Roberto Policiano

1 de set. de 2008

Senhor Narciso



Ao chegar ficou de pé perto da entrada da sala de espera. Permaneceu junto à parede do seu jeito costumeiro – apoiava as palmas das mãos da parede e encostava-se nas costas das mesmas. Havia lugar disponível para sentar-se, mas sua timidez o impediu de ocupá-lo. Vinte minutos depois chegou o primeiro atendente. Na ocasião a sala já estava repleta de gente. Mais dez minutos se passou e um outro funcionário chegou com algumas pastas de documentos e colocou-as na mesa onde se encontrava o atendente. O último falou baixinho no ouvido do primeiro:

- Quem é o velho desdentado ali?
O primeiro respondeu com um sorriso.
Nenhum deles notou, mas duas lágrimas escapuliram dos olhos cansados do Narciso, enquanto um sorriso triste moveu levemente seus lábios. Enquanto continuava de pé, tentou responder a ele mesmo a pergunta que ouvira. Quem era ele afinal? Seus pensamentos o levaram de volta num casebre onde nascera. Viu a si mesmo aos cinco anos de idade correndo atrás do Pirruíra, um bode de estimação. Gostava de montar no lombo do animal a fim de passear de carona, como ele mesmo dizia. Parece que o animal não aprovava muito a idéia, pois sempre que o Narcisinho se aproximava ele procurava escapar da brincadeira. O Culpado disso foi o tio Moreira que, quando o menino tinha seus três anos de idade, colocou no lombo do bode. De um salto seu pensamento levou-o quatro anos à frente quando, aos nove anos de idade, perdera o pai, vítima de uma picada de serpente.
Narcisinho quis chorar, mas ao ver sua mãe, mulher miúda e tísica, engoliu o choro e prometeu a ela que a ajudaria em cuidar dos nove filhos. Assim ele falou, assim ele fez. Deixou a escola, que ele gostava tanto, e, segurando desajeitadamente a enxada, foi cuidar da plantação da família. Os visinhos deram os seus socorros, mas foi ele, Narcisinho, que assumiu o trabalho de sustentar a família.
Dois anos depois, quando já se familiarizara com a lida do campo e sabia arrancar o sustento do solo, bem como cuidar da criação da família, sua mãe, não suportando mais a luta para viver, morreu num leito de hospital. Narcisinho não desistiu, mas cumpriu sua função de provedor até que todos seus irmãos assumiram o controle de suas próprias vidas.
Ele, agora senhor narciso, continuou na propriedade depois que todos se foram para construir suas próprias famílias. Sorte da dona Tereza, pois certa noite, tendo sua filha, Maria das Graças, precisado de socorro e, visto que o marido viajava na ocasião, recebeu a ajuda do Narciso, que era seu visinho, para carregar a menina, já com doze anos, até a estrada, distante dezoito quilômetros do local. Ele ficou esperando com a mãe e a filha na beira da estrada, por cerca de quarenta minutos, até que passou por lá o Monteirinho, com sua caminhonete e, a pedido do Narciso, levou a criança e a mãe até o pronto socorro.
Desde então Narciso ajudou muitos outros, como, por exemplo, o Milton, o Alencar, a Lurdinha, o Nestor, a Conceição, a Totonha da venda, a Anastácia do sítio de baixo e tantos, tantos outros, que é impossível enumerar.
Narciso continuou ali na roça. Seu irmão caçula, o Lucas, era o que mais o visitava, embora os outros fossem ao sítio com certa regularidade e todos, sem exceção, nas férias do fim de ano. Pois bem, muitos anos depois, Lucas, vendo que o irmão perdera todos os dentes, resolveu presenteá-lo com um sorriso novo. Afinal, disse ele em convencimento ao irmão que relutou, no princípio, com a idéia, “você foi meu segundo pai”.
Agora, pensou Narciso voltando à realidade, vem um sujeitinho qualquer, que nem conhece a minha história, e me chama de velho desdentado?
Indignado, caminhou com decisão até uma cadeira desocupada, sentou-se, cruzou as pernas e os braços e esperou sua vez.

Roberto Policiano

5 Comments:

At 7:09 PM, Anonymous Anônimo said...

Tenho inveja da sua enorme criatividade.
Um final surpreendente e uma narrativa deliciosa.

 
At 6:44 PM, Anonymous Anônimo said...

Ana, este teu comentário foi um grande incentivo, principalmente sabendo que tua função é de educadora. Obrigado por isso!
Um grande abraço do amigo
Roberto Policiano

 
At 1:58 PM, Anonymous Anônimo said...

Interessante o texto. Ensinou-me a não julgar uma pessoa pela aparência. O texto ilustrução muito bem o que isso significa.

 
At 5:16 PM, Anonymous Anônimo said...

Coitado do Narciso! Isso não se faz com ninguém.
bjs
Tathy

 
At 6:49 PM, Anonymous Anônimo said...

Faço minhas as palavras do Marcão. Belo texto Roberto, parabéns.
bjs

 

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