Roberto Policiano

25 de abr. de 2011






Eu, tal qual um ator,



Você, como a uma atriz,



Fingimos não sentir dor



Forjando um final feliz.






Roberto Policiano

18 de abr. de 2011

Proximidade



Esperava com certo nervosismo enquanto segurava, com as mãos trêmulas, o envelope com os resultados dos exames que foram pedidos pelo médico. Tudo começou com um mal súbito. Uma tontura, quase um desmaio, que preocupou a ele e aos familiares. A pressão de todos resultou na ida ao médico, e numa bateria de exames, cujos resultados ansiava por conhecer.

De repente as pessoas que aguardavam na mesma sala adquiriram aspecto de morte, do seu ponto de vista. Uma senhora que estava sentada ao lado dele parecia-lhe que cairia a qualquer momento e daria seu último suspiro. Um senhor raquítico à sua frente parecia que forçava suas derradeiras captura do ar em sua volta. Um moço magérrimo parecia exangue. “Parece uma folha de papel", pensou.

Sentiu uma aceleração repentina no coração. Foi até o toalete. Examinou seus olhos. Pareciam fundos e sem brilhos. Suas faces estavam quase tão exangues quanto à do moço esquelético. Suas pernas trepidavam. Por um momento pensou que cairia e, para se garantir, segurou firmemente na borda do lavatório. Foi necessário ele respirar fundo por várias vezes enquanto tentava se acalmar.

Dez minutos depois, já de volta à sala de espera, começou a refletir na vida, fazendo como que um balanço e pensando nas pendências que deveria resolver antes de partir para sua eterna morada, pois tinha a convicção que era isso o que aconteceria em breve. Lembrou do desentendimento que tivera com sua tia Clotilde. Devia-lhe desculpa e determinou fazer isso antes de partir para o mundo do além. Havia acertos a fazer também com o Teotônio, a Valdeclécia, a Beth, o Olegário, o Anastácio, a prima Emengarda, O... a reflexão foi interrompida com a atendente chamando por seu nome.

Sentou-se diante do médico, entregou-lhe o envelope, respirou fundo, e esperou a má notícia. Notou que o médico olhou para os exames com um semblante preocupado. Adivinhou seu final trágico e próximo quando ele franziu a testa e coçou o queixo. “É meu fim”, pensou, “acho que nem terei tempo de reparar meus erros”.

- Bem, pelo que os exames apontam, começou o médico pausadamente, não há nada com que se preocupar.

- Não? Tem certeza?

- Absoluta! Tudo está dentro dos parâmetros considerados normais.

- E o mal súbito que eu tive?

- Creio que tenha sido mais ansiedade do qualquer outra coisa. Vou marcar um retorno para daqui a quatro meses só para monitoramento e dar certa tranquilidade para você, está bem?

Saiu do consultório caminhando nas nuvens. De repente pareceu-lhe que todo o vigor do mundo se apoderou do seu corpo, pois se sentia forte como nunca antes. Não pode deixar de notar as pessoas que aguardam a vez para serem chamadas. Pareceu-lhe que elas também, como que por um milagre, livraram-se de seus males. Todas pareciam coradas e fortes. O senhor, que a pouco vira buscar desesperadamente o ar, voltara a respirar tranquilo.

Na rua teve que se conter para não saltitar de contente. Sentiu vontade de rodopiar, mas se absteve disso. É preciso comemorar, é preciso comemorar, dizia para si baixinho. Resolveu dar uma festa no próximo fim de semana. Seria a festa da sua ressurreição.

Já no carro, enquanto dirigia em direção à casa de sua tia Clotilde a fim de cumprir o voto que fizera a si enquanto esperava a consulta, começou a rir. Parecia inacreditável que, não muito tempo atrás, estava, do seu ponto de vista, andando no fio que separa a vida da morte. Aquele riso, que começou timidamente, foi tomando conta de si. Teve que encostar o carro numa rua pouco movimentada. Já não ria, gargalhava. Segurou o volante na parte de cima com as duas mãos enquanto mantinha os antebraços apoiados em sua base e, com a testa encostada neles, entregava-se à gargalhada. O próprio riso era combustível para manter a euforia, pois achava graça do seu estado de graça, o que aumentava ainda mais o riso. Em determinado momento, num surto renovado da risada, jogou o corpo abruptamente para trás e, apoiando a nuca no encosto do banco do carro, gargalhou a não mais poder. Se Freud estivesse assistindo a cena provavelmente concluiria, entre risos evidentemente, que aquilo era um bom exemplo de uma autêntica catarse! Naquela circunstância, concluiria o sábio, todas as resistências seriam liberadas. Dava até para imaginar o ID o EGO e o SUPEREGO de mãos dadas, brincando de roda, e cantando uma cantiga infantil. – É, não tem jeito, mesmo aqui tudo retorna à infância! -.

