Roberto Policiano

29 de out. de 2012

Tela


No horizonte
a abóbada celeste
parece ter acabado de receber
uma camada generosa de azul.
No fundo uma montanha,
adornada em seu cimo por um anel de nuvem
e parcialmente coberta de vegetação,
deixa à mostra rochas incrustadas em seu solo.
À direita
um imenso prado,
salpicado de flores multicoloridas,
é tomado por animais silvestres
que se deliciam de suas tenras gramíneas.
À esquerda
um rio serpenteia por entre pedras
liberando o seu frescor e seu marulho.
Um casal de tucanos troca carícias
num dos galhos de uma macieira.
O sol,
que iniciou seu declive no poente,
presenteia o dia
pincelando de dourado
as nuvens do entardecer.
Eu,
da varanda,
assisto a este magnífico espetáculo
enquanto ouço uma música suave
que vem do interior da casa
e parece fazer o ar bailar
ao som de suas notas musicais.
De repente
você aparece no alpendre
com os olhos irradiando de contentamento
e o rosto enfeitado por um lindo sorriso
que gradativamente vai se desfazendo
para se transformar num botão
que é delicadamente
depositado em meus lábios.
Em seguida
sua cabeça
desliza vagarosamente
e apóia gentilmente em meu peito.
Meu braço direito
enlaça ternamente seu corpo
e minha mão procura pela sua.
Nossos dedos se entrelaçam
numa tentativa
de parar o tempo
neste instante.
Que momento de paz!
Que dia feliz!

Roberto Policiano

22 de out. de 2012

Proximidade



Esperava com certo nervosismo enquanto segurava, com as mãos trêmulas, o envelope com os resultados dos exames que foram pedidos pelo médico. Tudo começou com um mal súbito. Uma tontura, quase um desmaio, que preocupou a ele e aos familiares. A pressão de todos resultou na ida ao médico, e numa bateria de exames, cujos resultados ansiava por conhecer.
De repente as pessoas que aguardavam na mesma sala adquiriram aspecto de morte, do seu ponto de vista. Uma senhora que estava sentada ao lado dele parecia-lhe que cairia a qualquer momento e daria seu último suspiro. Um senhor raquítico à sua frente parecia que forçava suas derradeiras captura do ar em sua volta. Um moço magérrimo parecia exangue. “Parece uma folha de papel", pensou.
 Sentiu uma aceleração repentina no coração. Foi até o toalete. Examinou seus olhos. Pareciam fundos e sem brilhos. Suas faces estavam quase tão exangues quanto à do moço esquelético. Suas pernas trepidavam. Por um momento pensou que cairia e, para se garantir, segurou firmemente na borda do lavatório. Foi necessário ele respirar fundo por várias vezes enquanto tentava se acalmar.
Dez minutos depois, já de volta à sala de espera, começou a refletir na vida, fazendo como que um balanço e pensando nas pendências que deveria resolver antes de partir para sua eterna morada, pois tinha a convicção que era isso o que aconteceria em breve. Lembrou-se do desentendimento que tivera com sua tia Clotilde. Devia-lhe desculpa e determinou fazer isso antes de partir para o mundo do além. Havia acertos a fazer também com o Teotônio, a Valdeclécia, a Beth, o Olegário, o Anastácio, a prima Emengarda, O... a reflexão foi interrompida com a atendente chamando por seu nome.
Sentou-se diante do médico, entregou-lhe o envelope, respirou fundo, e esperou a má notícia. Notou que o médico olhou para os exames com um semblante preocupado. Adivinhou seu final trágico e próximo quando ele franziu a testa e coçou o queixo. “É meu fim”, pensou, “acho que nem terei tempo de reparar meus erros”.
- Bem, pelo que os exames apontam, começou o médico pausadamente, não há nada com que se preocupar.
- Não? Tem certeza?
- Absoluta! Tudo está dentro dos parâmetros considerados normais.
- E o mal súbito que eu tive?
- Creio que tenha sido mais ansiedade do qualquer outra coisa. Vou marcar um retorno para daqui a quatro meses só para monitoramento e dar certa tranquilidade para você, está bem?
Saiu do consultório caminhando nas nuvens. De repente pareceu-lhe que todo o vigor do mundo se apoderou do seu corpo, pois se sentia forte como nunca antes. Não pode deixar de notar as pessoas que aguardam a vez para serem chamadas. Pareceu-lhe que elas também, como que por um milagre, livraram-se de seus males. Todas pareciam coradas e fortes. O senhor, que a pouco vira buscar desesperadamente o ar, voltara a respirar tranquilo.
Na rua teve que se conter para não saltitar de contente. Sentiu vontade de rodopiar, mas se absteve disso. É preciso comemorar, é preciso comemorar, dizia para si baixinho. Resolveu dar uma festa no próximo fim de semana. Seria a festa da sua ressurreição. 
Já no carro, enquanto dirigia em direção à casa de sua tia Clotilde a fim de cumprir o voto que fizera a si enquanto esperava a consulta, começou a rir. Parecia inacreditável que, não muito tempo atrás, estava, do seu ponto de vista, andando no fio que separa a vida da morte. Aquele riso, que começou timidamente, foi tomando conta de si. Teve que encostar o carro numa rua pouco movimentada. Já não ria, gargalhava. Segurou o volante na parte de cima com as duas mãos enquanto mantinha os antebraços apoiados em sua base e, com a testa encostada neles, entregava-se à gargalhada. O próprio riso era combustível para manter a euforia, pois achava graça do seu estado de graça, o que aumentava ainda mais o riso. Em determinado momento, num surto renovado da risada, jogou o corpo abruptamente para trás e, apoiando a nuca no encosto do banco do carro, gargalhou a não mais poder. Se Freud estivesse assistindo a cena provavelmente concluiria, entre risos evidentemente, que aquilo era um bom exemplo de uma autêntica catarse! Naquela circunstância, concluiria o sábio, todas as resistências seriam liberadas. Dava até para imaginar o ID o EGO e o SUPEREGO de mãos dadas, brincando de roda, e cantando uma cantiga infantil. – É, não tem jeito, mesmo aqui tudo retorna à infância! -. 
Algumas pessoas que passavam pela calçada, ao assistirem a cena, foram influencias e continuaram suas caminhadas sorrindo enquanto olhavam para trás curiosos com o que presenciavam. Só conseguiu continuar a dirigir vinte minutos depois.
Dona Clotilde recebeu a surpresa com um sorriso no rosto e um forte e demorado abraço, o que provocou lágrimas de alegria tanto na anfitriã quanto na visita.
A tarde foi pouca para tantas coisas que precisavam ser ditas!
 
