eletrônico com especialização em telefonia, não conseguia disfarçar sua ansiedade. Diante dele, sobre a mesa, uma embalagem guardava a sua mais nova invenção aguardava para ser exibida aos técnicos e executivos da empresa. Levou um leve susto quando foi convocado a expor o engenho. Com as mãos trêmulas e nervosas abriu a embalagem com todo o cuidado possível e exibiu sua criação. Embora de pequeno porte e leve o aparelho era capaz, conforme falou entusiasticamente seu inventor, de mostrar imediatamente muitas informações para seu proprietário. Com dedos rápidos mostrou para os observadores presentes, tudo que era capaz o pequeno aparelho. Calendários dos últimos quinhentos anos e infinitamente no futuro; acesso a notícias dos principais jornais de mais de trezentos países; sistema GPS que indicava onde o aparelho se encontrava e informava os vários caminhos possíveis para qualquer destino no planeta terra, inclusive horários de aviões e vagas e preços dos hotéis no entorno dos aeroportos das principais nações; situação do trânsito do momento em mais de cinco mil cidades do mundo; valores das moedas principais do mercado internacional; vídeos das partidas de finais disputadas nos últimos cinqüenta anos dos principais esportes do mundo; previsão do tempo, bem como o clima do momento em mais de setecentas cidades; consultas à Internet; acesso a mais de dois mil canais de televisão; sintonia rápida de mais de cinco mil estações de rádio; sessenta mil jogos diferentes; milhares de músicas; oitocentos e cinqüenta filmes, campeões de bilheteria de todos os tempos; informes de lançamentos em vários campos do entretenimento; cinco mil livros e enciclopédias para consultas. Após sua exultante demonstração esperou pelos comentários dos colegas. Um deles fez a inocente pergunta:
- Como faz para fazer as ligações?
Fechando os olhos e batendo nervosamente na testa, confessou:
- Então a sensação de que eu havia esquecido alguma coisa era isso!


Roberto Policiano

21 de jun. de 2009

Rosa dos Ventos



Fui ao Norte e não encontrei.
No Sul também não estava.
Não se achava no Leste
Nem tampouco no Oeste.


No Nordeste nem sinal.
Nenhuma pista no Sudeste.
Nada vi no Sudoeste
Bem como no Noroeste.


Numa busca frenética
Fui aos pontos intermediários
Revirando cada palmo,
Perscrutando atentamente.


Explorei o Norte – Nordeste;
Examinei o Leste – Sudeste;
Esmiucei o Sul – Sudoeste;
Detalhei o Oeste – Noroeste.


Parti para o Leste – Nordeste;
Rumei para o Sul – Sudeste;
Viajei ao Oeste – Sudoeste;
Embarquei para o Norte – Noroeste.


Girei pela rosa dos ventos
Numa procura incansável.
Procurei em cada rincão,
Porém tudo foi debalde.


Quando menos esperava
Meus olhos acharam os teus.
Terminou minha procura.
Repousa em ti os sonhos meus!