Algumas pessoas que passavam pela calçada, ao assistirem a cena, foram influencias e continuaram suas caminhadas sorrindo enquanto olhavam para trás curiosos com o que presenciavam. Só conseguiu continuar a dirigir vinte minutos depois.

Dona Clotilde recebeu a surpresa com um sorriso no rosto e um forte e demorado abraço, o que provocou lágrimas de alegria tanto na anfitriã quanto na visita.

A tarde foi pouca para tantas coisas que precisavam ser ditas!


Roberto Policiano

11 de abr. de 2011

Cisão



De um lado o desejo intenso,

Do outro a gélida indiferença,

No meio o abismo que se expande.

Nos dias que se arrastam

Fulgas estratégicas os mantém

Em espaços distintos.

Nos parcos encontros

Monossílabos tentam timidamente

Arranhar o espesso silêncio.

Em comum o anseio

para alcançar a porta da rua.


Roberto Policiano

4 de abr. de 2011

Silcleide

Silcleide é uma pessoa muito querida por aqueles que a conhecem. Dizem que para ela não existe ‘tempo ruim’, pois está sempre pronta para acudir seja quem for que pedir socorro a ela. Uma visita especial irá almoçar na casa de alguém? Acompanhante para uma consulta médica? Buscar uma encomenda do outro lado da cidade? Compras de emergência? Viagem inesperada? Babá para um fim de semana? Ajustes em roupas? Levar recados? Faxina de virar a casa pelo avesso? Esperar uma mercadoria que está para ser entregue? Silcleide... Silcleide... Silcleide. Ela topa tudo! E faz com uma satisfação que só vendo para crer. Quem a conhece não fica em apuros, é o que todos dizem, e não há exagero nenhum nisso. Ela nasceu para servir, e como sente feliz por isso! Como recompensa é querida por todos e convidada para todos os eventos. Só que, como reconheceu uma amiga achegada numa conversa com outras que já foram socorridas pela Silcleide, todos os convites foram para que ela atuasse nos bastidores. Era sempre lembrada para prestar um socorro. Resolvida a reparar tal erro a amiga resolveu que, na primeira oportunidade que tivesse, convidaria a Silcleide para ficar ao seu lado, não para servir, mas para usufruir o evento. A oportunidade chegou três meses depois da resolução. A princípio Silcleide resistiu. - Quem sou eu para participar de uma festa? - Pois é isso mesmo que você vai fazer, disse-lhe a amiga. Cumprindo sua promessa a amiga fez da ida à festa uma festa para a Silcleide. Levou-a ao salão de beleza onde, depois de passar pelas mãos da cabeleireira, da manicure, da esteticista. A mulher, agora outra pessoa, recebeu um lindo vestido longo. Ao ver o resultado refletido no espelho ela riu, ou melhor, gargalhou. Fui uma grande dificuldade convencê-la da necessidade de manter a seriedade para não estragar o trabalho das profissionais de beleza. Na festa, visto não estar do lado de quem servia, não sabia como se comportar. Sentia-se esquisita no meio de tantas pessoas elegantes. Tentou convencer a amiga que lhe dera a festa de presente a deixá-la sentada numa das confortáveis poltronas que se encontravam numa espécie de sala de estar contígua à sala onde os convivas se reuniam, mas a amiga fez questão de que Silcleide festejasse a festa, foi a expressão usada por ela. Como não teve alternativa, Silcleide, andou, conversou, sorriu, dançou, foi servida, até se exaurir com tanto festejo, a ponto de conseguir o consentimento da amiga para sentar um pouco. Tudo corria bem até o momento em que, já quase no fim da festa, nossa heroína, percebendo a dificuldade de uma octogenária que queria se levantar para pegar um pouco de água mineral, se prontificou em servi-la. Mas quem disse que a Silcleide conseguia levantar-se da poltrona? Parecia que uma força, maior que a sua, a mantinha presa ali. Ela conseguia levantar até certa altura só para ser puxada violentamente para trás. Tentou uma; duas; três; várias vezes; mas não conseguiu se levantar. E, quanto mais ela tentava, mais aflita ficava, até o ponto em que pediu que alguém a socorresse. Uma das senhoras foi até a amiga da Silcleide, que foi rapidamente até o local do incidente. Ao perceber a luta da amiga para se livrar daquela poltrona ela, que deveria socorrê-la, começou a rir. - Para de rir e vem me socorrer, disse Silcleide ofendida. - Deixe de pisar na barra do vestido que você consegue se levantar, disse a amiga sorrindo.

Desde então Silcleide se nega a ir a qualquer festa, a não ser para servir, evidentemente. Mas a amiga dela tem um plano que...


Roberto Policiano