Roberto Policiano

30 de mai. de 2011

Cascalho





As dificuldades da vida são como cascalhos sobre um terreno. Podemos:
- Simplesmente deixá-los como estão e permitir que o ambiente continue com aspecto de imprestável;
- Remover todos eles para uma única área, tornando o terreno parcialmente útil;
- Usá-los para construir muretas em volta de canteiros;
- Organizá-los em mosaicos;
- Construir uma escultura com eles.
Os cascalhos acontecem. Cabe a nós dar-lhes o destino final ou tão somente deixar que permaneçam intocáveis, desvalorizando os espaços de nossas vidas.



Roberto Policiano

23 de mai. de 2011

Caminhada






A vida, exigindo pressa,


faz-me ir em disparada pela auto pista.


Desço correndo pela via expressa;


contorno à direita e entro numa avenida;


avanço apressado por uma alameda;


caminho ligeiro pela rua;


para chegar mais rápido ganho uma transversal;


evito o trânsito optando por uma paralela;


diminuo a marcha numa vicinal;


ando menos rápido por uma travessa;


vou mais tranquilo pela rua de terra batida;


a caminhada é lenta pela estrada de barro;


desacelero ao entrar em um caminho


e ando sossegadamente numa trilha


até chegar a um bosque onde posso,


alheio ao frenesi da cidade,


entregar-me com gozo ao prazer do momento.




Roberto Policiano

16 de mai. de 2011

Dinâmica Psíquica






Ainda é madrugada quando o EGO se desperta para mais um dia de batalha. Anda muito cansado, pois a vida não lhe tem sido fácil. Mal conseguiu dormir direito pensando em como lidar com tantas pressões que sua posição lhe impõe. O cansaço o faz espreguiçar. Aproveita que ninguém o observa e estica os braços à vontade. Não satisfeito, inclina o corpo para trás a fim de aumentar a sensação de tensão e relaxamento conseguido com isso. Senta-se, apóia as mãos na cama e estica as pernas. Passa as mãos no rosto, na nuca e no pescoço. Estica novamente os braços num movimento de dentro para fora, levando-os do peito, onde se encontravam, para cima e para os lados ao mesmo tempo em que os gira em sentido anti-horário. Uma vontade incontrolável de bocejar apodera-se dele e, como está sozinho, atende a essa vontade sem nenhuma restrição, abrindo a boca o máximo que consegue enquanto libera o som característico do gesto.
- Que maus modos são estes?
- Não liga para esse ranzinza! Libere os teus instintos animais e sinta-se bem. Fale a verdade, não te sentes melhor depois desta espreguiçada? Então porque reprimi-la?
Só então se dá conta que o SUPEREGO e o ID também já estão despertos. Respira fundo e solta um suspiro longo e lamentoso, prevendo que este dia, como todos os anteriores, não lhe será fácil. Às vezes tem vontade de romper com os dois e mandar tudo às favas, mas percebe que, se perder o equilíbrio perderá também a razão, embora, em muitas ocasiões, é exatamente isso que lhe dá vontade de fazer, porém contêm-se por antever o caos que isso criaria.
Sem coragem de dar continuidade ao diálogo que, sabe por experiência própria, só terminará no final do expediente, com fortes argumentos de ambas as partes, fingi não entender e, jogando a toalha no ombro direito, anda arrastando as sandálias enquanto se dirige para o banho, deixando os dois atrás de si discutindo exasperadamente como sempre fazem.






Roberto Policiano

10 de mai. de 2011

Conduzidos



A cidade é tomada
por uma enxurrada de gente
engolfada num frenesi insano
cuja rotina, de prazos
sempre mais urgentes,
consome horas,
dias, meses e anos.
Pessoas, absorvidas
por projetos que não são seus,
amarradas, por contratos,
em planos alheios,
são conduzidas com astúcia,
e manobradas como animais
de carga atrelados a arreios.
Convencida por promessas
mirabolantes, segue a multidão,
apática e surda,
como peças que deslizam
Em esteiras rolantes.
Prometem-se a todos
a solidez do tungstênio,
porém são arrastados
a uma rota absurda
que é tão sólida
como o gás de hidrogênio.

Roberto policiano

2 de mai. de 2011

Vida (uma leitura fenomenológica)






