Roberto Policiano

28 de ago. de 2013

Café da manhã no metrô



Entrou no trem e, embora houvesse assento disponível, dirigiu-se para um dos cantos do vagão e ficou em pé com o corpo apoiado numa das laterais. Abriu a bolsa e tirou de lá uma embalagem transparente contendo um lanche. Pegou um frasco de uma bebida matinal que trazia em sua parte externa um canudinho. Como se fosse a coisa mais natural a fazer, iniciou sua primeira refeição do dia. Após o consumo dos alimentos abriu a bolsa novamente e repetiu a dose. Ao chegar à estação de destino, desceu, dirigiu-se à lixeira, depositou as embalagens ali e seguiu com pressa a fim de não chegar atrasado ao seu emprego. Um dos passageiros que assistiu a cena pensou perplexo:

“Já não é mais costume sentar-se à mesa para as refeições. Provavelmente, num futuro não muito distante, mesas e cadeiras deixarão de serem comercializados. Estamos nos tornando meros veículos que param nos postos de combustíveis para encher o tanque e seguir uma viagem interminável que nos conduzirá a lugar nenhum”.
 
 
Roberto Policiano

21 de ago. de 2013

Poetizar



Os olhos observam;

Os ouvidos captam;

O coração sente;

A alma traduz;

O intelecto pensa;

E nasce o poema.

Algumas vezes, pronto.

Em outras, prematuro,

Vai à incubadora

Onde permanece

Por horas,

Dias,

Semanas,

Meses,

Ou até mesmo anos,

Até ganhar sua forma.

O momento do parto

É imprevisível;

Podendo acontecer

Pela manhã,

À tarde,

À noite,

Ou mesmo de madrugada.

Nasce em casa,

No carro,

Na condução,

No local de trabalho,

Na lanchonete;

Ou seja,

Não há lugares

Improváveis.

E o poeta,

Emocionado,

Segura;

Examina;

Reflete;

E sorri!


Roberto Policiano

14 de ago. de 2013

Sessão Tortura - o retorno


(Nota do autor: Para quem se interessar em conhecer "Sessão tortura", que serviu de fonte de inspiração para este texto, o mesmo fui publicado neste blog em 11/02/2011.)


Eu não quis dizer na ocasião do primeiro relato, pois, em vista da descrição dos sofrimentos de nosso herói, resolvi poupá-lo, bem como aos leitores e as leitoras, da aflição de saber que a sessão não se findara então. Embora fosse de se esperar, creio eu, que uma única sessão de tratamento odontológico, com raríssimas exceções, seja suficiente para concluir a prestação de serviço. Nossa personagem - infelizmente para ele e para nós - não teve a sorte de ter uma sessão única. Talvez, quem sabe, no futuro, isso se tornará possível. E, dando asas à imaginação, poderíamos visualizar uma sessão odontológica mais ou menos assim:

