Roberto Policiano

8 de fev. de 2010

Através das paredes dos castelos



Enquanto aguardava sua vez no dentista, folheava uma das revistas à disposição na sala de espera. Numa delas havia uma reportagem sobre os mais impressionantes castelos, com fotos do exterior e interior e sua história. Em vez de se maravilhar com a riqueza das construções, pensou nos milhares de trabalhadores que foram usados para construir aqueles edifícios. Como é bem sabido, no tempo em que tais maravilhas foram construídas, não havia nem mesmo a idéia de direitos humanos, assim, os trabalhadores eram encarados como meros animais de cargas. Os soberanos, tanto no campo político quanto religioso, agiam ao seu bel-prazer. Qualquer dificuldade seria facilmente resolvida através da violência, da crueldade e da força. Quantas pessoas, depois de um dia árduo de trabalho, e mal alimentadas, perderam suas vidas por tropeçarem com o peso sobre seus ombros, ou foram duramente chicoteadas a fim de trabalharem direito! Quantos crimes odientos estão por detrás de cada uma dessas construções? Embora, evidentemente, não há registros de tais atos perversos, sem dúvidas eles existiram aos milhares. Ademais, refletiu ainda, pelo que eu saiba, não existe ainda nenhum castelo auto-limpante. Nisso visualizou o exército de trabalhadores, com raríssimas exceções, se é que há alguma, explorado pelos donos desses castelos, talvez vivendo em condições sub-humanas e abandonados em algum recôndito dessas construções milenares, longe dos olhares dos turistas que se encantam com tanta beleza e riqueza. Através das paredes desses castelos, filosofou, pode haver tristes histórias que, se contadas, muitos não acreditariam. Lembrou-se então de um poema que lera: “enquanto houver abandono / a construção de um castelo / seja quem for o seu dono / não faz sentido, acautelo”.
Ao ouvir seu nome anunciado pela atendente, fechou a revista, colocou-a na mesinha de centro, e entrou no consultório.


Roberto Policiano

5 Comments:

At 11:58 AM, Anonymous Luan said...

Eis aí uma boa questão: O belo justifica os seus meios?

 
At 1:43 PM, Anonymous Ana said...

Um texto reflexivo e, como sempre, muito bem escrito. Não comento, deixo apenas um excerto de um poema fabuloso de Vinicius:

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

Um abraço.

 
At 10:15 AM, Anonymous Roberto Policiano said...

Tem razão, Luan, a questão é boa e minha resposta é NÃO!
Obrigado, Ana. Como sempre enriqueces meu blogs com excelente textos, como esse de Vinícios.
Um grande abraço ao Luan e à Ana.

 
At 6:20 PM, Anonymous Luan said...

Existe um documentário alemão chamado: "Arquitetura da Destruição", dirigido pelo Peter Cohen, no qual é exposta essa questão. Como se sabe, Adolf Hitler levou aos extremos alguns ideais estéticos e culturais. O diretor narra com brilhantismo os limites da concepção estética dos alemães, e acerca de como o nazismo esteve intimamente conectado a uma noção artística sobre o que é "belo", e sobre como essa noção foi transposta ao mundo político. Interessante a quem percebe a sutil ligação entre arte e política. Eis aí uma indicação aos leitores do Blog; abraços, Roberto!

 
At 11:53 AM, Anonymous Roberto Policiano said...

Luan, obrigado por esta informação que, sem dúvida, enriqueceu o blog. Um grande abraço.

 

Postar um comentário

<< Home