Roberto Policiano

18 de set. de 2006

Prima Cotinha


A prima Cotinha é uma pessoa bondosa. Extremamente bondosa. Irritantemente bondosa! Certa vez, enquanto ajudava em alguns consertos na casa de sua mãe, tive o desprazer de conhecer sua bondade de perto. O sol estava causticante. Enquanto carregava umas madeiras fui interpolado por ela, que insistiu que eu colocasse a madeira no chão naquele exato momento para tomar um suco geladinho que acabara de fazer.
- Vou deixar as madeiras perto da cerca e já volto.
- Não! aproveite que o suco esta geladinho e tome-o agora!
- Mas a cerca fica a cinco metros daqui!
- Não tem importância! Tome o suco agora.
- Depois vai dar mais trabalho de recolher a madeira.
- Não tem problema, eu te ajudo.
- Mas...
- Tome o suco agora, menino, deixe de ser teimoso!
Fui obrigado a tomar o suco! Cumprindo o prometido, ele ajudou-me com as madeiras. Ao pegar uma delas, espetei um dos dedos. Um fio quase que imperceptível de sangue minou da ferida. Antes que eu esboçasse qualquer reação, a prima já estava com o meu dedo em sua boca para, dizia ela enquanto deixava meu dedo em um dos cantos da boca a fim de conseguir falar, sugar o sangue mal. Depois deste primeiro atendimento, arrastou-me, isso mesmo, arrastou-me até a sala para fazer um curativo.
- Não precisa fazer nenhum curativo, Cotinha, é só um furinho de nada!
- Melhor remediar! Melhor remediar! Seu Anacleto perdeu um pé por não cuidar de um ferimento só porque ele achou que não fosse nada!
- Mas ele furou o pé num prego enferrujado!
- Vai saber onde esta madeira já esteve! Melhor remediar! Melhor remediar!
Não tive outro remédio a não ser deixar ela remediar o furinho do meu dedo. Meia hora depois fui liberado por ela para voltar ao trabalho, não antes de tomar dois copos de água fresca para enfrentar o calor! Quinze minutos depois, quando pensei que havia me livrado dela, quando me abaixava para pegar mais algumas madeiras, senti uma mão segurar fortemente a minha. Era ela averiguando o curativo para, em sendo necessário, trocá-lo. Deu trabalho convencê-la que o curativo ainda protegia o ferimento! Menos de vinte minutos depois, passei por uma nova inspeção. Desta vez não teve como escapar, e lá fui eu arrastado pela bondosa prima para um outro curativo. Ao sair tive que ouvir várias recomendações para não me ferir e, para me hidratar, fui obrigado a tomar mais água.
Fui salvo pelo almoço. Ou melhor, achei que tinha sido salvo, até descobrir quem sentaria perto de mim à mesa! Felizmente o almoço estava delicioso. Comi como um leão! Virei à minha direita e pedi para o tio Astolpho colocar mais um pouco de suco em meu copo. Quando me ajeito na mesa deparo com o meu prato montado e o olhar de bondade da prima Cotinha, que, confesso, já estava odiando, deitado sobre o meu.
- O serviço é pesado e você não está acostumado. É melhor se alimentar bem.
- Mas Cotinha, eu já comi bem!
- Engano seu primo, em uma hora você vai gastar o que comeu. Escute o que estou falando e coma mais este pouquinho de comida. Você vai precisar desta energia.
Fui obrigado a escutá-la
Reiniciar o trabalho com toda aquela comida no estômago fui difícil. Comi tanto que andava encurvado! Procurei um lugar retirado e fui executar um outro serviço. Pretendia ficar longe da prima, se possível a tarde inteira. Não foi possível. Menos de uma hora depois ela me encontrou e, bondosa como ela era, vinha acompanhada com uma jarra de água fresquinha! Pretendia tomar a água em pé mesmo, mas ela me fez sentar num tronco que estava deitado em baixo de uma árvore, cuja copa fornecia uma sombra agradável. Quis levantar-me assim que matei a sede, mas ela, segurando-me pelo braço, obrigou-me a descansar por dez minutos antes de reiniciar o trabalho. Ao me dirigir para o local do trabalho, enrosquei o pé num arbusto e perdi o equilíbrio. Antes de sequer pensar em equilibrar-me novamente, senti o braço protetor da prima enlaçar o meu corpo. Perdi a cabeça! Deitei no chão e chorei de raiva por tanta bondade. Então a ouço dizer:
- É este trabalho infernal neste sol causticante que o deixou estressado!
E, dando uma batidinha em meus ombros, falou com a voz mais angelical que eu já ouvira desde então:
- Não se preocupe que eu vou fazer um chazinho de camomila pra te acalmar.
Levantei num pulo e corri os sete quilômetros que separavam minha casa daquele lugar! Sentei no sofá para descansar da corrida, tomei um banho frio, e fui para cama.
No dia seguinte, seis horas da manhã, ao abrir os olhos, deparei-me com ela sentada ao lado da minha cama.
- Está melhor agora?
- Respondi com um sorriso sem graça e um balançar de cabeça.
- Trouxe o seu chazinho!


Roberto Policiano

3 Comments:

At 1:51 PM, Anonymous Anônimo said...

Roberto

Eu é que gostaria de ter uma prima assim....
Quando fico triste, lembro de você com suas piadas...

Saudades.

 
At 12:52 PM, Anonymous Anônimo said...

Este é divertidíssimo!!!!!!!!!!!!! Não tem como não rir - e como não lembrar das primas Cotinhas desta vida... Particularmente gostei dos contrastes: "irritantemente bondosa" e "tive o desprazer de conhecer sua bondade". É um recurso muito útil para dar uma idéia do que virá a seguir... Muito bom mesmo.

 
At 5:31 PM, Anonymous Anônimo said...

Obrigado Elenice e Cicy Silva pelos comentários. As primas Cotinhas, embora irritantes em algumas ocasiões, sempre são amadas por todos. Tem algum problema? Chame a prima Cotinha e tudo se resolverá. Um grande abraço para vocês.

 

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