Os Diáfanos
Aquele dia parecia que seria um dia como qualquer outro. Mas, de repente, tudo parou. Não havia energia elétrica em lugar nenhum. Os telefones, fixos ou móveis, silenciaram-se. Os veículos diminuíram suas velocidades e pararam. Os aviões começaram a aterrissar no aeroporto mais próximo. Todas as máquinas deixaram de funcionar. O sistema foi literalmente desligado. Seres diáfanos tornaram-se visíveis em todos os lugares. Cada humano, como que hipnotizado, dirigiu-se para um desses seres e, entrando numa fila, aguardou a sua vez de ser entrevistado. Nos lugares onde as pessoas ainda dormiam, devido ao fuso horário, os diáfanos entraram em suas casas e, permanecendo de pé na sala de estar, aguardaram as pessoas que foram despertas por uma força estranha e se dirigiram até eles. A entrevista foi rápida, durou apenas alguns segundos, tempo que os diáfanos olhavam nos olhos da pessoa e, como que lendo a mente dela, informava-a sobre a tarefa que lhe fora designada. Tudo isso foi feito sem se dizer uma única palavra. Não houve contestação. Era como se cada um ficasse convencido de que ele merecia exatamente a sua designação. À medida que ficava sabendo do que fora determinado, a pessoa se dirigia para a rua e se encaminhava para seu trabalho. Algumas horas depois das aparições dos diáfanos, vários humanos caminhavam em fila a fim de cumprir sua missão. Os diáfanos estiveram presentes também nos hospitais e visitaram cada paciente. Colocaram a mão direita sobre a cabeça do doente, que foi curado instantaneamente, e fizeram a mesma entrevista, dando a cada um deles uma tarefa específica. As crianças foram separadas em faixas etárias e levadas para vários lugares longe das grandes cidades, onde cresceriam livres das influências das pessoas do sistema antigo. Tomou-se o cuidado de, em cada grupo, deixar crianças de todas as etnias.
Depois da intervenção dos diáfanos a humanidade seguiu uma nova lógica. Todos os sistemas montados pelos humanos simplesmente desapareceram. As pessoas, agora divididas em grupos, viveram a partir de então, única e exclusivamente no lugar a que foram designadas de modo a não se encontrar com ninguém das outras regiões. Em cada um dos grupos montados os diáfanos orientavam, distribuíam e coordenavam as tarefas. As pessoas não conversavam entre si, apenas cumpriam seus trabalhos.
Já no caso das crianças, foi-lhes ensinado um novo idioma, totalmente diferente de qualquer dos idiomas conhecidos pelos humanos. Com elas os diáfanos conversavam e brincavam, como se fossem seus próprios filhos. As casas onde elas passaram a ocupar, que foram construídas em lugares antes desabitados, não pareciam em nada com as casas existentes antes. O estilo de vida que lhes foram ensinados também era ímpar. Nascia uma nova sociedade.
Enquanto isso os grupos de pessoas que foram designadas a permanecerem nas cidades anteriormente montadas pelos humanos receberam a tarefa de desmanchar toda a construção da antiga sociedade, tarefa essa que levou quatrocentos anos para ser concluída. Nesse mesmo período os rios e os mares foram despoluídos e limpos, a ponto de não ser encontrado, por mais que se procurasse, nem uma tampa de plástico sequer. Maior do que esse milagre foi o fato de que, durante esses quatrocentos anos, nenhum dos trabalhadores morreu. Era como se eles tivessem que desfazer tudo antes de partirem, pois, após terminar o desmanche, e num período de cinco meses, todos eles pereceram, ficando, àqueles que sobraram um pouco mais de vigor, a tarefa de enterrá-los. Como isso já era previsto pelos diáfanos, grandes valas já estavam escavadas à espera dos corpos. Quanto às crianças que foram separadas dos pais no dia do acerto de contas, por nunca se encontrarem com estes grupos, jamais ficaram sabendo deles nem do sistema a que foram resgatados. Elas não se tornaram eternas, morriam, com qualquer ser humano, mas tiveram uma vida digna, feliz e livre, principalmente do modo de vida criado pelos seus antepassados.
Tendo terminando a tarefa a que foram designados, chegara, enfim, o tempo dos diáfanos partirem. Foi realizada uma grande festa, que durou vários dias. No dia da partida uma espaçonave pousou no cume de um dos montes e dela saiu um diáfano semelhante àqueles que ajudaram na cura do planeta e da humanidade. No campo que defrontava a montanha, milhares de diáfanos esperavam para embarcar. Parecia impossível que todos eles coubessem naquela espaçonave. Foi então que aconteceu o maior espetáculo de todos. O diáfano que estava no cume do monte abriu seus dois braços em direção aos céus e, a seguir, os que esperavam para embarcar fizeram o mesmo gesto. Após isso eles começaram a voar, quase que ao mesmo tempo, e se incorporaram naquele único que chegou por último, de modo que todos eles se tornaram um. Depois de acenar para os humanos presentes, o diáfano entrou na espaçonave e, sem ruído, tremor ou fumaça, desapareceu rumo ao infinito.
