Roberto Policiano

28 de jun. de 2010

Encontro



De repente se depara

por alguém que tanto espera

cujo amor se lhe inspira

e ao peito incorpora

que, qual bálsamo, pensa e depura.


Roberto Policiano


21 de jun. de 2010

Campeão



- Rapaz, consegui uma excelente classificação na corrida este ano. Subi quinze posições em comparação com o ano passado.
- Parabéns! Qual foi a sua classificação?
- Fiquei na casa dos seiscentos!
- Isso quer dizer que mais de seiscentos corredores chegaram na sua frente. Você acha isso uma excelente posição?
- Como não? Eu cheguei na frente de mais de vinte mil e trezentos corredores! O maior número de atletas estava atrás de mim.
- Olhando por este ponto de vista você tem razão.
- E isso não é tudo. Posso dizer que cheguei na frente de cerca de cento e noventa milhões de brasileiros!
- Espera lá, meu amigo. Se houve vinte e um mil participantes como você pode ter chegado na frente de quase cento e noventa milhões?
- Isso é muito simples de explicar. A corrida não estava aberta a todos?
- Sim.
- Pois então! Todos poderiam se inscrever. Se não fizeram isso é porque não quiseram, assim, posso dizer que cheguei na frente deles.
- Você não deixa de ter razão, embora eu não concorde com esse argumento.
- E eu posso lhe garantir que fui mais longe ainda.
- O que você tem em mente agora?
- A corrida não é uma corrida internacional?
- Sim, é.
- Isso significa que qualquer pessoa, de qualquer país, poderia se inscrever. Concorda comigo?
- Completamente.
- Se é assim posso afirmar que cheguei na frente de mais de sete bilhões de pessoas!
- Agora você foi longe demais.
- De jeito nenhum. Todos tiveram oportunidade para se inscreverem, se não o fizeram é porque não quiseram.
- E eles têm esse direito.
- É evidente que têm. Mas se eles optaram por não correrem ninguém pode negar que, tacitamente, cheguei na frente deles. Diante disso, meu amigo, estar entre os primeiros seiscentos e poucos na corrida, numa multidão de mais de sete bilhões de pessoas, não é para qualquer um. Asseguro-lhe que faço parte dos corredores de elite!
- Isso já é exagero.
- Exagero coisa nenhuma! Setecentos, para arredondar, num universo de mais de sete bilhões, representa a ínfima parte de 0,00001%, um seja, pertenço a um minúsculo grupo de campeões.
- Já virou campeão mesmo chegando atrás de mais de seiscentos corredores?
- Você insiste em olhar as coisas de um ponto de vista distorcido, não é? Se eu estou na minúscula elite de vencedores é porque estou à frente de 99,99999% dos concorrentes.
- Pretensos concorrentes, digamos assim.
- Não se inscreveram porque não quiseram, pois as inscrições estavam abertas a todas as pessoas do planeta!E, de peito estufado e cabeça erguida, seguiu confiantemente como um verdadeiro campeão.


Roberto Policiano

14 de jun. de 2010

Resgate



Maria Emengarda,
com a vida brigada,
subiu na jangada
e, remando zangada,
chegou na enseada
em busca da vida
há muito ansiada.

Montou um casebre
num lindo recanto.
Sorrindo de alegre
chamou-o “meu rancho”.
Tão cheia de encanto
viveu no casebre
sem raiva nem ranço.

Mas a natureza,
talvez afetada
com a vida serena
de Maria Emengarda,
agiu com dureza
e aquele casebre
levou de enxurrada.

A água barrenta,
descendo a montanha,
rasgando o solo
num furor doentio,
arrancou as entranhas
daquele recanto
lançando-as no rio.

Maria Emengarda,
ferida, acuada,
sofreu as agruras
da fome e do frio.
Num emaranhado
de galhos e troncos
escapou por um fio.

Três dias depois
Maria Emengarda
foi por fim encontrada
com as forças minguadas,
sendo então resgatada.
Sentindo-se abrigada
Deixou a enseada.

Já recuperada
estudou com afinco
um ano inteiro.
Tendo sido aprovada
Ela hoje trabalha
na mesma brigada
dos amigos bombeiros.


