Bernardes e seu São Bernardo
Hoje eu os vi caminhando no parque.
Bernardes levava à coleira seu cão da raça São Bernardo. Pensando melhor,
ninguém levava ninguém. Ambos caminhavam tão sincronizados que não dá para
afirmar se havia alguém no comando. Havia entre eles uma amizade antiga. Se o
Bernardes tiver setenta e cinco anos, o seu São Bernardo tem setenta anos. A
caminhada de ambos é despreocupada e sem pressa. Quero arriscar que é
preguiçosa, mas não posso afirmar isso. Porém de uma coisa tenho certeza - dá
preguiça ver os dois caminharem!
Tento imaginar o primeiro encontro
dos dois. Bernardinho, menino de então cinco anos, tem o seu pedido atendido
pelo pai e ganha um filhote de cachorro. A alegria de ambos fica logo evidente
aos observadores.
Cerca de um ano depois o garoto,
agora com seis anos, não consegue dominar a força e a energia de seu mascote de
apenas um ano de idade que, só de brincadeira, arrasta o seu dono através do
imenso quintal gramado, pois o menino, querendo demonstrar que era o chefe da
dupla, não larga a correia que pretende prender o animal. E lá vão os dois, o
menino gritando ordens e rindo ao mesmo tempo e o cão, alheio aos comandos do
dono, correndo e latindo sem parar, arrastando o Bernardinho consigo.
Quantas coisas os dois fizeram
juntos! Quantos segredos e cumplicidade! O vaso quebrado numa das travessuras e
enterrado no fundo do quintal para não ser descoberto; guloseimas roubadas e
comidas à escondida pelos dois; escapadas sem permissão para passearem pelas
ruas do bairro; o consolo e o apoio de um quando o outro passava por momentos
ruins; choros e grunhidos nas separações; risos, latidos, corridas e tombos nos
reencontros...
Depois veio o período de domínio da
dupla pelo Bernardes, então rapaz com força suficiente - embora nem sempre –
para dominar o seu enorme cão. Quantas conquistas e aventuras os dois
compartilharam juntos!
Agora tudo isso é passado. Nada de
correrias, tombos, aventuras ou conquistas. Seguem os dois lado a lado. A
correia frouxa presa à coleira do animal indica que não há condutor nem
conduzido. Os dois amigos caminham no mesmo ritmo e compasso até chegarem a uma
enorme árvore onde as raízes salientes são convites irresistíveis para se
sentar à sombra agradável num dia calorento como aquele. Bernardes sentou-se
primeiro. O São Bernardo, aprovando a ideia, sentou-se em seguida ao lado do
dono, ou melhor, do amigo. A mão do homem alcança o animal e começa a roçar-lhe
a cabeça. Este, por outro lado, apoia-se na perna do amigo e, fechando
os olhos, queda tranquilo agradando-se do afago. Lá os dois passam a
manhã assistindo a vida acontecer sem pressa, nem compromisso, nem nada, apenas
o compartilhar da vida de dois bons e velhos amigos.
Roberto Policiano