Roberto Policiano

15 de out. de 2012

Conduzidos



A cidade é tomada

por uma enxurrada de gente

engolfada num frenesi insano

cuja rotina, de prazos

sempre mais urgentes,

consome horas,

dias, meses e anos.

Pessoas, absorvidas

por projetos que não são seus,

amarradas, por contratos,

em planos alheios,

são conduzidas com astúcia

e manobradas como animais

de carga atrelados a arreios.

Convencida por promessas

mirabolantes, segue a multidão,

apática e surda,

como peças que deslizam

Em esteiras rolantes.

Prometem-se a todos

a solidez do tungstênio,

porém são arrastados

a uma rota absurda

que é tão sólida

como o gás de hidrogênio.


Roberto Policiano

8 de out. de 2012

Pedro, Pedrinha, e a pedra.


O velho Pedro, como era seu costume, acordou bem de manhãzinha, preparou o café da manhã e acordou a sua neta, a Pedra - chamada carinhosamente por todos de Pedrinha– e, depois de tomarem o desjejum, saíram os dois, avô e neta, numa caminhada de dois quilômetros que separava a casa onde moravam e a escola da Pedrinha. Na verdade a distância seria bem maior se fossem pela estrada, mas os dois pegavam um atalho pelo sítio da família. Além de caminharem menos, podiam admirar a natureza em sua labuta diária. O caminho estava encharcado, pois no dia anterior havia chovido torrencialmente.
Estavam os dois conversando animadamente quanto depararam com uma imensa pedra que, com a chuva, fora deslocada da montanha onde deveria estar já por milhões de anos e, rolando e destruindo todas as pequenas plantas que havia em seu trajeto, parou, como que num capricho, bem no meio do caminho. E agora, o que fazer com uma pedra no meio do caminho?
Veio um poeta e fez do acontecimento um poema.
Um escultor, ao ficar sabendo do ocorrido, foi imediatamente para o local com uma marreta e uma talhadeira. Depois de examinar a pedra de todos os ângulos, procurou ouvir o que ela tinha a lhe dizer, para isso colocou o ouvido direito na pedra e escutou atentamente cada centímetro da sua superfície. Como não conseguiu ouvir nada, ascendeu-se sua ira e, num acesso de fúria, golpeou a pedra violentamente com sua marreta e gritou:
- Parla!
A pedra, trêmula e assustada, soltou um murmúrio quase inaudível, que só o escultor ouviu - dizem que eles são hábeis em ouvir rocha – e, contente com o que lhe fora revelado, armou-se de suas ferramentas e, trabalhando vários dias, mordendo a ponta da língua com os dentes da frente a cada golpe que infligia na pedra, fez dela uma bela estátua, aumentando o legado cultural da humanidade. Saiu tão satisfeito que não percebeu que a estátua estava com um dos joelhos inchado, talvez em razão da marretada que levara quando ainda não passava de uma rocha.
Já o psicanalista, ao estudar a pedra atentamente, dividiu-a horizontalmente com um giz em três partes: a parte inacessível que mantinha contato com o solo, a parte intermediária e a parte da superfície, depois, analisando-a melhor, procurou apagar a primeira divisão, cuja marca pode ser vista ainda hoje, e dividiu a pedra perpendicularmente deixando uma parte sem condições de ser acessada, mas as duas outras, embora deixasse partes de cada uma delas também impossível de ser alcançada, as outras áreas delas podiam, com muito trabalho é verdade, ser acessada por alguém habilitado.
O filósofo, ao ter o primeiro contanto com o ente, ou seja, a pedra, despiu-se de tudo que já ouvira falar sobre rochas, deu um passo pra trás, e fez uma profunda reflexão a fim de descobrir a essência dela. No entanto seu aluno predileto resolveu ir além do mestre e ocupou a vida toda em tentar achar o significado daquele ente-que-uma-vez-enterrado-na-montanha-foi-deslocado-dela-e-rolando-e-esmagando-tudo-que-encontrou-no-trajeto-de-seu-ponto-de-partida-até-seu-ponto-de-chegada-veio-a-parar-bem-no-meio-do-caminho-obrigando-o-Pedro-a-Pedrinha-e-outros-que-por-ventura-passasse-por-ali-a-tomar-uma-decisão-sobre-o-que-fazer-com-uma-pedra-bem-no-meio-do-caminho.