Roberto Policiano

7 de jun. de 2010

Aposta



Como toda sexta-feira após o expediente ele se encaminhou para o supermercado a fim de fazer as compras para a próxima semana. Além das mercadorias costumeiras, levava consigo uma lista de materiais de limpeza que a faxineira diarista deixara na semana anterior. Ficou contente quando percebeu que as filas dos caixas não estavam muito longas. Escolheu uma que lhe pareceu a mais vantajosa e esperou a sua vez de ser atendido. Olhou a esmo em algumas direções do ambiente que, por lhe ser tão familiar, não chamava muito a sua atenção. Enquanto isso repassava na mente o que havia planejado para o final de semana: No sábado de manhã levaria a roupa para a lavanderia e, aproveitando a viagem, deixaria o carro no lava rápido. Depois disso deveria fazer a visita ao seu tio Laércio, conforme prometera por telefone, a fim de ajudá-lo no conserto do vazamento que apareceu no cano da pia da cozinha. Logo após almoçaria no “Almôndegas” e então levaria os livros que emprestara na biblioteca há duas semanas. Na volta passaria no... ficou um longo tempo perdido em seus devaneios até sentir um toque em seu ombro direito. Era uma senhora simpática que estava atrás dele na fila avisando-o que o caixa estava vazio e a funcionária esperava por ele. Agradeceu timidamente e se dirigiu com certa pressa a fim de compensar a distração. Só então reparou na moça do caixa. Percebeu que ela era funcionária nova ou mudou de horário de trabalho, pois teve a impressão de nunca tê-la visto antes. Sua fisionomia chamou-lhe a atenção a ponto de, indisfarçadamente, não conseguir parar de admirá-la, chegando ao ponto de, às vezes, ficar tateando a fim de apanhar alguns dos produtos do carrinho para colocar na esteira, fato este que não foi despercebido pela senhora simpática atrás dele que, atraída pela cena, esboçou um leve sorriso. Após registrar todos os produtos do rapaz, a funcionária, cumprindo seu papel, fez a pergunta costumeira:
- Deseja mais alguma coisa, senhor?
- Não... quero dizer, sim.
- Pois não, o que mais o senhor deseja?
- Você.
- Desculpe-me, mas não entendi direito, poderia repetir, por favor?
- Foi o que você entendeu mesmo, eu disse: você.
- O que o senhor quer dizer com isso?
- Dê uma olhada em tudo que estou comprado, por favor. É só para mim. Acho que não conseguirei consumir tudo isso em uma semana. Assim, o que eu quero mesmo, é compartilhar tudo isso com você, o que me diz?
A senhora, que era a única que aguardava na fila atrás do rapaz, não se incomodou com a demora que o diálogo provocou, antes, surpreendida com a atitude inesperada do cliente, prestou muita atenção em cada palavra da conversa, mais do que isso, estava atenta às comunicações paralelas entre os dois, feito apenas com as expressões corporais. Mas voltemos ao diálogo a fim não deixarmos a boa senhora aflita, pois ela não sossegará até saber o desfecho desta pequena história.
- Isso é uma brincadeira?
- Nunca falei tão sério em minha vida! Quero levá-la comigo junto com as compras.
- Mas você nem me conhece.
- Não sei se eu lhe falei ainda, mas eu adoro surpresas.
- Parece-me um convite um tanto arriscado, para não dizer ousado. O me que diz?
- Para falar a verdade, estou precisando movimentar um pouco minha vida e, estando com você, não me importo nem um pouco em correr altos riscos por ser ousado. E então, qual a sua resposta?
- Não se tira uma resposta tal como esta da manga. Preciso pensar.
A gentil senhora, cada vez mais admirada com a conversa, sorriu animada com esta resposta.
- Quando termina o seu expediente?
- Trabalho até o fechamento da loja?
- E quando é isso?
- À meia-noite.
- À meia-noite estarei esperando no estacionamento. Se interessar pela proposta é só se dirigir para lá. Meu carro estará na vaga B-7.
- É assunto sério ou é só uma aventura?
- Nunca falei tão sério.
Passava dez minutos da meia-noite quando a funcionária se encaminhou para o carro estacionado na vaga B-7. O rapaz, sentado no capô do veículo, já a esperava. Logo uma conversa, que parecia interessante, aconteceu entre os dois. Na vaga A-8, que ficava próxima, a boa senhora assistia a tudo com um sorriso enfeitando seu rosto e só lamentava não poder ouvir o que eles diziam.
Absurdo! Improvável! Loucura! Inconcebível! Delírio! Alguém poderá dizer. Eu sei, e concordo plenamente com todas as expressões de descrença anterior. Uma história assim poderia acontecer na proporção de uma em um bilhão! Ou até menos do que isso. Mas, sabe o que é? Hoje eu acordei ousado! Deixei a minha costumeira atitude conservadora de lado e resolvi arriscar tudo. De repente me deu uma vontade incontrolável de, mesmo sem conhecer as cartas, lançar todas as fichas na mesa e fazer uma grande aposta de que esta história vai dar certo.E então, aceita a aposta?


Roberto Policiano