Roberto Policiano

26 de nov. de 2010

Trajeto



Rua
Atenção
Carro
Espera
Atravessa
Calçada
Direita
Caminhada
Porta
Entrada
Restaurante
Mesa
Bebida
Refeição
Sobremesa
Pagamento
Saída
Táxi
Viagem
Desembarque
Portaria
Saguão
Corredor
Elevador
Apartamento
Armário
Roupas
Toalha
Banho
Dormitório
Olhares
Sorrisos
Abraços
Murmúrios
Ternura
Emoção
Ápice
Aconchego
Descanso
Paz.

Roberto Policiano

19 de nov. de 2010

Ponto de vista



Anacleto está eufórico. Não cabe em si de tanto contentamento. Precisa extravasar emoção e, ao encontrar um ouvido atento, comenta com entusiasmo o excelente final de semana que tivera a felicidade de ter ao participar de uma pequena viagem planejada por uma agência de turismo. Confessou que não era sua intenção viajar, mas, para apoiar a prima, novata na agência de viagem, comprou o pacote. Nada poderia ter sido melhor! O contato com a natureza, experimentar novos pratos e novos temperos, apreciar uma estância que até então não conhecia, o convívio com novas pessoas, o aconchego do local que, embora modesto, foi muito agradável. Passeios, novidades, novos amizades, enfim, foram tantos os retornos que valeu cada centavo aplicado no empreendimento.
A mesma sorte não teve Braulino, que morava no lado oposto da cidade. Chegou ao local do trabalho emburrado, com um cara deste tamanho e um mal humor maior ainda. Reclamou do péssimo fim de semana que tivera e amaldiçoou o momento que decidira participar da excursão que o levou a uma espelunca de hotelzinho miserável. O calor insuportável, a má qualidade dos serviços, o despreparo dos serviçais, a comida horrível e sem graça, a falta de imaginação dos organizadores, foram alguns dos temas abordados por ela àqueles que suportaram em ouvir tantos descalabros. Esbravejou, praguejou, xingou, blasfemou, ou seja, despejou todo seu ódio pelo insuportável e mesquinho fim de semana que tivera. Fez questão de fornecer o nome da agência de viagem e o local onde estivera para que nenhum de seus amigos tivesse o desprazer de cair na mesma cilada que ele caíra.
O mais difícil de acreditar nestes relatos é que o Anacleto e o Braulino participaram do mesmo evento turístico!


Roberto Policiano

8 de nov. de 2010

Desamparo




De repente deu-se conta
De si mesmo, sua vida.
Viu que tudo que fazia
Já não era o que queria.
A rede de relação que lhe sustentava
Desfez-se, desintegrou-se,
E, despencando numa queda,
Caiu na impropriedade,
No vazio que lhe foi imposto
Por sua sociedade.
Flutuou num eterno vácuo
De uma vida sem sentido
Dominada pelo nada.
Foi-se mundo, foi-se rede relacional,
Ente, ser, existenciais.
Sem elo nem vínculo no mundo,
Fez-se cego, surdo, mudo.
Qual fluido evaporou-se
E nunca mais quis voltar.

Roberto Policiano

3 de nov. de 2010

Passageiros



A composição estaciona na plataforma da estação. Massa difusa de pessoas se entrecruza no movimento de entrada e saída nos vagões dos trens do metrô. O som da campainha informa a partida da máquina. E lá vai o trem deslizando sobre os trilhos rumo ao seu próximo destino, levando em suas entranhas centenas de passageiros. É assim que aquela multidão - composta de idosos, crianças, jovens, mulheres e homens - é nomeada - passageiros. Tânia, gerente de uma loja num dos shoppings da cidade; Hugo, recém formado e pequeno empreendedor que joga todas as suas fichas num novo negócio; Matheus, estudante do segundo ano do ensino básico, acompanhado de Márcia, sua mãe, funcionária administrativa de uma transportadora de médio porte; João, desempregado, a caminho de uma entrevista para possível recolocação no mercado de trabalho; Yoshiro, dono de uma tinturaria; Maria, empregada de uma padaria; Margareth, bebê de oito meses que, pela primeira vez, vai sentir a dor de separação de sua mãe, Glória, que a deixará na creche a fim de assumir seu posto como secretária de uma escola estadual. Ninguém percebe, mas os seus olhos estão mareados e o sentimento de culpa povoa seu peito por ter que transferir para outras mãos o cuidado de sua filhinha. Estes, e os demais ocupantes dos espaços disputados do trem perdem suas identidades, deixam de ser o que são para se transformarem em meros passageiros que são engolidos e despejados nas estações do metrô de uma cidade qualquer.


Roberto Policiano