Sessão Tortura - o retorno
(Nota do autor: Para quem se interessar em conhecer "Sessão tortura", que serviu de fonte de inspiração para este texto, o mesmo fui publicado neste blog em 11/02/2011.)
Eu não quis dizer na ocasião
do primeiro relato, pois, em vista da descrição dos sofrimentos de nosso herói,
resolvi poupá-lo, bem como aos leitores e as leitoras, da aflição de saber que
a sessão não se findara então. Embora fosse de se esperar, creio eu, que uma
única sessão de tratamento odontológico, com raríssimas exceções, seja
suficiente para concluir a prestação de serviço. Nossa personagem - infelizmente
para ele e para nós - não teve a sorte de ter uma sessão única. Talvez, quem
sabe, no futuro, isso se tornará possível. E, dando asas à imaginação,
poderíamos visualizar uma sessão odontológica mais ou menos assim:
‘O paciente acessa o site de
prestação de serviços odontológicos e escolhe o local, o dia e o horário mais
conveniente para seu atendimento. Uma hora antes da consulta ele recebe uma
mensagem em seu telefone celular informando-o de que o veículo que o levará ao
consultório já se encontra estacionado em frente ao local indicado por ele. Ao
de dirigir até lá uma espaçonave abre automaticamente sua porta para o
embarque. A viagem é feita suavemente e sem surpresas e, alguns minutos depois,
o paciente já está confortavelmente instalado num espaço que mais parece uma
sorveteria. À mesa um monitor indica os produtos disponíveis: sorvetes das mais
diversas cores, formatos, tamanhos e sabores; uma infinidade de sobremesas,
cada uma com sua característica singular, e tantas outras guloseimas que queira
imaginar. ATENÇÃO – por mais sedutoras e proibitivas que possam parecer, nenhuma
delas tem quaisquer restrições dietéticas ou alimentares, portanto, APROVEITE!
Feita a escolha o produto lhe é servido pontualmente três minutos depois de
tocado sobre a figura apresentada na tela do computador. O paciente dispõe do
tempo que quiser para saborear seu pedido. Entre os ingredientes usados para
preparar a sobremesa encontra-se o que há de mais moderno na medicina – um
sonífero que se ajusta às necessidades do organismo que o ingere; nano
partículas restauradoras que imediatamente se dirige aos dentes; agentes de
combate às placas bacterianas; nano tecidos sintéticos com capacidades de se
transformarem em quaisquer tecidos a fim de restaurá-los, entre outros. Após a
ingestão estas maravilhas da ciência começam a trabalhar imediatamente enquanto
nosso herói é levado ao mundo dos sonhos e a um sono reparador. A cadeira ocupada
por ele se inclina suavemente ao mesmo tempo em que um descanso para as pernas
torna-se visível e oferece apoio confortável. Tornando-se, assim, uma poltrona,
eleva-se e se dirige para a sala de atendimento. Música suave e aromas
perfumados aumentam o prazer do momento, enquanto o paciente passa por uma
tomografia computadorizada. Logo após é ejetado duas peças de material maleável
na abertura da máquina, cujo formato ajusta-se perfeitamente à boca do
examinado. Cada uma delas está recheada com uma substância muito parecida aos
cremes dentais do passado - ou seja, os de agora -. Mãos mecânicas as recolhem
e, com movimentos suaves, introduzem-nas na arcada dentária daquele que está
sendo atendido. Imediatamente o produto age na remoção de todos os resíduos
encontrados nos dentes e em seu entorno, ao mesmo tempo em que fixa os
componentes de restauração que se encontravam na sobremesa em seus respectivos
lugares: gengivas, dentina, esmalte, neurônios, etc. Cinco minutos depois as
mãos mecânicas removem os objetos da boca e eliminam os micros excessos dos
produtos com movimentos tão precisos e suaves que não interrompe o sono do
sortudo, ou melhor, do paciente. Quando o efeito sedativo termina a espaçonave
já está estacionada no local indicado na ocasião em que a consulta foi marcada.
Além do mais, por cumprir o prazo de atendimento estabelecido pelo sistema
governamental de saúde, o cliente recebe credito em sua conta bancária de bônus de
valor considerável. Pronto em uma única sessão está realizado o tratamento
dentário!
Agora, deixando os devaneios
e voltando à realidade tal qual ela é – cruel e dolorida – acompanhemos nosso mártir à segunda sessão do
atendimento dentário. Encontramo-lo já na sala de espera a fim de economizar a
agonia de assistir sua luta de chegar ao consultório e guardar as nossas forças
para os procedimentos que virão. Como sempre o odontologista, muito solícito e
com uma beatitude enganosa no sorriso, abre a porta e, com um rosto jovial e
gestos suaves, convida o paciente à sala de tortura - ou melhor, de
atendimento, para não adiantar nada -. Após ocupar a cadeira que faz qualquer
um tremer, o pobre homem se entrega aos cuidados (cuidados?) do profissional
que, após cobrir o peito do cliente com um guardanapo de papel, volta-lhe as
costas e, entrelaçando os dedos das mãos a fim de estalá-los ao mesmo tempo,
pergunta sobre o bem estar do mesmo. Numa agilidade indescritível, o
profissional volta-se para o paciente antes que o mesmo conseguisse murmurar
meia frase em resposta à pergunta do outro que, com um sorriso gentil, pede que
ele abra a boca, que, traduzido, quer dizer – pare de falar que eu preciso
trabalhar! – e, mais rápido do que esta tradução, entope a boca do infeliz com
uma infinidade de instrumentos. Outra manobra rápida faz o assento sofrer uma
inclinação de duzentos e setenta graus, o que quase contribui para a vítima
chutar a lâmpada instalada no teto da sala. Perdoem-me por não ter avisado
antes, caros leitores e leitoras, mas hoje assistiremos a um tratamento de
canal no dente canino superior esquerdo.