O menino passeava em sua bicicleta na ciclovia do parque quando deparou com um ciclista que vinha em sentido oposto. Chamou-lhe a sua atenção os seguintes dizeres que havia na camiseta dele:
A vida é...
Assim que o ciclista passou por ele, o garoto virou a cabeça imediatamente e percebeu que na parte de trás da camiseta estava a continuação da frase. O rapazinho desceu imediatamente da bicicleta, virou-a na direção oposta, montou-a novamente e pedalou o mais rápido que conseguiu. Depois de rodar por alguns minutos, desistiu de cansaço. Foi então que teve a idéia de virar-se outra vez, pois assim encontraria o outro mais rápido. Sua idéia funcionou, cerca de três minutos depois os dois se cruzaram novamente. O menino só esqueceu que o encontro seria na mesma posição anterior, de modo que só pode ler o que já havia lido. Antes de desanimar, no entanto, deu outra meia volta e continuou a pedalar normalmente.
- Quando ele passar de novo conseguirei ler os dizeres nas costas da camiseta, pensou.
O plano foi perfeito, mas o que ele não sabia é que aquela era a última volta do ciclista. Quando deu uma volta completa na ciclovia sem encontrá-lo percebeu o que acontecera.
Aquela frase havia atiçado a curiosidade do garoto, de modo que, assim que chegou em casa, guardou sua bicicleta no lugar apropriado e informou a sua mãe que queria visitar o avô.
Depois de cumprimentar os avós com abraços e beijos, como sempre fazia, disse ao nono:
- Vovô Róbson, eu preciso da ajuda do senhor.
- Vamos até a sala onde poderemos conversar melhor.
Depois de se acomodar em sua poltrona preferida o ancião dirigiu-se ao neto:
- E então Paulo Henrique, em que posso ajudá-lo?
- Vovô o que é a vida?
O senhor se maravilhou com a pergunta. Como pode uma criança de apenas nove anos de idade se preocupar com isso?
- Uma pergunta muito interessante, Paulo Henrique. Desde quando você pensa nisso?
- Desde quando eu vi uma camiseta onde estava escrito: “A vida é...” na parte da frente, mas não consegui ler a resposta que estava na parte de trás. Fiquei curioso e pensei que o senhor poderia ter uma resposta.
- Compreendo. Vai até a escrivaninha, por favor, e me traga duas folhas de papel.
- Pois não.
De posse das folhas o ancião ficou com uma e deixou a outra com o neto.
- Peque a margem menor do papel e junte-a com a margem da outra ponta da folha.
- Pronto vovô. E agora, o que faço?
- Faça a mesma coisa, agora com a margem maior.
- Assim?
- Isso mesmo. Agora pega um dos cantos do papel e junte-o no canto na ponta oposta e também no canto oposto.
- Devo cruzar na diagonal?
- Muito bem, é isso que eu quero.
- Olha como ficou.
- Perfeito! Agora faça o mesmo com os outros dois cantos.
- Ficou parecido, vovô.
- Parecido, mas não idêntico.
- O que faço agora?
- Faça um canudo pelo lado mais comprido.
- Veja vovô; consigo ver o senhor pelo canudo!
- Parece com uma luneta. Agora faça um canudo mais curto.
- É só enrolar a folha pelo lado menor. Pronto. Continuou uma luneta, só que menor.
- Ótimo! Agora imagina alguma coisa diferente que pode ser feito com a folha.
- Já sei! Vou fazer um canudo enrolando a folha na diagonal. Olha vovô, ficou um canudo maior do que o primeiro.
- Percebeu quantas coisas diferentes foi possível fazer com a mesma folha de papel?
- Percebi sim, e foi muito divertido.
- Pois então, Paulo Henrique, isso ajuda a responder a sua pergunta.
- Como assim, vovô, não entendi nada!
- A vida, como a folha de papel, é bastante flexível. Podemos fazer dela o que bem entendemos.
- Continuo não entendendo, vovô.
- A vida será aquilo que fizermos dela, essa é a lição que podemos aprender da folha de papel. Por exemplo, quem encarar a vida como sendo uma droga, é exatamente isso que ela se tornará. Por outro lado, quem achar a vida uma aventura, a vida será, para essa pessoa, uma aventura. Se alguém encarar a vida como algo triste, ela será simplesmente isso – algo triste. Para os que encaram a vida como enfadonha, ela jamais será excitante, mas será enfadonha. Assim, Paulo Henrique, a vida será exatamente como a encaramos e não há nenhuma possibilidade de ela ser diferente a não ser que mudamos o nosso modo de encará-la. Onde está sua folha de papel.
- Está aqui, vovô.
- Amasse-a o tanto que você conseguir e depois a aperte bem.
- Ficou como uma bolinha.
- Abra a folha novamente e tente alisá-la.
- Não consigo, vovô. A folha ficou um lixo.
- Exatamente, Paulo Henrique, esta é a palavra certa – lixo. Assim, se encararmos a vida como lixo, ela não será algo diferente disso. Conseguiu entender o que pretendi te ensinar?
- Mais ou menos, vovô.
- Então vamos lá. Responda-me o que é a vida.
- Pelo que eu entendi, não existe uma resposta única. É isso?
- É isso mesmo. E quem vai definir se a vida será boa ou ruim?
- Pelo que o senhor falou é a própria pessoa.
- Muito bem! Podemos dizer então, sem sombra de dúvida, que cada um é responsável pelo resultado de sua própria vida.
- Será que era isso que estava escrito na camiseta daquele homem?
- Talvez ele volte lá amanhã.
- Boa idéia! Amanhã voltarei lá. Obrigado, vovô.
- Por nada, Paulo Henrique, por nada.
- O que faço com esta folha amassada, vovô?
- Faça com ela o que você quiser.
- Até mais, vovô.
- Só mais uma coisinha, por favor.
- Sim, vovô.
- Quero que leve essa folha de papel nova.
- O que o senhor quer que eu faça com ela?

- Quero que a guarde como recordação dessa nossa conversa. Nunca se esqueça que o resultado da sua vida está em suas mãos.





Roberto Policiano