Roberto Policiano

28 de mai. de 2007

Papo cabeça


Segunda-feira; seis horas da manhã; ônibus lotado; garoa. O que mais poderia acontecer para temperar o início da semana? Dois ‘malucos’ se encontrarem bem do meu lado.
- E aí maluco? Firmeza?
- Firmeza.
- Cê num pega esse busão. O que tá rolanu?
- Acordei tarde, tá ligado?
- Acordar tarde em plena segunda-feira ninguém merece!
- Com busão lotado e garoando!
- Podis crê. Ninguém merece.
- E do jeito que tá o trânsito, vou chegar atrasado e levar a maior ralada do chefe.
- Pára com isso maluco! Segunda-feira; garoa; busão lotado; ralada do chefe... ninguém merece!
- Só!
- Cê trampa do quê?
- Tá ligado no bagulhu do telemarketing?
- Tipo assim aquele papo de ficar telefonando?
- É isso aí.
- Cara, telemarketing ninguém merece!
- Maluco! Cê nem sabe o que rola.
- Imagino que deve ser tipo assim cada bagulhada daquelas.
- Só é.
- Ninguém merece!
- É mesm... Aí meu pé, meu. Pega leve.
- Que qui tá peganu?
- Um maluco pisou no meu pé
- Pisão no pé em busão lotado, ninguém merece!
- Cê viu a do cara, mermão?
- Tô ligado. Uma conduça dessa ninguém merece!
- Tipo assim, até desanima, tá ligado?
- Só tô!
- O pior é que depois do trampo ainda vô pra facu.
- Facu depois do trampo ninguém merece!
- E eu que num trouxe nem blusa e nem guarda-chuva!
- Ninguém merece isso, meu. Dá cano na facu.
- Num posso. Hoje tem prova de estatística.
- Prova de estatística em plena segunda-feira feira chuvosa ninguém merece, tá ligado?
- Que remédio? Pobre, se quiser ser alguma coisa, tem que, tipo assim, se ferrar.
- Só tem. Maluco, vô tê que escorregá pra conseguir descer. Tô indo nessa, firmeza?
- Podis crê.
Segunda-feira; ônibus cheio; vidros fechados; ar viciado; garoa; trânsito parado; papo cabeça no pé-do-ouvido, ninguém merece, fala aí!


Roberto Policiano

21 de mai. de 2007

Pai

Pai; hoje compreendo o que sentias -
Teus temores; tuas dores; teus ais;
Teus sofrimentos; tuas agonias...
Pois eu, como tu, também sou pai.

Pai; suplico, nesta hora tardia -
Pois meus erros não esqueço jamais -
Perdão pela minha rebeldia,
Por duvidar que eras sábio, pai.

Pai; sei que fui tolo e prepotente.
Eu Pensava que já sabia tudo
E rejeitei teus conselhos, pai.

Pai; hoje percebi, de repente -
Foste tu que me ensinaste tudo!
Descanse em paz, meu querido pai!

Roberto Policiano

14 de mai. de 2007

A vizinha da frente


A vizinha da frente, não tendo o que fazer, vive vigiando a minha vida.
Todos os dias, por volta das 5:47 horas ela se levanta, a não ser quarta feira da semana passada, pois ela perdeu a hora e só saiu da cama às 6:12 horas.
Ela toma seu café, ainda de camisola e sem pentear o cabelo, na cadeira que a permite ficar de frente para a minha casa, só para seguir meus passos enquanto toma seu café.
Enquanto arruma sua casa deixa a janela escancarada para não me perder de vista.
Ao lavar a roupa começa a pendurá-las do lado direito do varal, porque, visto que o tanque está do lado esquerdo, a visão da minha casa não seja coberta com as roupas penduradas.
Lá pelas 11:30 horas, quando ela vai preparar o almoço, pensa que fecha a porta? Que nada! Fica cozinhando e vigiando minha vida.
À tarde ela deve tirar um cochilo, pois tranca todas portas e janelas e só vai abrir uns quarenta e cinco minutos depois. Se ela não estiver dormindo na certa estará espionando em alguma greta só para saber o que estou fazendo!
Uma vez uma vizinha foi conversar com ela e, em vez da sirigaita mandá-la entrar, atendeu-a na porta onde ficaram conversando exatos 48 minutos. Eu tenho certeza que era só para ficar bisbilhotando minha vida! Ela sempre faz disso.
Certa vez, por não estar me sentindo bem, levantei às 2:30 horas da manhã e fui até a sala. Não é que a televisão dela estava ligada àquela hora da madrugada! Imediatamente liguei a minha televisão e fiquei mudando de canal até que a mudança de cena coincidisse com a alternância de luzes que vinha de sua casa. Só queria saber se ela estava assistindo aqueles tipos de filmes, pois isso é bem típico dela. Não era daqueles tipos, mas deve ser que justamente naquele dia o assunto era outro. Além de bisbilhoteira ainda tem sorte.
Já não suporto mais esta situação. Vou pedir para o Wellington arrumar uma outra casa. Detesto esta sensação de que estou sendo vigiada constantemente!

