Nove horas da manhã. Ele chegou ao
campinho, que nada mais era do que um terreno baldio, com a bola embaixo do
braço, se bem que, tecnicamente falando, não se podia chamá-la assim. O que
sobrara de uma pelota de couro fora apenas a parte de fora. A câmara,
responsável para mantê-la cheia de ar, há muito não existia, tendo sido
substituída por trapos que foram introduzidos a fim de mantê-la arredondada. Em
resultado da “manutenção” improvisada, mais conhecida no Brasil como gambiarra, ele
possuía algo com que jogar futebol. O lugar estava vazio. Não havia nenhum
companheiro para brincar com ele. Nada disso o incomodou, pois, de fato, ela já
sabia que seria assim. Vestido com apenas um calção e com os pés descalços,
chegou ao centro do terreno, onde depositou a redonda na marca que indicava o
centro - feita na hora ao girar o calcanhar contra o solo. Deu uma volta sem
pressa por toda a extensão do campinho a fim de livrá-lo de qualquer pedra ou
madeira que pudesse atrapalhar a partida. Quis achar quatro objetos idênticos
para montar as “traves”, mas, como era comum, não os encontrou, de modo que se
contentando com o que estava à disposição. Preparou o cenário para o espetáculo
e foi para o círculo central da arena. Esperou o trilhar imaginário do apito do
juiz e, dando um passe para si mesmo, deu início a partida que definiria o
campeão do torneio. Assim que recebeu a gorduchinha avançou alguns metros e
driblou um jogador do time adversário. A torcida em sua mente, que agora
superlotava as arquibancadas do estádio, gritou o seu nome ao mesmo tempo em
que aplaudia e fazia as bandeiras de seu time tremular, colorindo o lugar.
Aquela foi a primeira vítima de suas jogadas, pois, empolgado com o agito de
todos, ziguezagueou pelo território inimigo, passando por todos os adversários
e, matando a bola do peito, deu uma guinada, deixou o goleiro estatelado no
chão e estufou a rede com o poder do seu chute. 1 X 0! Rojões
riscaram o céu com fogo, seguido de um barulho ensurdecedor que durou vários
minutos, resultando, ainda, numa nuvem de fumaça que invadiu o espaço
imaginário do maior craque de futebol de todos os tempos do seu bairro.
A bola foi recolocada no centro do campo
novamente, e agora, o mesmo jogador, então no lado oposto e com outro nome,
esperava atentamente o reinício da partida para descontar o tento que levara. Assim
que o apito foi ouvido o craque, procurando superar o adversário, saiu em
disparada e, em menos de um minuto empatou o jogo, o que resultou na mudança
instantaneamente da cor do estádio com as bandeiras do outro time praticamente
cobrir o local da disputa. Nova queima de fogos, barulhos e fumaças, agora da
torcida rival, animava os espectadores. 1 X 1 - estava empatada a partida! A
emoção aflorava, pois ali estavam os melhores times decidindo o título daquele torneio.
A festa ainda acontecia quando o placar -
com jogadas tão espetaculares quando as primeiras - foi mudado para 2 X 1.
Depois de muitos dribles, gingadas,
bicicletas, lençóis, cabeçadas, pedaladas, peixinhos, pontes, e muitas
correrias e comemorações, o jogador estava com o corpo molhado de suor e
respirava com dificuldades por causa do cansaço e pelo esforço empreendido a
fim de garantir a vitória do jogo que, naquele momento, estava em 200 X 199,
faltando apenas um minuto para ser encerrado. O centroavante foi empurrado na
área e o juiz sinalizou penalidade máxima. Era a chance - a única - de empatar
a partida. O craque, embora exausto, colocou a bola na marca do pênalti,
apoio as mãos na cintura e encarou o goleiro, que abriu bem os braços a fim de
diminuir o espaço entre ele e os travessões, dificultando assim seu adversário.
Ao ouvir o apito soar o atacante deu três passos para trás, correu, e, girando o corpo
para confundir o goleiro, chutou a redonda do canto esquerdo, que passou
raspando na trave. Estava empatada a partida!
Não se contendo em si de tão contente o campeão, ovacionado pela torcida, foi
até o fundo da rede, pegou a bola, sustentou-a com as duas mãos acima da
cabeça, e correu por várias vezes a extensão do campo comemorando com a torcida
enlouquecida, que não parava de tremular as bandeiras e gritar pelo nome do
herói. E a partida do século terminou empatada em duzentos a duzentos. Num jogo
daquele não havia vencedor nem derrotado. Debaixo dos mais efusivos aplausos o
menino, exaurido com tanto esforço, saiu correndo com a gorduchinha debaixo do
braço, atravessou a rua, jogou a pelota perto do tanque de roupas, , e entrou no banheiro a fim de tomar banho para ir à escola.
Roberto Policiano