Roberto Policiano

30 de jul. de 2012

Alternativas


Dirigia seu carro enquanto pensava nos últimos acontecimentos de sua vida. De repente percebeu que passou da entrada da rua por onde deveria seguir. Não se aborreceu, no entanto, pois sabia que a próxima via também levaria ao seu destino. Surpreendeu-se assim que rodou alguns metros pela rota alternativa. Como aquele lugar havia mudado! Foi só então que percebeu que fazia anos que não passava por ali. Comparou a sim mesmo com as formigas que vão e vêm sempre pela mesma trilha. Algumas casas permaneciam como antes, mas muitas delas tiveram alterações significativas. A própria rua ganhara um “ar” diferente. Havia árvores que forneciam uma sombra agradável. E saber que tudo aquilo esteve ali há muito tempo! Que dizer das outras estradas? Teriam sofrido as mesmas transformações ou continuavam como antes? Só havia um jeito de descobrir - daquele dia em diante procurou fazer um caminho diferente, não só naquele trajeto, mas em todos os demais. Obteve surpresas atrás de surpresas, algumas desagradáveis, mas a maioria boas. Seus trajetos ganharam novas imagens, novos odores, novos sons, o que os tornaram muito mais significativos. Além de viajar por lugares diferentes, passou a cruzar com outros carros e a ver novas pessoas andando por calçadas diversas. Tornou-se, digamos assim, um turista em sua própria cidade. Além do mais, ganhou um jogo diferente. Ao sair de casa, do trabalho, da academia, do shopping, ou de qualquer outro lugar, deveria definir um caminho diferente do anterior. Continuou morando na mesma casa, trabalhando no mesmo local e tendo o mesmo nome, mas sua vida, com este simples gesto, deixou de ser a mesma. Desde então deixou de buscar apenas o trajeto mais curto e mais rápido, mas também o mais bonito, mais arborizado, mais agradável.

Roberto Policiano

23 de jul. de 2012

Neurofisioamor

De repente me percebi diferente.
Senti meu coração bater acelerado.
Meus pulmões pediam mais ar.
Notei que minhas pupilas se dilataram.
Desconfiei que a adrenalina estivesse no pico.
Decidi investigar e, como o Hipotálamo regula tudo, fui até lá.
Fiquei surpreso quando cheguei até eles.
Eles sim, porque eram dois!
Como eu poderia ter dois Hipotálamos?
Subi até o Tálamo para, de lá, visualizar melhor o panorama.
Encontrei três Tálamos em meu cérebro.
Com dois chefes no comando era preciso se tresdobrar!
Subi pelo Trato Cerebelo - Tálamo – Córtex e fui investigar as áreas corticais.
Cheguei até o giro pré-central, de onde todos os movimentos são controlados.
Que susto eu levei ao encontrar a área trinta e oito ali!
Não deveria encontrar a área quatro?
Fui até o lobo frontal, pois é dali que se comanda os movimentos automáticos.
Cadê a área seis? Onde está a área oito? Sumiram.
Encontrei novamente a área trinta e oito!
Fui até o giro pós-frontal a fim de verificar se alguma coisa sensível me desse uma pista do que estava acontecendo.
A movimentação estava intensa, havia muita sensibilidade em jogo!
Mas ali eu não consegui nada, pois havia área trinta e oito em todos os lugares.
Dirigi-me ao giro parietal superior, onde as sensibilidades são mais definidas.
Antes, porém, fui até a área vestibular a fim de ver o meu rosto.
Meu coração acelerou ainda mais, pois não vi o meu rosto e sim o teu!
No giro parietal, como nos giros anteriores, só encontrei área trinta e oito.
Comecei a ficar preocupado.
Desci até o lobo occipital e descobri que tudo que chegava até lá eram as tuas imagens!
Tive medo, mas precisa continuar com a investigação.
Contornei as gnosias visuais, que mais pareciam uma avenida cercada por cartazes, onde cada um deles exibia a tua imagem em vários ângulos diferentes.
Cheguei até o giro temporal superior e tentei achar as áreas quarenta e um e quarenta e dois a fim de tentar ouvir alguma coisa.
Sabe que área eu achei por lá? A área trinta e oito!
A única coisa que ouvi ali foi a tua voz, nenhum outro som era captado.
Compreendi que meu cérebro estava totalmente dominado pela emoção!
Achei melhor consultar o Sistema Límbico para resolver esta questão.
Contornei o circuito de Papez e passei pelos corpos mamilares, pelo Giro do Cíngulo, pelo Hipocampo, pelo Corpo Caloso e pelo Fórnix.
Havia um trabalho tão intenso ali que não consegui ficar por muito tempo.
Foi até o SARA a fim de entender toda esta trama, toda esta rede de acontecimentos, mas não pude ser atendido porque havia muito trabalho a ser feito.
Só me restava recorrer à razão, assim, foi até o lobo pré-frontal.
Passei pelas áreas de Broca onde a única palavra que se articulada era o teu nome.
Ao chegar ao meu destino não fui atendido pela turma psíquica superior.
Todas as atenções estão voltadas para ti.
Concluí, perplexo, que me fizeste perder a razão!

