Roberto Policiano

24 de set. de 2012

Bernardes e seu São Bernardo

 
Hoje eu os vi caminhando no parque. Bernardes levava à coleira seu cão da raça São Bernardo. Pensando melhor, ninguém levava ninguém. Ambos caminhavam tão sincronizados que não dá para afirmar se havia alguém no comando. Havia entre eles uma amizade antiga. Se o Bernardes tiver setenta e cinco anos, o seu São Bernardo tem setenta anos. A caminhada de ambos é despreocupada e sem pressa. Quero arriscar que é preguiçosa, mas não posso afirmar isso. Porém de uma coisa tenho certeza - dá preguiça ver os dois caminharem!
Tento imaginar o primeiro encontro dos dois. Bernardinho, menino de então cinco anos, tem o seu pedido atendido pelo pai e ganha um filhote de cachorro. A alegria de ambos fica logo evidente aos observadores.
Cerca de um ano depois o garoto, agora com seis anos, não consegue dominar a força e a energia de seu mascote de apenas um ano de idade que, só de brincadeira, arrasta o seu dono através do imenso quintal gramado, pois o menino, querendo demonstrar que era o chefe da dupla, não larga a correia que pretende prender o animal. E lá vão os dois, o menino gritando ordens e rindo ao mesmo tempo e o cão, alheio aos comandos do dono, correndo e latindo sem parar, arrastando o Bernardinho consigo.
Quantas coisas os dois fizeram juntos! Quantos segredos e cumplicidade! O vaso quebrado numa das travessuras e enterrado no fundo do quintal para não ser descoberto; guloseimas roubadas e comidas à escondida pelos dois; escapadas sem permissão para passearem pelas ruas do bairro; o consolo e o apoio de um quando o outro passava por momentos ruins; choros e grunhidos nas separações; risos, latidos, corridas e tombos nos reencontros...
Depois veio o período de domínio da dupla pelo Bernardes, então rapaz com força suficiente - embora nem sempre – para dominar o seu enorme cão. Quantas conquistas e aventuras os dois compartilharam juntos!
Agora tudo isso é passado. Nada de correrias, tombos, aventuras ou conquistas. Seguem os dois lado a lado. A correia frouxa presa à coleira do animal indica que não há condutor nem conduzido. Os dois amigos caminham no mesmo ritmo e compasso até chegarem  a uma enorme árvore onde as raízes salientes são convites irresistíveis para se sentar à sombra agradável num dia calorento como aquele. Bernardes sentou-se primeiro. O São Bernardo, aprovando a ideia, sentou-se em seguida ao lado do dono, ou melhor, do amigo. A mão do homem alcança o animal e começa a roçar-lhe a cabeça. Este, por outro lado, apoia-se na perna do amigo e, fechando os olhos, queda tranquilo agradando-se do afago. Lá os dois passam a manhã assistindo a vida acontecer sem pressa, nem compromisso, nem nada, apenas o compartilhar da vida de dois bons e velhos amigos.
 
Roberto Policiano