Ao planeta terra e à humanidade foi dada mais uma chance.
Roberto Policiano
Depois da intervenção dos diáfanos a humanidade seguiu uma nova lógica. Todos os sistemas montados pelos humanos simplesmente desapareceram. As pessoas, agora divididas em grupos, viveram a partir de então, única e exclusivamente no lugar a que foram designadas de modo a não se encontrar com ninguém das outras regiões. Em cada um dos grupos montados os diáfanos orientavam, distribuíam e coordenavam as tarefas. As pessoas não conversavam entre si, apenas cumpriam seus trabalhos.
Já no caso das crianças, foi-lhes ensinado um novo idioma, totalmente diferente de qualquer dos idiomas conhecidos pelos humanos. Com elas os diáfanos conversavam e brincavam, como se fossem seus próprios filhos. As casas onde elas passaram a ocupar, que foram construídas em lugares antes desabitados, não pareciam em nada com as casas existentes antes. O estilo de vida que lhes foram ensinados também era ímpar. Nascia uma nova sociedade.
Enquanto isso os grupos de pessoas que foram designadas a permanecerem nas cidades anteriormente montadas pelos humanos receberam a tarefa de desmanchar toda a construção da antiga sociedade, tarefa essa que levou quatrocentos anos para ser concluída. Nesse mesmo período os rios e os mares foram despoluídos e limpos, a ponto de não ser encontrado, por mais que se procurasse, nem uma tampa de plástico sequer. Maior do que esse milagre foi o fato de que, durante esses quatrocentos anos, nenhum dos trabalhadores morreu. Era como se eles tivessem que desfazer tudo antes de partirem, pois, após terminar o desmanche, e num período de cinco meses, todos eles pereceram, ficando, àqueles que sobraram um pouco mais de vigor, a tarefa de enterrá-los. Como isso já era previsto pelos diáfanos, grandes valas já estavam escavadas à espera dos corpos. Quanto às crianças que foram separadas dos pais no dia do acerto de contas, por nunca se encontrarem com estes grupos, jamais ficaram sabendo deles nem do sistema a que foram resgatados. Elas não se tornaram eternas, morriam, com qualquer ser humano, mas tiveram uma vida digna, feliz e livre, principalmente do modo de vida criado pelos seus antepassados.
Tendo terminando a tarefa a que foram designados, chegara, enfim, o tempo dos diáfanos partirem. Foi realizada uma grande festa, que durou vários dias. No dia da partida uma espaçonave pousou no cume de um dos montes e dela saiu um diáfano semelhante àqueles que ajudaram na cura do planeta e da humanidade. No campo que defrontava a montanha, milhares de diáfanos esperavam para embarcar. Parecia impossível que todos eles coubessem naquela espaçonave. Foi então que aconteceu o maior espetáculo de todos. O diáfano que estava no cume do monte abriu seus dois braços em direção aos céus e, a seguir, os que esperavam para embarcar fizeram o mesmo gesto. Após isso eles começaram a voar, quase que ao mesmo tempo, e se incorporaram naquele único que chegou por último, de modo que todos eles se tornaram um. Depois de acenar para os humanos presentes, o diáfano entrou na espaçonave e, sem ruído, tremor ou fumaça, desapareceu rumo ao infinito.
Ao planeta terra e à humanidade foi dada mais uma chance.
Roberto Policiano
6 Comments:
Não sei se entendi o que vc quis dizer...caso isso já ocorreu...fracassamos, mas isso ainda poderá ocorrer...será que teríamos êxito??
Abraços
Ai! Deu até medo de ler. Será que não existe uma alternativa menos traumática?
bjs
Kika
Eu já acho que os Diáfanos estão demorando demais! Tem que acabar com esse 'esquemão' e começar tudo de novo.
Sei que cabeças vão rolar, inclusive a minha, mas concordo com o Brutus, que venham os Diáfanos!
Sinceramente, penso que esse processo não seria o ideal para mudar o mundo.
Não me agrada não poder conversar com os meus semelhantes, a falta de liberdade - afinal, parecem agir todos como robots - o facto de me separarem dos meus entes queridos, a "crueldade" de ter de trabalhar quatrocentos anos e só depois poder "descansar", etc. ...
Sei que a Humanidade precisa de aprender com os seus erros; sei, também, que alguns desses erros são, realmente, horripilantes, mas desejo um outro caminho para o Homem - um caminho que passe pelo coração.
Como sempre, uma narrativa muito criativa e bem elaborada.
Abraços.
Ana, Também sou da sua opinião. Nada melhor do que usar o coração nas resoluções dos problemas. Minha idéia neste texto é 'acordar' a fim de que não tenhamos que tomar um remédio amargo. Bruna, a idéia é de algo por vir. Kika, será que a humanidade está disposta a isso? Brutus e Marcão, Como nos sairemos na 'entrevista'? Um grande abraços a todos
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