‘O paciente acessa o site de prestação de serviços odontológicos e escolhe o local, o dia e o horário mais conveniente para seu atendimento. Uma hora antes da consulta ele recebe uma mensagem em seu telefone celular informando-o de que o veículo que o levará ao consultório já se encontra estacionado em frente ao local indicado por ele. Ao de dirigir até lá uma espaçonave abre automaticamente sua porta para o embarque. A viagem é feita suavemente e sem surpresas e, alguns minutos depois, o paciente já está confortavelmente instalado num espaço que mais parece uma sorveteria. À mesa um monitor indica os produtos disponíveis: sorvetes das mais diversas cores, formatos, tamanhos e sabores; uma infinidade de sobremesas, cada uma com sua característica singular, e tantas outras guloseimas que queira imaginar. ATENÇÃO – por mais sedutoras e proibitivas que possam parecer, nenhuma delas tem quaisquer restrições dietéticas ou alimentares, portanto, APROVEITE! Feita a escolha o produto lhe é servido pontualmente três minutos depois de tocado sobre a figura apresentada na tela do computador. O paciente dispõe do tempo que quiser para saborear seu pedido. Entre os ingredientes usados para preparar a sobremesa encontra-se o que há de mais moderno na medicina – um sonífero que se ajusta às necessidades do organismo que o ingere; nano partículas restauradoras que imediatamente se dirige aos dentes; agentes de combate às placas bacterianas; nano tecidos sintéticos com capacidades de se transformarem em quaisquer tecidos a fim de restaurá-los, entre outros. Após a ingestão estas maravilhas da ciência começam a trabalhar imediatamente enquanto nosso herói é levado ao mundo dos sonhos e a um sono reparador. A cadeira ocupada por ele se inclina suavemente ao mesmo tempo em que um descanso para as pernas torna-se visível e oferece apoio confortável. Tornando-se, assim, uma poltrona, eleva-se e se dirige para a sala de atendimento. Música suave e aromas perfumados aumentam o prazer do momento, enquanto o paciente passa por uma tomografia computadorizada. Logo após é ejetado duas peças de material maleável na abertura da máquina, cujo formato ajusta-se perfeitamente à boca do examinado. Cada uma delas está recheada com uma substância muito parecida aos cremes dentais do passado - ou seja, os de agora -. Mãos mecânicas as recolhem e, com movimentos suaves, introduzem-nas na arcada dentária daquele que está sendo atendido. Imediatamente o produto age na remoção de todos os resíduos encontrados nos dentes e em seu entorno, ao mesmo tempo em que fixa os componentes de restauração que se encontravam na sobremesa em seus respectivos lugares: gengivas, dentina, esmalte, neurônios, etc. Cinco minutos depois as mãos mecânicas removem os objetos da boca e eliminam os micros excessos dos produtos com movimentos tão precisos e suaves que não interrompe o sono do sortudo, ou melhor, do paciente. Quando o efeito sedativo termina a espaçonave já está estacionada no local indicado na ocasião em que a consulta foi marcada. Além do mais, por cumprir o prazo de atendimento estabelecido pelo sistema governamental de saúde, o cliente recebe  credito em sua conta bancária de bônus de valor considerável. Pronto em uma única sessão está realizado o tratamento dentário!

Agora, deixando os devaneios e voltando à realidade tal qual ela é – cruel e dolorida –  acompanhemos nosso mártir à segunda sessão do atendimento dentário. Encontramo-lo já na sala de espera a fim de economizar a agonia de assistir sua luta de chegar ao consultório e guardar as nossas forças para os procedimentos que virão. Como sempre o odontologista, muito solícito e com uma beatitude enganosa no sorriso, abre a porta e, com um rosto jovial e gestos suaves, convida o paciente à sala de tortura - ou melhor, de atendimento, para não adiantar nada -. Após ocupar a cadeira que faz qualquer um tremer, o pobre homem se entrega aos cuidados (cuidados?) do profissional que, após cobrir o peito do cliente com um guardanapo de papel, volta-lhe as costas e, entrelaçando os dedos das mãos a fim de estalá-los ao mesmo tempo, pergunta sobre o bem estar do mesmo. Numa agilidade indescritível, o profissional volta-se para o paciente antes que o mesmo conseguisse murmurar meia frase em resposta à pergunta do outro que, com um sorriso gentil, pede que ele abra a boca, que, traduzido, quer dizer – pare de falar que eu preciso trabalhar! – e, mais rápido do que esta tradução, entope a boca do infeliz com uma infinidade de instrumentos. Outra manobra rápida faz o assento sofrer uma inclinação de duzentos e setenta graus, o que quase contribui para a vítima chutar a lâmpada instalada no teto da sala. Perdoem-me por não ter avisado antes, caros leitores e leitoras, mas hoje assistiremos a um tratamento de canal no dente canino superior esquerdo.

