Esperava com certo
nervosismo enquanto segurava, com as mãos trêmulas, o envelope com os
resultados dos exames que foram pedidos pelo médico. Tudo começou com um mal
súbito. Uma tontura, quase um desmaio, que preocupou a ele e aos familiares. A
pressão de todos resultou na ida ao médico, e numa bateria de exames, cujos
resultados ansiava por conhecer.
De repente as
pessoas que aguardavam na mesma sala adquiriram aspecto de morte, do seu ponto
de vista. Uma senhora que estava sentada ao lado dele parecia-lhe que cairia a
qualquer momento e daria seu último suspiro. Um senhor raquítico à sua frente
parecia que forçava suas derradeiras captura do ar em sua volta. Um moço
magérrimo parecia exangue. “Parece uma folha de papel", pensou.
Sentiu uma
aceleração repentina no coração. Foi até o toalete. Examinou seus olhos.
Pareciam fundos e sem brilhos. Suas faces estavam quase tão exangues quanto à
do moço esquelético. Suas pernas trepidavam. Por um momento pensou que cairia
e, para se garantir, segurou firmemente na borda do lavatório. Foi necessário
ele respirar fundo por várias vezes enquanto tentava se acalmar.
Dez minutos depois,
já de volta à sala de espera, começou a refletir na vida, fazendo como que um
balanço e pensando nas pendências que deveria resolver antes de partir para sua
eterna morada, pois tinha a convicção que era isso o que aconteceria em breve. Lembrou-se
do desentendimento que tivera com sua tia Clotilde. Devia-lhe desculpa e
determinou fazer isso antes de partir para o mundo do além. Havia acertos a
fazer também com o Teotônio, a Valdeclécia, a Beth, o Olegário, o Anastácio, a
prima Emengarda, O... a reflexão foi interrompida com a atendente chamando por
seu nome.
Sentou-se diante do
médico, entregou-lhe o envelope, respirou fundo, e esperou a má notícia. Notou
que o médico olhou para os exames com um semblante preocupado. Adivinhou seu
final trágico e próximo quando ele franziu a testa e coçou o queixo. “É meu
fim”, pensou, “acho que nem terei tempo de reparar meus erros”.
- Bem, pelo que os
exames apontam, começou o médico pausadamente, não há nada com que se
preocupar.
- Não? Tem certeza?
- Absoluta! Tudo
está dentro dos parâmetros considerados normais.
- E o mal súbito
que eu tive?
- Creio que tenha
sido mais ansiedade do qualquer outra coisa. Vou marcar um retorno para daqui a
quatro meses só para monitoramento e dar certa tranquilidade para você, está
bem?
Saiu do consultório
caminhando nas nuvens. De repente pareceu-lhe que todo o vigor do mundo se
apoderou do seu corpo, pois se sentia forte como nunca antes. Não pode deixar
de notar as pessoas que aguardam a vez para serem chamadas. Pareceu-lhe que
elas também, como que por um milagre, livraram-se de seus males. Todas pareciam
coradas e fortes. O senhor, que a pouco vira buscar desesperadamente o ar,
voltara a respirar tranquilo.
Na rua teve que se
conter para não saltitar de contente. Sentiu vontade de rodopiar, mas se
absteve disso. É preciso comemorar, é preciso comemorar, dizia para si
baixinho. Resolveu dar uma festa no próximo fim de semana. Seria a festa da sua
ressurreição.
Já no carro,
enquanto dirigia em direção à casa de sua tia Clotilde a fim de cumprir o voto
que fizera a si enquanto esperava a consulta, começou a rir. Parecia
inacreditável que, não muito tempo atrás, estava, do seu ponto de vista,
andando no fio que separa a vida da morte. Aquele riso, que começou
timidamente, foi tomando conta de si. Teve que encostar o carro numa rua pouco
movimentada. Já não ria, gargalhava. Segurou o volante na parte de cima com as
duas mãos enquanto mantinha os antebraços apoiados em sua base e, com a testa
encostada neles, entregava-se à gargalhada. O próprio riso era combustível para
manter a euforia, pois achava graça do seu estado de graça, o que aumentava
ainda mais o riso. Em determinado momento, num surto renovado da risada, jogou
o corpo abruptamente para trás e, apoiando a nuca no encosto do banco do carro,
gargalhou a não mais poder. Se Freud estivesse assistindo a cena provavelmente
concluiria, entre risos evidentemente, que aquilo era um bom exemplo de uma
autêntica catarse! Naquela circunstância, concluiria o sábio, todas as
resistências seriam liberadas. Dava até para imaginar o ID o EGO e o SUPEREGO
de mãos dadas, brincando de roda, e cantando uma cantiga infantil. – É, não tem
jeito, mesmo aqui tudo retorna à infância! -.
Algumas pessoas que
passavam pela calçada, ao assistirem a cena, foram influencias e continuaram
suas caminhadas sorrindo enquanto olhavam para trás curiosos com o que
presenciavam. Só conseguiu continuar a dirigir vinte minutos depois.
Dona Clotilde
recebeu a surpresa com um sorriso no rosto e um forte e demorado abraço, o que
provocou lágrimas de alegria tanto na anfitriã quanto na visita.
A tarde foi pouca
para tantas coisas que precisavam ser ditas!
Roberto Policiano