Roberto Policiano

27 de nov. de 2009

Registrando um momento




Márcia segue em frente apressada. João vira à direita em direção ao colégio. José caminha tranqüilo para a praça. Enéas vira à esquerda, pois pretende ir ao banco. Mariana segue chorando levada por sua tia. Josefina vem em direção oposta, driblando a multidão, a fim de entrar na estação do metrô. Pedro está atrasado, como sempre. Adalzira caminha lentamente em direção à farmácia e quase é atropelada pelo Anacleto, que caminha distraído. Maria leva a filha ao médico. Paulo segue para o dentista. Antônia tenta pegar um táxi. Maurício corre para não perder o ônibus. Letícia pára na banca para comprar um jornal. Amadeu entra na lanchonete para tomar café. Mônica desvia da Vanda para não trombar com ela. Lucinda caminha conversando ao celular com o Marcelo. Jacinto espera na faixa de pedestre. Renato procura por um endereço. Ivan encosta-se numa árvore para amarrar o cadarço do tênis. Patrícia está absorta com a música que ouve em seu MP4. Rita desce as escadas correndo. Ana entra numa livraria. Marisa deixa o restaurante conversando com o Jair. Sílvio carrega uma pasta cheia de documentos. Daniela lê as manchetes numa banca de revistas. Cleonice pára na loja de doces para comprar balas. Norberto pula uma poça d'água. Sandra anuncia as mercadorias da loja onde trabalha. Vera empurra o carrinho de bebê com a fernandinha dentro. Rui atravessa a rua correndo. Carlos sai do magazine cheio de pacotes. Leonora espera a Conceição no barzinho. Waldomiro aguarda o Evandro na porta da estação. Miguel vende canetas na esquina. Roberto Policiano passa anotando tudo.
Roberto Policiano

19 de nov. de 2009

Pose


Tem exposto em sua casa,
Na parede, atrás da mesa,
Um quadro da Monalisa.
É ali que ela posa,
Sob o quase sorriso da musa!
Roberto Policiano

