Roberto Policiano

22 de fev. de 2013

Vende-se um carro



Depois de trinta anos de parceria Florisvino, depois de muito hesitar, resolveu trocar de carro. Ele e Patricélia, sua mulher, após visitarem várias concessionárias, resolveram comprar um carro zero quilômetro. O velho carro da família teve que ceder seu lugar na garagem, mas o que fazer com ele? Com dor no coração Florisvino resolveu vendê-lo, assim, estacionando-o em frente de casa, colocou o seguinte anúncio no para-brisa do possante:
“Vende-se pelo preço de tabela”.
É certo que seria difícil encontrar uma tabela que contivesse o valor do carro, mas este era um detalhe que poderia ser resolvido na hora da negociação. O dono do carro fez questão de manter o veículo sempre apresentação, não só porque queria fazer negócio logo, mas também porque este sempre foi seu jeito de tratar o automóvel.
Não obstante o capricho do proprietário, dois meses se passaram, mas não houve quem se interessasse pelo velho carro. Pensando em agilizar a venda, um novo anúncio foi colocado em substituição ao anterior, com os seguintes dizeres:
“Vende-se com desconto de 10% sobre o valor da tabela”.
Mesmo com o abatimento não apareceu ninguém disposto a comprar o veículo, mas ele continuava brilhando com o cuidado dispensado pelo seu atencioso dono, que, não obstante seu zelo, já começara a se cansar de ter que limpar dois carros. Assim, decidido a se livrar rapidamente do serviço extra, tomou uma medida radical:
“Vende-se com desconto de 40% sobre o valor da tabela”
- Agora sim, pensou Florisvino, vou conseguir vender o carro.
Não foi o que aconteceu. Um mês depois da segunda troca do anúncio o carro continuava estacionado no mesmo lugar. Seu dono, já desgostoso e com certa antipatia do carro que carregara a família por milhares de quilômetro, decidiu solucionar o problema de uma vez por todas e mudou pela terceira vez o anúncio, agora com a seguinte oferta:
“Vende-se com desconto de 70% sobre o valor da tabela”.
- Agora eu vendo, disse confiante para Patricélia.
Mas não vendeu. A decepção do homem era tanta que começou a implicar com o carro, deixando de dar a atenção a ele que até então vinha fazendo, de modo que o veículo já não brilhava tanto. E, com o intuito de se livrar do automóvel, pois era assim que ele se referia, aumentou ainda mais a oferta:
“Vende-se com desconto de 95% sobre o valor da tabela”.
Nada de comprador! Florisvino já olhava para o empecilho, termo este usado por ele, com os olhos enviesados. E, para humilhar o carro, se é que se consegue isso com uma máquina, anunciou:
“Troca-se por uma tabela de preços de carros usados”
Trocar ele não conseguiu, mas arrancou risos dos que transitavam pelo local. O automóvel, como castigo por continuar ali, há muito deixou de ser cuidado, de modo que uma fina camada de pó ofuscava seu anterior brilho. Numa nova tentativa de se livrar daquela “tranqueira” - usando as palavras dele - nova proposta foi feita:
“Doa-se”.
Mas não teve quem quis. Aquilo virou um insulto e motivo de zombaria de modo que, num ímpeto de ódio, Florisvino apelou com o seguinte anúncio:
“Ofereço uns trocados a quem levar este carro embora”
Além do mais, para incentivar a quem pudesse se interessar, deu um banho no carro, com xampu e tudo, e, para facilitar ainda mais, deixou a chave no contato e a porta do veículo aberta.
Dois dias depois desta atitude radical, a campainha soou na casa de Florisvino. Ao atender ao chamado deparou-se com um mendigo que, interessado na proposta, iniciou a conversa:
- É o senhor que está ofertando uns trocados para levar o carro embora?
- Sou eu mesmo. Você está interessado?
- Depende de quando for o trocado.
Imediatamente o dono do veículo enfiou a mão no bolso e tirou algumas notas de pequeno valor, estendendo-as  ao mendigo que, depois de pegá-las, exclamou:
- Só isso? Não pode ser um pouco mais?
Não querendo perder a oportunidade de se livrar de uma vez do veículo, o proprietário triplicou a oferta.
O mendigo, sorrindo de satisfeito, agradeceu Florisvino e, virando as costas, começou a afastar do portão.
- Ei! Você está se esquecendo de levar o carro.
- Não estou não senhor, eu só queria os trocados mesmo.
E, contente com o que ganhara, saiu e deixou Florisvino apoiado no portão com a cara deste tamanho!

Roberto Policiano

15 de fev. de 2013

Há de tê-lo


 
Um amor bem ajustado,

Sem arestas, bem atado,

Onde se completa

E se é completado,

Com certeza irá detê-lo!

Feliz de quem pode tê-lo.


Roberto Policiano

8 de fev. de 2013

Distração



Paulinho passava pela praça do lugar em direção ao ponto de ônibus. Amanhecia e o sol, que enviava seus primeiros raios ao céu, coloria as nuvens com um dourado suave, espetáculo que não foi percebido pelo garoto que, precisando pegar o próximo ônibus para chegar à escola no horário, andava apressado sem notar nada em sua volta.

Já em sala de aula o educador tentava transmitir aos alunos uma informação complexa sobre o tema do dia, mas Paulinho, preocupado com um teste que faria no clube de natação na tarde daquele dia, não conseguia prestar atenção às explicações do professor.

Mais tarde, já à beira da piscina onde ouvia as orientações do instrutor sobre as técnicas necessárias que deveriam ser usadas para se conseguir atingir o mínimo de tempo necessário para prosseguir na competição, o atleta não percebia um par de olhos deitados ternamente sobre ele.

À noite, em seu apartamento, o estudante, absorto nos exercícios que deveriam ser resolvidos para a aula do dia seguinte, nem percebeu a chuva que caiu naquele entardecer, nem no belo arco-íris que se formou no céu e que poderia ser apreciado se tão somente ele se chegasse à janela de seu quarto.

E seguiu o menino neste mesmo ritmo, sempre tendo algo para planejar para depois, o que lhe roubava a oportunidade de viver os momentos que passaram despercebidos.

Algumas décadas depois o Doutor Paulo, eminente cidadão que se tornou uma referência na área de sua atuação, enquanto descansava numa cadeira de praia, refletia sobre sua vida e, por mais que progredira em seu campo de atuação, não obstante o reconhecimento profissional e a generosa recompensa financeira por suas contribuições para a ciência, sentia um vazio imenso que ele, embora sábio, não sabia encontrar uma explicação.
 
Roberto Policiano

4 de fev. de 2013

Vai e vem das ondas





Domingo;

Dezoito horas;

O sol da tardinha

Deixava o dia agradável;

As ondas mornas e espumantes

Convidavam para mais um mergulho,

Mas os banhistas recolhiam seus pertences

E suas crianças a fim de preparar o retorno para casa.

Os filhos choravam copiosamente e os pais só não o faziam por vergonha.

Era necessário apressar, pois as estradas estavam repletas de carros,

Indicando que o retorno seria cansativo e demorado,

Antecipando a sensação de desanimo de todos,

Ou melhor, quase todos, pois, tranquilo,

Em sua confortável cadeira de praia,

Assistindo ao frenesi dos turistas,

Sorvendo uma deliciosíssima

E refrescante água de coco,

Um aposentado ria!


Roberto Policiano