Roberto Policiano

27 de ago. de 2012

Sossego

 
Eis o velho Damasceno em sua cadeira de balanço. Também pudera, aquele lugar é o seu ninho. É assim desde menino. Foi lá que estudou matemática. Ali aprendeu história e geografia. Embora achasse cansativo, foi naquele lugar que leu todos os livros obrigatórios. Só saiu dali quando, já moço, arrumaram-lhe um trabalho. Mas no final do expediente voltava para o seu lugar preferido e, aninhando-se contente, passava várias horas descansando. Só se casou porque Marianinha, moça também sossegada, aconchegou-se ao seu lado e dali não arredou pé.
Hoje vivem sossegados. Os filhos já estão casados, Damasceno se aposentou e, junto com ele, Marianinha, pois, visto que os dois comem pouco, quase não se suja a cozinha. Roupa então nem se fala. É que tanta serenidade não gera gota de suor nenhuma!
Essas vidas sedentárias, hoje por demais condenadas, é uma pedra no sapato da turma do agito. Eu não te falei ainda, mas esse casal sossegado já passou dos cento e trinta! E não é a soma das idades deles não, é mais de cento e trinta para cada um!
Muitos já foram buscar, nesse casal centenário, qual era o segredo deles. E o Damasceno, sorridente, diz a cada um deles que aprendeu o segredo do seu amigo Bitura.
- Mas quem é Bitura? perguntam curiosos.
- Nosso jabuti, responde Marianinha sem esconder o seu sorriso de orgulho.
- E o que foi que ele ensinou a vocês? insistem eles.
- Que não adianta ter pressa, responde Damasceno com sua voz macia e sossegada.
- E como foi que o Bitura ensinou isso a vocês? querem saber.
- Fez isso sem muito esforço, respondeu o ancião, aliás, sem esforço nenhum, consertou imediatamente.
- Esse jabuti, completou Marianinha enquanto permitia que o marido tomasse fôlego, foi do pai do bisavô do Ceno - jeito carinhoso e econômico de chamar o marido evitando a fadiga - e, pelo que parece, será o bicho de estimação do neto do nosso bisneto!
- Desde quando eu era desse tamainho assim, ó, retomou Damasceno a fim de permitir que a Marianinha descansasse um pouco, tive, além do Bitura, vários animais de estimação. Já tive o coelho Joca, o marreco Cororó, meu bode Rapapé, a égua Nina e Raspim, um ratinho da índia, para não contar de todos que cansa. Pois então, todos eles eu vi nascer, vi crescer e vi morrer. Cada um deles era ligeiro e esperto, mas cadê? Enquanto o jabuti, que eu nem não vi nascer, pois, como já disse a Inha – jeito de chamar a mulher pelo mesmo motivo que ela o chamava de Ceno – acompanha a minha família há muito tempo, continua vivinho, vivinho. Assim, pergunto, ter pressa para quê?
Dizendo isso o Ceno virou os olhos para o lado da Inha, a Inha virou os olhos para o lado do Ceno, ele pousou levemente sua mão sobre a mão dela, os dois sorriram um sorriso sereno, apoiaram as costas no encosto da cadeira, fecharam os olhos e balançaram a cadeira lentamente enquanto esperavam, sem pressa, a vida passar sossegada e tranquilamente.
 
Roberto Policiano

20 de ago. de 2012

Desamparo


De repente deu-se conta
De si mesmo, sua vida.
Viu que tudo que fazia
Já não era o que queria.
A rede de relação que lhe sustentava
Desfez-se, desintegrou-se,
E, despencando numa queda,
Caiu na impropriedade,
No vazio que lhe foi imposto
Por sua sociedade.
Flutuou num eterno vácuo
De uma vida sem sentido
Dominada pelo nada.
Foi-se mundo, foi-se rede relacional,
Ente, ser, existenciais.
Sem elo nem vínculo no mundo,
Fez-se cego, surdo, mudo.
Qual fluido evaporou-se
E nunca mais quis voltar.

Roberto Policiano

13 de ago. de 2012

Passageiros


      A composição estaciona na plataforma da estação. Massas difusa de pessoas se entrecruzam no movimento de entrada e saída nos vagões dos trens do metrô. O som da campainha informa a partida da máquina. E lá vai o trem deslizando sobre os trilhos rumo ao seu próximo destino, levando em suas entranhas centenas de passageiros. É assim que aquela multidão - composta de idosos, crianças, jovens, mulheres e homens é nomeada - passageiros. Tânia, gerente de uma loja num dos shoppings da cidade; Hugo, recém formado e pequeno empreendedor que joga todas as suas fichas num novo negócio; Matheus, estudante do segundo ano do ensino básico, acompanhado de Márcia, sua mãe, funcionária administrativa de uma transportadora de médio porte; João, desempregado, a caminho de uma entrevista para possível recolocação no mercado de trabalho; Yoshiro, dono de uma tinturaria; Maria, empregada de uma padaria; Margareth, bebê de oito meses que, pela primeira vez, vai sentir a dor de separação de sua mãe, Glória, que a deixará na creche a fim de assumir seu posto como secretária de uma escola estadual. Ninguém percebe, mas os seus olhos estão mareados e o sentimento de culpa povoa seu peito por ter que transferir para outras mãos o cuidado de sua filhinha. Estes, e os demais ocupantes dos espaços disputados do trem perdem suas identidades, deixam de ser o que são para se transformarem em meros passageiros que são engolidos e despejados nas estações do metrô de uma cidade qualquer.

Roberto Policiano

6 de ago. de 2012

Trajeto

Rua
Atenção
Carro
Espera
Atravessa
Calçada
Direita
Caminhada
Porta
Entrada
Restaurante
Mesa
Bebida
Refeição
Sobremesa
Pagamento
Saída
Táxi
Viagem
Desembarque
Portaria
Saguão
Corredor
Elevador
Apartamento
Armário
Roupas
Toalha
Banho
Dormitório
Olhares
Sorrisos
Abraços
Murmúrios
Ternura
Emoção
Ápice
Aconchego
Descanso
Paz.