Vende-se um carro
Depois de trinta anos de
parceria Florisvino, depois de muito hesitar, resolveu trocar de carro. Ele e
Patricélia, sua mulher, após visitarem várias concessionárias, resolveram
comprar um carro zero quilômetro. O velho carro da família teve que ceder seu
lugar na garagem, mas o que fazer com ele? Com dor no coração Florisvino
resolveu vendê-lo, assim, estacionando-o em frente de casa, colocou o seguinte
anúncio no para-brisa do possante:
“Vende-se pelo preço de
tabela”.É certo que seria difícil encontrar uma tabela que contivesse o valor do carro, mas este era um detalhe que poderia ser resolvido na hora da negociação. O dono do carro fez questão de manter o veículo sempre apresentação, não só porque queria fazer negócio logo, mas também porque este sempre foi seu jeito de tratar o automóvel.
Não obstante o capricho do proprietário, dois meses se passaram, mas não houve quem se interessasse pelo velho carro. Pensando em agilizar a venda, um novo anúncio foi colocado em substituição ao anterior, com os seguintes dizeres:
“Vende-se com desconto de 10% sobre o valor da tabela”.
Mesmo com o abatimento não apareceu ninguém disposto a comprar o veículo, mas ele continuava brilhando com o cuidado dispensado pelo seu atencioso dono, que, não obstante seu zelo, já começara a se cansar de ter que limpar dois carros. Assim, decidido a se livrar rapidamente do serviço extra, tomou uma medida radical:
“Vende-se com desconto de 40% sobre o valor da tabela”
- Agora sim, pensou Florisvino, vou conseguir vender o carro.
Não foi o que aconteceu. Um mês depois da segunda troca do anúncio o carro continuava estacionado no mesmo lugar. Seu dono, já desgostoso e com certa antipatia do carro que carregara a família por milhares de quilômetro, decidiu solucionar o problema de uma vez por todas e mudou pela terceira vez o anúncio, agora com a seguinte oferta:
“Vende-se com desconto de 70% sobre o valor da tabela”.
- Agora eu vendo, disse confiante para Patricélia.
Mas não vendeu. A decepção do homem era tanta que começou a implicar com o carro, deixando de dar a atenção a ele que até então vinha fazendo, de modo que o veículo já não brilhava tanto. E, com o intuito de se livrar do automóvel, pois era assim que ele se referia, aumentou ainda mais a oferta:
“Vende-se com desconto de 95% sobre o valor da tabela”.
Nada de comprador! Florisvino já olhava para o empecilho, termo este usado por ele, com os olhos enviesados. E, para humilhar o carro, se é que se consegue isso com uma máquina, anunciou:
“Troca-se por uma tabela de preços de carros usados”
Trocar ele não conseguiu, mas arrancou risos dos que transitavam pelo local. O automóvel, como castigo por continuar ali, há muito deixou de ser cuidado, de modo que uma fina camada de pó ofuscava seu anterior brilho. Numa nova tentativa de se livrar daquela “tranqueira” - usando as palavras dele - nova proposta foi feita:
“Doa-se”.
Mas não teve quem quis. Aquilo virou um insulto e motivo de zombaria de modo que, num ímpeto de ódio, Florisvino apelou com o seguinte anúncio:
“Ofereço uns trocados a quem levar este carro embora”
Além do mais, para incentivar a quem pudesse se interessar, deu um banho no carro, com xampu e tudo, e, para facilitar ainda mais, deixou a chave no contato e a porta do veículo aberta.
Dois dias depois desta atitude radical, a campainha soou na casa de Florisvino. Ao atender ao chamado deparou-se com um mendigo que, interessado na proposta, iniciou a conversa:
- É o senhor que está ofertando uns trocados para levar o carro embora?
- Sou eu mesmo. Você está interessado?
- Depende de quando for o trocado.
Imediatamente o dono do veículo enfiou a mão no bolso e tirou algumas notas de pequeno valor, estendendo-as ao mendigo que, depois de pegá-las, exclamou:
- Só isso? Não pode ser um pouco mais?
Não querendo perder a oportunidade de se livrar de uma vez do veículo, o proprietário triplicou a oferta.
O mendigo, sorrindo de satisfeito, agradeceu Florisvino e, virando as costas, começou a afastar do portão.
- Ei! Você está se esquecendo de levar o carro.
- Não estou não senhor, eu só queria os trocados mesmo.
E, contente com o que ganhara, saiu e deixou Florisvino apoiado no portão com a cara deste tamanho!
Roberto Policiano