sossego
Eis o velho Damasceno em sua cadeira de balanço. Também pudera, aquele lugar é o seu ninho. É assim desde menino. Foi lá que estudou matemática. Ali aprendeu história e geografia. Embora achasse cansativo, foi naquele lugar que leu todos os livros obrigatórios. Só saiu dali quando, já moço, arrumaram-lhe um trabalho. Mas no final do expediente voltava para o seu lugar preferido e, aninhando-se contente, passava várias horas descansando. Só se casou porque Marianinha, moça também sossegada, aconchegou-se ao seu lado e dali não arredou pé.
Hoje vivem sossegados. Os filhos já estão casados, Damasceno se aposentou e, junto com ele, Marianinha, pois, visto que os dois comem pouco, quase não se suja a cozinha. Roupa então nem se fala. É que tanta serenidade não gera gota de suor nenhuma!
Essas vidas sedentárias, hoje por demais condenadas, é uma pedra no sapato da turma do agito. Eu não te falei ainda, mas esse casal sossegado já passou dos cento e trinta! E não é a soma das idades deles não, é mais de cento e trinta para cada um!
Muitos já foram buscar, nesse casal centenário, qual era o segredo deles. E o Damasceno, sorridente, diz a cada um deles que aprendeu o segredo do seu amigo Bitura.
- Mas quem é Bitura? perguntam curiosos.
- Nosso jabuti, responde Marianinha sem esconder o seu sorriso de orgulho.
- E o que foi que ele ensinou a vocês? insistem eles.
- Que não adianta ter pressa, responde Damasceno com sua voz macia e sossegada.
- E como foi que o Bitura ensinou isso a vocês? querem saber.
- Fez isso sem muito esforço, respondeu o ancião, aliás, sem esforço nenhum, consertou imediatamente.
- Esse jabuti, completou Marianinha enquanto permitia que o marido tomasse fôlego, foi do pai do bisavô do Ceno - jeito carinhoso e econômico de chamar o marido evitando a fadiga - e, pelo que parece, será o bicho de estimação do neto do nosso bisneto!
- Desde quando eu era desse tamainho assim, ó, retomou Damasceno a fim de permitir que a Marianinha descansasse um pouco, tive, além do Bitura, vários animais de estimação. Já tive o coelho Joca, o marreco Cororó, meu bode Rapapé, a égua Nina e Raspim, um ratinho da índia, para não contar de todos que cansa. Pois então, todos eles eu vi nascer, vi crescer e vi morrer. Cada um deles era ligeiro e esperto, mas cadê? Enquanto o jabuti, que eu nem não vi nascer, pois, como já disse a Inha – jeito de chamar a mulher pelo mesmo motivo que ela o chamava de Ceno – acompanha a minha família há muito tempo, continua vivinho, vivinho. Assim, pergunto, ter pressa para quê?
Dizendo isso o Ceno virou os olhos para o lado da Inha, a Inha vira os olhos para o lado do Ceno, ele pousa levemente sua mão sobre a mão dela, os dois sorriem um sorriso sereno, apóiam as costas no encosto da cadeira, fecham os olhos e balançam a cadeira lentamente enquanto esperam, sem pressa, a vida passar sossegada e tranqüilamente.
3 Comments:
Muito interessante Roberto, bem escrito, o estílo e o tom são tão serenos quanto o tema, mas eu me pergunto se viver tanto assim é algo desejável... Rs.
Caro colega Luan. É um prazer muito grande ter um filósofo visitando meu humilde blog. Quanto à sua pergunta, acho que, se for viver na cadeira de balanço, como as personagens desta crônica, você tem razão. Porém, se for uma vida ativa e produtiva, não vejo problema numa vida centenária. Um grande abraço e 'volte' sempre.
Depois da leitura do texto, reflecti e cheguei à conclusão de que não gostaria de festejar tanto ano. Deve ser penoso ver partir entes queridos e... ficar.
Um texto interessantíssimo que me fez lembrar as temáticas de Ricardo Reis.
Abraço.
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