Roberto Policiano

16 de jul. de 2012

Reação



                                                               I

Um vendaval, de subido, varreu o planeta. Nenhum aparelho o detectara antes, para a perplexidade dos meteorologistas. Não se podia precisar, tampouco, de onde se originara, pois ele surgiu de todas as direções. A devastação ocorrida jamais fora presenciada antes. Foram quinze dias de ventania e mortes. A seguir vários tsunamis surgiram simultaneamente em todos os mares provocando ondas gigantescas e, antes que a humanidade se recuperasse do vendaval, horrendas destruições ocorreram num lugar após outro. Os sobreviventes ainda cambaleavam com tudo isso quando, em todos os continentes, uma sequência medonha de terremotos literalmente sacudiu o planeta, levando o fim a tantos outros. Não havia como enterrar tantos mortos, nem lugares para colocar todos os destroços deixados pela destruição. Uma ajuda inesperada aconteceu para dar cabo de todo esse serviço, quando uma tempestade, de proporções diluvianas, lavou a terra levando todos os cadáveres, todos os restos, e uma boa parte dos que sobreviveram das calamidades anteriores. Depois de todos estes desastres, uma calmaria, que instilou esperança no quinto da humanidade que sobrara, permeou em todo o planeta. Como que para comemorar o fim da devastação violenta, a terra foi literalmente coberta por um tapete de uma pequenina flor lilás. Que lindo que era aquilo! No dia seguinte, porém, a flor exalou um perfume adocicado que, inicialmente, inebriou cada um dos humanos. No entanto, o que no início parecia agradável, mostrou-se um poderoso veneno que liquidou o que sobrara da raça humana. O planeta terra se livrou assim do seu maior inimigo, pois, como que a um imenso organismo vivo, chegou à seguinte conclusão – é matar ou morrer! E agiu em legítima defesa.


