Aposentadoria
Acordou
com o barulho estridente do despertador. Levantou-se, travou o relógio e ia se
preparar para o trabalho quando lembrou que era o primeiro dia de sua
aposentadoria. Sentou-se na beirada da cama, passou as mãos no rosto e nos
cabelos e continuou na mesma posição por vários minutos, pois não sabia o que
fazer. Sua rotina, nos últimos quarenta anos, foi levantar-se ao som
característico de todas as manhãs e, quase que automaticamente, se aprontar,
pegar sua marmita, e sair em direção ao ponto de ônibus. Agora que esta ação
não era mais necessária, simplesmente não sabia dar o passo seguinte. Como não
lhe sobrou alternativa, deu de filosofar – coisa de ociosos que os gregos podem
comprovar muito bem -. Descobriu, na verdade sem muito esforço, que nos últimos
anos sua vida não lhe pertencia, pois, com a imposição das necessidades, a
vendera para o mercado de trabalho. Assim, funcionou como a uma máquina
automática sem haver a necessidade de pensar no que fazer, posto que isto já
estivesse determinado por aqueles que alugaram seu tempo para tocarem os
projetos deles. Acostumou-se a proceder como uma coisa sem ter o trabalho de
decidir o que fazer, como aconteceu com a grande maioria dos em sua volta. Tal
situação nunca lhe causou qualquer angústia, pois presumira como sendo o modo
de vida natural e esperado por e para todos. Agora que a sua vida voltara sob o
seu comando, não sabia como conduzi-la. Sentiu certa estranheza com isso.
Deu-se conta que sua vida fora administrada todo esse tempo por outros. Uma
sensação de sequestro se apoderou de si e concluiu que vivera em cativeiro nos
últimos quarenta anos. Foi até o espelho e encarou sua imagem demoradamente.
Presenciou a marca deixada pelo tempo em seu rosto, cabelos, braços, mãos...
Recusou-se a continuar o autoexame. Voltou a sentar-se na beirada da cama.
Ficou por alguns minutos a contemplar seus pés. “E achar que era eu que os
comanda”, pensou. Deu um longo e profundo suspiro. Assustou-se com o fato de que, estando agora
a sua vida aos seus cuidados e direção, não tinha a menor ideia do que fazer
com ela.
Roberto Policiano