Para o psicólogo social o que mais interessava era descobrir a verdade de cada um daqueles que foram afetados por aquela pedra que foi parar bem no meio do caminho. E para descobrir essas verdades fez uma ampla pesquisa, dando total liberdade para que as pessoas da comunidade comentassem o que bem quisesse sobre aquele fenômeno.
Para os behavioristas essa era uma ótima chance de mostrar do que são capazes, assim, depois de cercar uma ampla área em volta da pedra que parou no meio do caminho, colocou um elefante dentro do cercado e, em pouco tempo, fazem questão de frisar, ensinou o elefante a pedir comida, por bater com a pata direita na pedra, e água, ao bater com a tromba do lado esquerdo da rocha, provando, além de qualquer contestação, arguem eles, que não há força que não possa ser condicionada.
Os desenvolvimentistas conseguiram traçar, passo a passo, o deslocamento da pedra desde seu ponto de partida, o ponto “I”, até o seu ponto de repouso, o ponto “F”, que, por incrível coincidência, foi bem no meio do caminho. Apenas uma questão eles não conseguiram resolver entre eles: A pedra iniciou sua descida por conta própria, por instinto, ou teve uma forcinha do meio?
O governo não perdeu tempo e criou um novo imposto para aqueles que tivessem uma pedra no meio do caminho de sua propriedade, além de aplicar uma multa por terem uma pedra no meio do caminho sem avisar previamente as autoridades competentes.
Os movimentos populares conseguiram agrupar vários proprietários que não tinham uma pedra no meio do caminho de suas propriedades e prometeram não comer nem beber enquanto não fosse providenciado para eles também uma pedra no meio do caminho de cada um deles, pois, afinal, eles, como bons cidadãos, também têm o direito de ter as suas pedras no meio dos seus caminhos.
Os repórteres fizeram um documentário, com setenta e cinco horas de duração, que seria passado meia hora por dia no horário nobre, para esclarecer à população o que é ter uma pedra no meio do caminho.
A impressa sensacionalista informou que, segundo fonte segura, o responsável pela pedra sair da montanha e rolar até o meio do caminho é o crime organizado, numa demonstração de poder. Informou ainda que, entre as ações futuras daquela instituição contra a lei, está fazer com que, num dia ainda a ser definido, todas as pedras deixem suas respectivas montanhas e rolem até achar o primeiro caminho a fim de parar bem no meio dele, obstruindo, numa ostentação de poder, todos os caminhos com pedras.
Os místicos consultaram seus oráculos e deram uma importante informação à humanidade: Esta é a 5782º pedra que foi arrancada de uma montanha numa tempestade e, rolando, parou bem no meio do caminho, já adiantando que a próxima ocorrência desse fenômeno ocorrerá no dia 26 de março do ano de 3675, às 23:45:37:21:09 horas, em algum lugar da Europa.
Os publicitários caiaram a pedra e alugaram cada centímetro dela por uma fortuna para que os fabricantes colocassem o logotipo de seus produtos na pedra que, saindo da montanha, foi parar bem no meio do caminho.
E o avô Pedro? Bem, ele pegou a Pedrinha, colocou-a no colo e, depois de examinar a melhor estratégia, contornou a pedra pelo lado direito e seguiu viagem levando a netinha para a escola.
Ao ser informado do ocorrido um famoso matemático, depois de coçar a cabeça a tal ponto de ficar desgrenhado, colocou a mão no queixo e, após refletir por alguns minutos, pôs a língua para fora e fez um simples comentário:
- Tudo é muito relativo!

Roberto Policiano

1 de out. de 2012

Caminhada



A vida, exigindo pressa,

faz-me ir em disparada pela auto pista.
Desço correndo pela via expressa;

contorno à direita e entro numa avenida;
avanço apressado por uma alameda;

caminho ligeiro pela rua;
para chegar mais rápido ganho uma transversal;

evito o trânsito optando por uma paralela;
diminuo a marcha numa vicinal;

ando menos rápido por uma travessa;
vou mais tranquilo pela rua de terra batida;

 a caminhada é lenta pela estrada de barro;
desacelero ao entrar em um caminho

e ando sossegadamente numa trilha
até chegar a um bosque onde posso,

alheio ao frenesi da cidade,
entregar-me com gozo ao prazer do momento.

Roberto Policiano