Tio Bento
Dezessete horas e quarenta e
cinco minutos. A campainha soa. Rosinha vai atender. Ao abrir a porta e olhar
para o portão, um desânimo toma conta imediatamente dela. Era o tio Bento que
chegava. Um segundo e alguns centésimos depois se recompôs e foi em direção à
visita. Cumprimentos de praxe e o convite para entrar. Já na sala uma poltrona
é indicada e o recém-chegado a ocupa. Alguns minutos depois uma xícara de café
é serviço, acompanhada de biscoitos de amigo de milho. As novidades são colocadas
em dia entre uma bebericada na bebida e uma mordiscada na guloseima. A pequena
Adelaide, de apenas três anos de idade, entra na sala e, depois de cumprimentar
o tio avô com um beijo no rosto e se incomodar com a barba por fazer - que o
parente insistiu em esfregar no rosto da garotinha - escapa do sacrifício e
senta-se ao lado da anfitriã. Terminada a introdução de praxe o visitante
iniciou sua longa lista de reclamações de pessoas com quem tem contato. Em casa
tem problemas com diversos membros da família; na região onde mora alguns
vizinhos o perturbam; frequenta uma associação cultural, mas está prestes a
abandonar porque algumas pessoas são insuportáveis demais; no emprego alguns
colegas de trabalho tentam escorar nele e o chefe não toma nenhuma providência
para resolver a situação... Nisto a garotinha teceu o seguinte
comentário:
- Como o senhor é azarado,
tio Bento! Em todo o lugar onde o senhor está tem sempre alguém incomodando o
senhor. Parece que o senhor não tem sossego, não é mesmo?
O homem respondeu com um
sorriso forçado e alguns murmúrios e, talvez intimidado pelo comentário
inocente da sobrinha, ficou mais alguns minutos e, movido por uma lembrança
conveniente de uma obrigação inadiável, despediu-se e seguiu seu rumo.
Enquanto caminhava em direção
ao seu lar o comentário da criança continuava a gritar em sua mente. “Onde o
senhor está...”; “Onde o senhor está...”; “Onde o senhor está...”; “Onde o
senhor está...”. Em meio a tal “gritaria” um “cochicho interior”, embora baixo,
prevaleceu sobre o falatório. Chegou a casa determinado a reavaliar suas
impressões.
Roberto Policiano
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