Roberto Policiano

22 de out. de 2012

Proximidade



Esperava com certo nervosismo enquanto segurava, com as mãos trêmulas, o envelope com os resultados dos exames que foram pedidos pelo médico. Tudo começou com um mal súbito. Uma tontura, quase um desmaio, que preocupou a ele e aos familiares. A pressão de todos resultou na ida ao médico, e numa bateria de exames, cujos resultados ansiava por conhecer.
De repente as pessoas que aguardavam na mesma sala adquiriram aspecto de morte, do seu ponto de vista. Uma senhora que estava sentada ao lado dele parecia-lhe que cairia a qualquer momento e daria seu último suspiro. Um senhor raquítico à sua frente parecia que forçava suas derradeiras captura do ar em sua volta. Um moço magérrimo parecia exangue. “Parece uma folha de papel", pensou.
 Sentiu uma aceleração repentina no coração. Foi até o toalete. Examinou seus olhos. Pareciam fundos e sem brilhos. Suas faces estavam quase tão exangues quanto à do moço esquelético. Suas pernas trepidavam. Por um momento pensou que cairia e, para se garantir, segurou firmemente na borda do lavatório. Foi necessário ele respirar fundo por várias vezes enquanto tentava se acalmar.
Dez minutos depois, já de volta à sala de espera, começou a refletir na vida, fazendo como que um balanço e pensando nas pendências que deveria resolver antes de partir para sua eterna morada, pois tinha a convicção que era isso o que aconteceria em breve. Lembrou-se do desentendimento que tivera com sua tia Clotilde. Devia-lhe desculpa e determinou fazer isso antes de partir para o mundo do além. Havia acertos a fazer também com o Teotônio, a Valdeclécia, a Beth, o Olegário, o Anastácio, a prima Emengarda, O... a reflexão foi interrompida com a atendente chamando por seu nome.
Sentou-se diante do médico, entregou-lhe o envelope, respirou fundo, e esperou a má notícia. Notou que o médico olhou para os exames com um semblante preocupado. Adivinhou seu final trágico e próximo quando ele franziu a testa e coçou o queixo. “É meu fim”, pensou, “acho que nem terei tempo de reparar meus erros”.
- Bem, pelo que os exames apontam, começou o médico pausadamente, não há nada com que se preocupar.
- Não? Tem certeza?
- Absoluta! Tudo está dentro dos parâmetros considerados normais.
- E o mal súbito que eu tive?
- Creio que tenha sido mais ansiedade do qualquer outra coisa. Vou marcar um retorno para daqui a quatro meses só para monitoramento e dar certa tranquilidade para você, está bem?
Saiu do consultório caminhando nas nuvens. De repente pareceu-lhe que todo o vigor do mundo se apoderou do seu corpo, pois se sentia forte como nunca antes. Não pode deixar de notar as pessoas que aguardam a vez para serem chamadas. Pareceu-lhe que elas também, como que por um milagre, livraram-se de seus males. Todas pareciam coradas e fortes. O senhor, que a pouco vira buscar desesperadamente o ar, voltara a respirar tranquilo.
Na rua teve que se conter para não saltitar de contente. Sentiu vontade de rodopiar, mas se absteve disso. É preciso comemorar, é preciso comemorar, dizia para si baixinho. Resolveu dar uma festa no próximo fim de semana. Seria a festa da sua ressurreição. 
Já no carro, enquanto dirigia em direção à casa de sua tia Clotilde a fim de cumprir o voto que fizera a si enquanto esperava a consulta, começou a rir. Parecia inacreditável que, não muito tempo atrás, estava, do seu ponto de vista, andando no fio que separa a vida da morte. Aquele riso, que começou timidamente, foi tomando conta de si. Teve que encostar o carro numa rua pouco movimentada. Já não ria, gargalhava. Segurou o volante na parte de cima com as duas mãos enquanto mantinha os antebraços apoiados em sua base e, com a testa encostada neles, entregava-se à gargalhada. O próprio riso era combustível para manter a euforia, pois achava graça do seu estado de graça, o que aumentava ainda mais o riso. Em determinado momento, num surto renovado da risada, jogou o corpo abruptamente para trás e, apoiando a nuca no encosto do banco do carro, gargalhou a não mais poder. Se Freud estivesse assistindo a cena provavelmente concluiria, entre risos evidentemente, que aquilo era um bom exemplo de uma autêntica catarse! Naquela circunstância, concluiria o sábio, todas as resistências seriam liberadas. Dava até para imaginar o ID o EGO e o SUPEREGO de mãos dadas, brincando de roda, e cantando uma cantiga infantil. – É, não tem jeito, mesmo aqui tudo retorna à infância! -. 
Algumas pessoas que passavam pela calçada, ao assistirem a cena, foram influencias e continuaram suas caminhadas sorrindo enquanto olhavam para trás curiosos com o que presenciavam. Só conseguiu continuar a dirigir vinte minutos depois.
Dona Clotilde recebeu a surpresa com um sorriso no rosto e um forte e demorado abraço, o que provocou lágrimas de alegria tanto na anfitriã quanto na visita.
A tarde foi pouca para tantas coisas que precisavam ser ditas!
 
Roberto Policiano