13 de nov. de 2009

Carraspana


Assim que entrou no consultório do psicólogo se jogou no divã e falou:
- Meu mundo ruiu!
- O que aconteceu que o faz pensar assim?
- Eu sei que provoquei isso, mas o castigo foi além do meu erro.
- Quer falar sobre isso?
- Eu devia ter feito o serviço assim que o gerente mandou, mas sabe quando você está terminando um trabalho e não quer interrompê-lo? Foi o que aconteceu. Eu sabia que em menos de cinco minutos concluiria o que estava fazendo, assim, peguei o documento e coloquei-o em cima do computador a fim de cumprir a ordem do gerente logo em seguida, mas acabei me esquecendo dele. Estava tão abarrotado de serviço que iniciei outro imediatamente. Depois veio o segundo, o terceiro, o quarto... No final do expediente, quanto fui cobrado da tarefa pelo chefe, lembrei da ordem dada. É verdade que eu tratei de providenciar o serviço logo em seguida, ficando além do meu horário de trabalho para reparar meu erro, mas não teve jeito. No dia seguinte, ao chegar à minha mesa, vi o bilhete do gerente me intimando a comparecer ao seu gabinete. Dez minutos depois, quando saí com a cara deste tamanho, o Cleonor, um colega de trabalho, depois de dar umas batidinhas em meu ombro, disse-me, junto com um sorriso sarcástico: “Que carraspana que você levou hein?”. Aquilo acabou comigo! Depois dessa nunca mais serei o mesmo.
- Por que você acha que será assim?
- Você não escutou o que eu disse? Eu levei uma carraspana! Uma CARRASPANA! Uma CARRASPANA, ouviu? CAR-RAS-PA-NA, entendeu agora?
- Você deve ter ficado muito chateado com isso!
- Chateado? O mundo acabou para mim! Quem mais, no mundo, leva uma carraspana? Eu fui o último da espécie a ser carraspanado. Quando eu me olho no espelho parece que vejo em minha testa um carimbo desse tamanho com os seguintes dizeres: “O último carraspanado do mundo”. Não, eu não merecia isso. Não se deve sair por aí dando carraspana nas pessoas. Isso é muito ultrajante, principalmente nos tempos modernos. Tudo bem que o gerente teve razão em ficar chateado comigo, mas ele exagerou na dose. Ele poderia usar de um expediente menos traumático. Que ele fosse camarada e me desse apenas uma admoestação. Garanto que saberia responder à altura. Uma censura também estaria de bom tamanho. Poderia me recriminar e aplicar-me uma reprimenda. Se ele estivesse num dia ruim poderia ser mais rude e ralhar comigo ou me dar uma bronca, um pito ou um sermão. Poderia até suportar, embora chateado um reproche dele. Na pior das hipóteses, engoliria, humilhado, e com um bico deste tamanho, uma exprobração. Mas, ao me dar uma carraspana ele ultrapassou todos os limites! Ele simplesmente enterrou o meu futuro. Estou acabado, eliminado, é o fim.
- Fala-me por que você acha que isso é assim.
- Porque esta é a coisa mais óbvia do mundo! Acompanhe meu raciocínio - Estou numa entrevista para um emprego; preencho todos os requisitos para o cargo; tenho experiência suficiente para conduzir bem os trabalhos; respondo todas as perguntas do entrevistador a contento; mostro equilíbrio emocional adequado para o cargo; tudo parece caminhar bem até que ele fica sabendo, talvez através da minha íris, ou pelo leve levantar de minhas sobrancelhas, ou um minúsculo repuxar dos músculos de minha testa, ou sei lá o que mais, que eu fui o último a levar uma carraspana e pronto, lá se foi a minha oportunidade de emprego. Ou então que eu tenha a sorte de encontrar o grande amor da minha vida e tudo caminha bem, indicando um final feliz, até que uma amiga dela levando-a num canto e diz em seus ouvidos que ela sabe - de fonte extremamente segura - que sou o tal que levou a última carraspana e pronto, tudo acabado. Portanto, não há nenhum exagero quando digo que estou arruinado.
- Bem, se seu gerente foi tão cruel com você, quem garante que ele não repita este ato vil com outro? Deste modo você deixará de ser o último a levar uma carraspana.
- Não, doutor, ele não terá coragem para tanta maldade. Eu pressenti em seus olhos como ele relutou em aplicar em mim este golpe baixo. Eu tenho absoluta certeza que ele não terá coragem de repetir esta grande maldade com outra pessoa. Percebi também, um leve sorriso sarcástico que, traduzido, quis dizer: “serei o último a aplicar uma carraspana em alguém. Nunca mais alguém será capaz de repetir uma crueldade desta”. Sim, pode acreditar, ele se sentiu o último carrascanador do planeta. Nunca vi ninguém ter tanto ódio no coração como ele. Onde já se viu resgatar uma prática tão odienta do baú e usá-la, sem dó, em uma pessoa como eu?
A Terapia inteira girou em torno do mesmo assunto.
- Bem, disse o que eu tinha que dizer. Preciso ir agora. Na semana que vem eu volto. Até lá.
- Qualquer coisa é só ligar. Você sabe que sempre pode contar comigo.
Depois que o psicólogo levou o cliente até a porta e despediu-se dele, voltou para o consultório e, deixando-se cair no divã, pensou desolado:
- Que azar o meu! Devo ser o último psicólogo do mundo que tratará de alguém desolado por levar uma carraspana. Isso levará não menos do que duzentas sessões!


Roberto Policiano

6 de nov. de 2009

Esculpindo


Local de trabalho? Marmoraria.

Numa casa à beira-mar? Moraria.

Objeto de maior amor? Maria.

Falaria desse amor? Murmuraria!


Roberto Policiano