Roberto Policiano

7 de mai. de 2007

Resolução

Resolvi manter meu sorriso
Mesmo que eu não tenha motivo.
Embora eu pareça sem juízo
Quero mantê-lo sempre ativo.

Farei uma boa inspeção
Para limpar meu coração.
Farei tudo o que for preciso
Para resguardar meu sorriso.

Extirparei todo o rancor,
Toda maldade, toda inveja,
Todo ciúme e todo furor.

A tudo de que não se preza
Decido jamais dar asilo
Para preservar meu sorriso.

Roberto Policiano

2 de mai. de 2007

Inacreditável



O Zé, assim como o João, levanta mais cedo para ir ao serviço a pé. Uma hora e meia para ir e outra hora e meia para voltar. Isso lhe rende uns trocados, um modo de aumentar seu orçamento. É assim de segunda à sexta. O duro é quando recebe a cesta básica, pois tem que carregá-la na cabeça até em casa. No sábado faz bico numa banca da feira, onde, além de um dinheirinho a mais, consegue algumas frutas para a família. Estão um pouco amassadas, é verdade, mas Tereza, sua mulher, aproveitam-nas bem. É só tirar as partes estragadas que dá uma ótima salada de frutas. As crianças até gostam! Mulher de ouro, a Tereza. Não é que duas vezes por semana ela, junto com algumas amigas, vão até o Ceasa para aproveitar as sobras das mercadorias? Algumas mulheres do bairro criticam, dizendo que é lixo de feira, mas elas não se importam com isso e voltam para casa com várias sacolas cheias de verduras, legumes e frutas, com quase nenhum estragadinho. Zé costuma dizer que Tereza não é só seu braço direito, mas sim seus dois braços. Pois ela, para complementar o salário da família e ajudar o marido a sustentar os cinco filhos, além de lavar roupa para fora, ainda consegue, duas vezes por semana, trabalhar como diarista. Domingo o Zé não descansa. Levanta cedo, côa o café e busca pão num mercadinho que, embora fique bem mais longe da padaria, é um pouco mais barato. Depois de tomar seu café com pão, coisa que ele não dispensa nunca, pega sua caixa de isopor e ruma para sorveteria, pois ele passa o domingo vendendo sorvetes no parque do Ibirapuera. Todo domingo é assim, menos neste último, pois, no dia anterior, a fim de ganhar uns trocados extras, fui ajudar o ajudar o Nestor a encher a laje do Amaral, mas, por ficar muito tempo descalço mexendo concreto, acordou com vários cortes entre os dedos dos pés. Ainda bem que Tereza conhece de remédio caseiro e fez um emplasto que, garante ela, vai deixar os pés deles sãos já para o dia seguinte. Zé ficou feliz pois, sendo assim, não precisará gastar dinheiro à toa com a condução. Enquanto descansava um pouco numa poltrona Zé pegou um dos jornais, que seus filhos juntam para vender no ferro velho, e foi treinar sua leitura, coisa que ele nunca fazia, por causa da falta de tempo. Não deu nem cinco minutos e ele começou a rir. Sua mulher, que naquele momento passava por ele com uma peça de bofe de boi a fim de prepará-lo para o almoço da família, quis saber o que ele lera de tão engraçado. “Esses repórteres têm cada imaginação”, disse ele sorrindo para a mulher enquanto apontava a parte da página do jornal que acabara de ler, e, continuando, falou: “Esse aqui tá dizendo que os deputados federais e os senadores, além dos salários que ganham, recebem casas com tudo quanto é móveis pra morar. E tudo de graça! Diz também que eles recebem não sei quantos litros de combustíveis por mês pra andar pra lá e pra cá. E eles nem precisam dirigir, pois o governo dá um motorista pra cada um deles. Você pensa que acabou? Diz aqui que eles recebem passagens de avião pra ir pras terras deles. Não é uma vez por anos só não, são muitas. Aqui tá escrito também que, além do décimo terceiro, eles recebem outros salários. E, pra completar, o repórter fala que eles têm duas férias por mês. Não, espere, tem mais uma coisa que diz aqui que eu já ia esquecendo. Eles nem precisam trabalhar todos os dias. Cada história que essa turma inventa! Será que eles pensam que alguém vai acreditar numa mentira dessa?”
Roberto Policiano