 Depois de uma pasta colorida com sabor de morango ser colocada na gengiva da região do dente, o habilidoso profissional, com uma gentileza de fazer qualquer um chorar, fez trinta e seis aplicações anestésicas no entorno do dente a ser cuidado. Cinco minutos depois, os quais nosso amigo ficou com a boca aberta e os olhos em direção a uma lâmpada extremamente luminosa, uma broca começou a perfurar o lado interno do dente. Um cheiro de queimado invadiu o ambiente enquanto o dentista, divertindo-se em abrir um túnel, perfurou - na imaginação do rapaz, não menos do que trinta centímetros, o interior do dente até quase atingir o Sistema Nervoso Central -. A seguir pegou uma pequena lima circular e a introduziu no túnel aberto, e, com movimentos rápidos para cima e para baixo, começou a tratar o canal do dente. De tempos em tempos trocava de lima, cada vez mais comprida e mais larga, a fim de executar o serviço com precisão. A boca do rapaz já havia travada quando o dentista deu por terminada este procedimento e passou ao próximo. Antes, porém, despejou quarenta e cinco litros de água no local tratado a fim de limpá-lo bem, só então permitindo que o nobre herói despejasse o líquido no reservatório ao lado. O pobre levou mais de dois minutos para conseguir articular os maxilares novamente, tempo esse que não foi perdido pelo exímio profissional que preparava os novos equipamentos para a continuação do tratamento. Um barulho vinda da direção do dentista deixou nosso sofredor em alerta. Era algo mais ou menos assim: tchuuuuuuuuuuuuuu! Ao olhar assustado para a direção do som com os cantos dos olhos, os mesmos ficaram arregalados ao perceber que o odontologista segurava um maçarico na mão esquerda enquanto a direita segurava um espeto curvo cuja ponta, acreditava o mísero refém, media cerca de 30 centímetros de comprimento! Imediatamente os olhos espantados foram desviados para o rosto do doutor, como que a lhe perguntar: ‘O que você vai fazer com isso?’. O outro, alheio à preocupação deste, parecia apresentar um sorriso sinistro enquanto girava o equipamento na chama até que sua ponta se tornou incandescente. Satisfeito com o resultado o torturador virou-se para o paciente e, com o olhar, ordenou-lhe que abrisse a boca. Este não estava disposto a atender a ordem, mas temendo que o louco tocasse seus lábios com aquilo, fechou os olhos, agarrou firmemente com as duas mãos os braços da poltrona, e entregou-se ao seu algoz. Este, com uma precisão impressionante, para o alívio de todos, introduziu o ferro em brasas no túnel do dente. Imediatamente a fumaça tomou conta do local. O cirurgião fez vários movimentos que, segundo cálculos da vítima – por incrível que pareça ele conseguiu calcular – ficou entre o brusco e o britante. Alguns segundos depois o espeto foi retirado da abertura do dente e, antes que nosso infeliz respirasse aliviado, um novo tchuuuuuuuu foi ouvido por ele. De repente o paciente fixou sua atenção na parte de cima de seu nariz, pois acreditava que a qualquer momento a ponta do instrumento incandescente apontaria ali. Para poupá-lo do desconforto da descrição a operação foi repetida mais cinco vezes, período em que o paciente criou a tese de que Mengele continuava vivo em algum recanto do mundo e em plena atividade, treinando discípulos a fim de dar continuidade aos seus trabalhos. Foi nesse intervalo também que o refém de tais atos desumanos ouviu o som da sirene de carros do corpo de bombeiros que circulavam pela região. Na certa, pensou ele, devem estar atrás da fumaça desta operação!

Finalmente o dentista sentiu-se satisfeito e tratou de desmontar seu ‘canteiro de obras’, o que deve ter levado, pela concepção do paciente, exatos vinte e sete minutos, tamanha era sua pressa de sair correndo dali. Antes de dispensá-lo o odontologista perguntou com seu jeito solícito de sempre:

- Está tudo bem com você?


Roberto Policiano

7 de ago. de 2013

Meu único querer



As nações querem o comando;

Os tiranos o poder;

Os gananciosos a riqueza;

Os banqueiros o lucro;

Os times a conquista do campeonato;

Os pilotos a dianteira;

Os mineradores o ouro;

Os atores o estrelato;

Os cantores a fama;

Os cientistas a descoberta.

Eu só quero observar o teu sorriso,

Aconchegar-me em teus braços,

Sentir teu toque macio,

Aspirar teu hálito morno,

Perceber teus lábios nos meus;

Sorver o néctar de teu beijo,

E, de olhos fechados,

Quedar-me tranquilo

Na emoção deste momento.



Roberto Policiano