Depois de uma pasta colorida com sabor de
morango ser colocada na gengiva da região do dente, o habilidoso profissional,
com uma gentileza de fazer qualquer um chorar, fez trinta e seis aplicações
anestésicas no entorno do dente a ser cuidado. Cinco minutos depois, os quais
nosso amigo ficou com a boca aberta e os olhos em direção a uma lâmpada
extremamente luminosa, uma broca começou a perfurar o lado interno do dente. Um
cheiro de queimado invadiu o ambiente enquanto o dentista, divertindo-se em
abrir um túnel, perfurou - na imaginação do rapaz, não menos do que trinta
centímetros, o interior do dente até quase atingir o Sistema Nervoso Central -.
A seguir pegou uma pequena lima circular e a introduziu no túnel aberto, e, com
movimentos rápidos para cima e para baixo, começou a tratar o canal do dente.
De tempos em tempos trocava de lima, cada vez mais comprida e mais larga, a fim
de executar o serviço com precisão. A boca do rapaz já havia travada quando o
dentista deu por terminada este procedimento e passou ao próximo. Antes, porém,
despejou quarenta e cinco litros de água no local tratado a fim de limpá-lo
bem, só então permitindo que o nobre herói despejasse o líquido no reservatório
ao lado. O pobre levou mais de dois minutos para conseguir articular os
maxilares novamente, tempo esse que não foi perdido pelo exímio profissional
que preparava os novos equipamentos para a continuação do tratamento. Um barulho
vinda da direção do dentista deixou nosso sofredor em alerta. Era algo mais ou
menos assim: tchuuuuuuuuuuuuuu! Ao olhar assustado para a direção do som com os
cantos dos olhos, os mesmos ficaram arregalados ao perceber que o odontologista
segurava um maçarico na mão esquerda enquanto a direita segurava um espeto
curvo cuja ponta, acreditava o mísero refém, media cerca de 30 centímetros de
comprimento! Imediatamente os olhos espantados foram desviados para o rosto do doutor,
como que a lhe perguntar: ‘O que você vai fazer com isso?’. O outro, alheio à
preocupação deste, parecia apresentar um sorriso sinistro enquanto girava o
equipamento na chama até que sua ponta se tornou incandescente. Satisfeito com
o resultado o torturador virou-se para o paciente e, com o olhar, ordenou-lhe
que abrisse a boca. Este não estava disposto a atender a ordem, mas temendo que
o louco tocasse seus lábios com aquilo, fechou os olhos, agarrou firmemente com
as duas mãos os braços da poltrona, e entregou-se ao seu algoz. Este, com uma
precisão impressionante, para o alívio de todos, introduziu o ferro em brasas
no túnel do dente. Imediatamente a fumaça tomou conta do local. O cirurgião fez
vários movimentos que, segundo cálculos da vítima – por incrível que pareça ele
conseguiu calcular – ficou entre o brusco e o britante. Alguns segundos depois
o espeto foi retirado da abertura do dente e, antes que nosso infeliz
respirasse aliviado, um novo tchuuuuuuuu foi ouvido por ele. De repente o
paciente fixou sua atenção na parte de cima de seu nariz, pois acreditava que a
qualquer momento a ponta do instrumento incandescente apontaria ali. Para
poupá-lo do desconforto da descrição a operação foi repetida mais cinco vezes,
período em que o paciente criou a tese de que Mengele continuava vivo em algum
recanto do mundo e em plena atividade, treinando discípulos a fim de dar
continuidade aos seus trabalhos. Foi nesse intervalo também que o refém de tais
atos desumanos ouviu o som da sirene de carros do corpo de bombeiros que
circulavam pela região. Na certa, pensou ele, devem estar atrás da fumaça desta
operação!
Finalmente o dentista
sentiu-se satisfeito e tratou de desmontar seu ‘canteiro de obras’, o que deve
ter levado, pela concepção do paciente, exatos vinte e sete minutos, tamanha
era sua pressa de sair correndo dali. Antes de dispensá-lo o odontologista
perguntou com seu jeito solícito de sempre:
- Está tudo bem com você?
Roberto Policiano
2 Comments:
Sou sua fa querido escritor e amigo!
De longe desejo teu sucesso e torço pela tua felicidade!
Sim, estou bem e espero que vc tbém!
Sucesso e [arabéns pelo blog!
Bjos
Sheila Weber
Olá Sheila! Muito bom receber tua visita. Obrigado pela torcida. Estou bem, tentando um "cantinho" no mercado da psicologia. Estou na torcida por teu sucesso também. É uma alegria saber que os colegas de curso estão na caminhada e mantendo contato. Volte sempre! Um grande abraço.
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