Roberto Policiano

16 de jul. de 2012

Reação



                                                               I

Um vendaval, de subido, varreu o planeta. Nenhum aparelho o detectara antes, para a perplexidade dos meteorologistas. Não se podia precisar, tampouco, de onde se originara, pois ele surgiu de todas as direções. A devastação ocorrida jamais fora presenciada antes. Foram quinze dias de ventania e mortes. A seguir vários tsunamis surgiram simultaneamente em todos os mares provocando ondas gigantescas e, antes que a humanidade se recuperasse do vendaval, horrendas destruições ocorreram num lugar após outro. Os sobreviventes ainda cambaleavam com tudo isso quando, em todos os continentes, uma sequência medonha de terremotos literalmente sacudiu o planeta, levando o fim a tantos outros. Não havia como enterrar tantos mortos, nem lugares para colocar todos os destroços deixados pela destruição. Uma ajuda inesperada aconteceu para dar cabo de todo esse serviço, quando uma tempestade, de proporções diluvianas, lavou a terra levando todos os cadáveres, todos os restos, e uma boa parte dos que sobreviveram das calamidades anteriores. Depois de todos estes desastres, uma calmaria, que instilou esperança no quinto da humanidade que sobrara, permeou em todo o planeta. Como que para comemorar o fim da devastação violenta, a terra foi literalmente coberta por um tapete de uma pequenina flor lilás. Que lindo que era aquilo! No dia seguinte, porém, a flor exalou um perfume adocicado que, inicialmente, inebriou cada um dos humanos. No entanto, o que no início parecia agradável, mostrou-se um poderoso veneno que liquidou o que sobrara da raça humana. O planeta terra se livrou assim do seu maior inimigo, pois, como que a um imenso organismo vivo, chegou à seguinte conclusão – é matar ou morrer! E agiu em legítima defesa.


II

Depois que o planeta se livrou da espécie que o destruía tratou de curar as espécies remanescentes. Lembram-se daquelas florezinhas lilases? Uma espécie aquática cobriu todos os corpos de água, tanto salgada quanto doce. Seu perfume atraiu toda espécie de animais, inclusive voadores, que se banquetearam sofregamente delas. Até mesmo crustáceos nunca antes visto na superfície vieram para participar da refeição. Aquelas flores continham uma bactéria que conseguia digerir o plástico, de modo que todos os animais que estavam com os estômagos cheios de plástico engolidos por terem sido confundidos com alimentos, puderam se livrar do que engoliram e foram salvos. E, por mais que engolissem aquelas flores, elas eram tão numerosas que continuaram a cobrir terras e águas, a ponto de, por um período de tempo, o planeta, se visto do espaço, lembrava uma imensa bola lilás. Consequentemente, todos os plásticos, no solo ou nas águas, foram digeridos pelas bactérias que se encontravam nas flores. Uma vez cumprido o seu papel, as florezinhas lilases desapareceram tão depressa quanto o seu surgimento. Imediatamente uma planta aquática, de proporções gigantescas, surgiu dos mares, rios e riachos, e lançou seus ramos, como a imensos tentáculos, que, do mesmo modo como a planta anterior, recobriu a terra com um verde brilhante e escuro. Tais tentáculos eram providos de uma espécie de ventosas que, uma vez coladas em alguma superfície, liberava um estranho líquido espesso de uma cor entre o vermelho e o ferrugem. A planta, como que sabendo o objetivo de seu crescimento, só grudava suas ventosas em objetos que não eram naturais. Assim, todas as construções, maquinários, veículos, e qualquer outro objeto criado pelos humanos, foram encontrados pela planta que, ao ‘tateá-los’ e ‘reconhecê-los’, literalmente cobriam-nos de ventosas que, imediatamente, começavam a expelir o tal líquido. Em poucos anos todo trabalho humano foi dissolvido pela planta que, uma vez terminada sua missão, murchou e se desintegrou, deixando seu pó para enriquecer o solo. O planeta, depois dessas operações de limpeza, voltou ao seu estado natural, as espécies sobreviventes, como que se sentindo aliviada e segura, guinchou, assobiou, piou, latiu, grunhiu, miou, coaxou, silvou, relinchou, zumbiu, baliu, cacarejou... Todos uniram suas vozes como que num canto de vitória. O dia seguinte nasceu com um imenso arco-íris que coloria o céu de um novo planeta e contribuía para a sensação de paz que pairava em cada recôndito da terra.
III
Todos os animais estavam sossegados quando, de repente, ouviram um som diferente. O antílope ergueu a cabeça, fungou em direção ao vento e espetou suas orelhas. Um coelho pulou assustado e correu para a toca. Um bando de maritaca alçou voo e foi posar num coqueiro mais alto. O som ficava mais alto a cada segundo. Um grupo de jacarés deixou a pedra onde estava e entrou no rio. Um gato miou, pulou num galho de árvore, caminhou até a copa e ficou olhando lá de cima. Um casal de caranguejos se escondeu no lodo. De repente um grupo de pessoas saiu da floresta em direção à praia. Como pode ser? Os humanos não haviam sido dizimados? Era o que parecia, pois, por um longo período de tempo, nenhum deles foi visto pelos animais. Então como se explica isso agora? E o veneno das flores lilases? Acontece que esse grupo de humanos era um daqueles grupos que viviam isolados do restante dos humanos. Talvez, fizesse parte de suas dietas algumas raízes amargas que contenha alguma substância que fosse capaz de neutralizar o veneno da flor lilás. O fato é que grupos de humanos, de diversas etnias diferentes, passaram a serem vistos em várias partes do planeta terra. O que eles têm em comum? Além do fato deles consumirem as mesmas raízes neutralizantes do veneno fatal, todos, sem exceção, mantinham-se afastados dos humanos chamados modernos, aqueles mesmo que devastaram o planeta. Dá até para desconfiar que o planeta, ao planejar sua reação, achou por bem preservar esses grupos étnicos que sobreviveram. Quem sabe os mesmo não foram considerados inculpes pela devastação ocorrida? Quanto ao barulho mencionado no início, que fora ouvido pelos animais, era apenas uma festa tribal pela união marital de seus jovens que ocorre a cada quatro luas. Os sons do tambor, da gaita, do pífaro, e de outros instrumentos desconhecidos por nós, uniram-se com os sons dos sorrisos e gritos de alegrias e tomou conta no resto daquela tarde desde a primeira visão que tiveram da lua até seu desaparecimento, no início do dia seguinte, onde as novas famílias foram para suas tendas e os demais da tribo voltaram para suas redes para se refazer do cansaço da noite de festa, porque, afinal, ninguém é de ferro!

2 Comments:

At 8:01 AM, Anonymous Anônimo said...

Nossa, que viagem!

 
At 8:03 AM, Anonymous Roberto Policiano said...

Olá anônimo, obrigado pela visita! Concordo com você, foi, de fato, uma viagem! Grande abraço! Volte sempre.

 

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