Roberto Policiano

15 de jun. de 2009

Pão especial



Quando a Luciclécia chegou do supermercado, comentou com o marido:
- Olha só o pão que lançaram recentemente. É exatamente do que precisamos.
Rufino pegou a sacola do supermercado oferecido pela mulher e tirou o precioso conteúdo para um exame mais detido.
- Um pão com uma dúzia de grãos diferentes? Quem disse que precisamos disso?
- Dê uma olhada nos ingredientes, disse Luciclécia indicando o local da embalagem enquanto exibia um ar de vitoriosa.
- Vamos ver. Esse eu conheço; esse eu já ouvi falar; esse também; O que é isso?
- O que foi querido?
- Jamais comerei esse pão!
- Por quê?
- Tem triticale!
- Triti o quê?
- Triticale, está escrito aqui.
- O que é isso?
- Sei lá, mas pão que tem triticale eu não como!
- Se você nem sabe o que é!
- Seja lá o que for isso não deve ser bom. Nada que tem o nome de triticale pode fazer bem!
- Você está exagerando.
- Parece que vai ficar enroscado na garganta, você não acha?
- Pode zombar à vontade, mas eu só vou comer desse pão a partir de hoje.
Enquanto Luciclécia foi até a sala, Rufino pegou uma fatia do pão e saiu. Pouco depois, ao voltar e perceber que a embalagem estava aberta, disse confiante e em voz alta para o marido que estava na varanda da casa:
- Eu sabia que você não ia resistir e provar. E então, gostou?
- Ficou doida, Luciclécia? Esqueceu que eu não como nada que tenha triticale?
- Parece-me que falta uma fatia na embalagem, disse ela enquanto apontava para o pão.
- Levei-a para o Catal.
- Você deu o pão para o papagaio?
- Você nem imagina como ele gostou. Também, com tanta semente, não há papagaio que resista! Vai lá ver como ele esta comendo com gosto.
- Se você não quiser comer o pão, tudo bem, mas não precisa desperdiçá-lo.
- Dar um pedaço de pão para o Catal não é desperdício nenhum!
- Pode fazer mal para o bichinho.
- É mesmo, havia esquecido que tem triticale.
- Não são as sementes que fazem mal, mas a massa, afinal, deve levar fermento.
- Quer saber de uma coisa? Vou até a Internet para descobrir o que é triticale.
Alguns minutos depois Rufino voltou com um ar desolado.
- E aí, provocou Luciclécia, descobriu o que é a semente com o nome estranho?
- É o maior engodo. Esse pão não tem uma dúzia de grãos diferentes.
- Por que você diz isso?
- Triticale nada mais é do que uma planta híbrida que nasceu do cruzamento do trigo e do centeio.
- E onde está o engodo nisso?
- Porque no pão já contém trigo e centeio, não vale contar novamente.
- Claro que vale! Se for um cruzamento não é mais trigo nem centeio, é triti... como é mesmo?
Durante aquele mês Rufino não fez outra coisa a não ser provocar a Luciclécia com o seu pão com triticale. Na última sexta-feira ele acordou de madrugada e percebeu que a mulher não estava na cama. Vinte minutos depois, como ela não retornava, foi procurá-la a fim de averiguar se estava tudo bem. Aliás, passar um mês comendo triticale, três vezes ao dia, para quem não está acostumado, não deve fazer muito bem, raciocinou Rufino enquanto procurava pela mulher. Encontrou a porta dos fundos da casa aberta. Achou estranho e foi até o quintal. Avistou a mulher com seu pijama de cor de cenoura sentada em um dos galhos da mangueira e balançando as pernas para frente e para trás enquanto assobiava.
- O que você está fazendo aí, Luciclécia?
- De repente me deu uma vontade incontrolada de dar boas vindas ao dia, que não tarda nascer, assobiando uma linda canção de amor.
- Bem que eu desconfiei daquele triticale. Isso é coisa de pássaro, Luciclécia, pare de comer isso!
- Que é isso, querido. Estou me sentindo tão bem.
- Está se sentindo bem? Onde já se viu ficar a uma hora dessa numa árvore e assobiando como um pássaro? Só me falta você sair voando por aí!
- Pensando bem isso é uma boa idéia, disse a mulher e, para o espanto do Rufino ela ficou de pé no galho da árvore, deu um pulo e, batendo os braços, voou em direção a uma enorme araucária, pousando suavemente no galho mais alto da árvore.
Rufino colocou as mãos na cabeça e correu em desespero para tentar resgatar sua mulher. Quando já havia escalado um terço da árvore acordou suando e com o cobertor amontoado sobre sua cabeça. Ao seu lado Lucicléia dormia tranquilamente. Não conseguiu segurar a gargalhada com aquele sonho esquisito. Sua mulher deu um leve bocejo, e, com os olhos fechados, tateou em busca do cobertor.


Roberto Policiano

7 de jun. de 2009

Solidão a dois



Dois corpos,
Ardendo em desejos,
Abandonados
Numa mesma cama,
São mantidos separados
Por rancor e mágoa.
Os dois ilhados
Por muralhas de orgulho,
Fingem dormir,
Mas o sono escapa-lhes.
A noite se arrasta
No incessante
Tiquetaquear
Do relógio do quarto.


Roberto Policiano