II

Depois que o planeta se livrou da espécie que o destruía tratou de curar as espécies remanescentes. Lembram-se daquelas florezinhas lilases? Uma espécie aquática cobriu todos os corpos de água, tanto salgada quanto doce. Seu perfume atraiu toda espécie de animais, inclusive voadores, que se banquetearam sofregamente delas. Até mesmo crustáceos nunca antes visto na superfície vieram para participar da refeição. Aquelas flores continham uma bactéria que conseguia digerir o plástico, de modo que todos os animais que estavam com os estômagos cheios de plástico engolidos por terem sido confundidos com alimentos, puderam se livrar do que engoliram e foram salvos. E, por mais que engolissem aquelas flores, elas eram tão numerosas que continuaram a cobrir terras e águas, a ponto de, por um período de tempo, o planeta, se visto do espaço, lembrava uma imensa bola lilás. Consequentemente, todos os plásticos, no solo ou nas águas, foram digeridos pelas bactérias que se encontravam nas flores. Uma vez cumprido o seu papel, as florezinhas lilases desapareceram tão depressa quanto o seu surgimento. Imediatamente uma planta aquática, de proporções gigantescas, surgiu dos mares, rios e riachos, e lançou seus ramos, como a imensos tentáculos, que, do mesmo modo como a planta anterior, recobriu a terra com um verde brilhante e escuro. Tais tentáculos eram providos de uma espécie de ventosas que, uma vez coladas em alguma superfície, liberava um estranho líquido espesso de uma cor entre o vermelho e o ferrugem. A planta, como que sabendo o objetivo de seu crescimento, só grudava suas ventosas em objetos que não eram naturais. Assim, todas as construções, maquinários, veículos, e qualquer outro objeto criado pelos humanos, foram encontrados pela planta que, ao ‘tateá-los’ e ‘reconhecê-los’, literalmente cobriam-nos de ventosas que, imediatamente, começavam a expelir o tal líquido. Em poucos anos todo trabalho humano foi dissolvido pela planta que, uma vez terminada sua missão, murchou e se desintegrou, deixando seu pó para enriquecer o solo. O planeta, depois dessas operações de limpeza, voltou ao seu estado natural, as espécies sobreviventes, como que se sentindo aliviada e segura, guinchou, assobiou, piou, latiu, grunhiu, miou, coaxou, silvou, relinchou, zumbiu, baliu, cacarejou... Todos uniram suas vozes como que num canto de vitória. O dia seguinte nasceu com um imenso arco-íris que coloria o céu de um novo planeta e contribuía para a sensação de paz que pairava em cada recôndito da terra.
III
Todos os animais estavam sossegados quando, de repente, ouviram um som diferente. O antílope ergueu a cabeça, fungou em direção ao vento e espetou suas orelhas. Um coelho pulou assustado e correu para a toca. Um bando de maritaca alçou voo e foi posar num coqueiro mais alto. O som ficava mais alto a cada segundo. Um grupo de jacarés deixou a pedra onde estava e entrou no rio. Um gato miou, pulou num galho de árvore, caminhou até a copa e ficou olhando lá de cima. Um casal de caranguejos se escondeu no lodo. De repente um grupo de pessoas saiu da floresta em direção à praia. Como pode ser? Os humanos não haviam sido dizimados? Era o que parecia, pois, por um longo período de tempo, nenhum deles foi visto pelos animais. Então como se explica isso agora? E o veneno das flores lilases? Acontece que esse grupo de humanos era um daqueles grupos que viviam isolados do restante dos humanos. Talvez, fizesse parte de suas dietas algumas raízes amargas que contenha alguma substância que fosse capaz de neutralizar o veneno da flor lilás. O fato é que grupos de humanos, de diversas etnias diferentes, passaram a serem vistos em várias partes do planeta terra. O que eles têm em comum? Além do fato deles consumirem as mesmas raízes neutralizantes do veneno fatal, todos, sem exceção, mantinham-se afastados dos humanos chamados modernos, aqueles mesmo que devastaram o planeta. Dá até para desconfiar que o planeta, ao planejar sua reação, achou por bem preservar esses grupos étnicos que sobreviveram. Quem sabe os mesmo não foram considerados inculpes pela devastação ocorrida? Quanto ao barulho mencionado no início, que fora ouvido pelos animais, era apenas uma festa tribal pela união marital de seus jovens que ocorre a cada quatro luas. Os sons do tambor, da gaita, do pífaro, e de outros instrumentos desconhecidos por nós, uniram-se com os sons dos sorrisos e gritos de alegrias e tomou conta no resto daquela tarde desde a primeira visão que tiveram da lua até seu desaparecimento, no início do dia seguinte, onde as novas famílias foram para suas tendas e os demais da tribo voltaram para suas redes para se refazer do cansaço da noite de festa, porque, afinal, ninguém é de ferro!

6 de jul. de 2012

Pedido de perdão

Perdão, amor,
eu tentei de tudo,
mas não consegui.
Mudei meus hábitos;
resguardei-me de excessos;
segui a cartilha de uma vida regrada;
fugi da carne vermelha;
abri mão das delícias fritas;
aboli as bebidas alcoólicas de minha vida;
passei longe de refrigerantes;
lanchonetes nem pensar;
optei pelas saladas cruas;
comi cenouras diariamente;
virei as costas para o pastel;
não como mais pão branco pela manhã,
apenas torradas com mel;
carnes só brancas:
cozidas, grelhadas, ou, no máximo, na chapa;
aderi aos grãos e às fibras;
troquei o barzinho pela academia
e exercitei-me duas horas todos os dias;
só saí ao sol antes das nove
ou depois das dezessete
e sempre besuntado
com bloqueador solar oitenta;
dormi e acordei cedo;
pratiquei sempre exercícios matinais;
Só tomei água mineral,
no mínimo dois litros por dia;
recorri ao silêncio e à calmaria;
tomei banho de sais
e beneficiei-me da aromaterapia;
obedeci a tudo o que os mestres ensinaram;
fiz tudo que me foi possível,
mas não consegui.
perdão, amor,
eu envelheci!