Roberto Policiano

25 de dez. de 2013

Linha do tempo - II




Cinquenta e quatro, compadre,

Foi pro buraco,

Puxes as calças

E apertes o cinto,

Tu já tens cinquenta e cinco.

Cinquenta e cinco, compadre,

Cinquenta e cinco,

Puxes as calças

E apertes o cinto

Tu já tens cinquenta e cinco.

 

Eu falo sério compadre,

Nisso eu não brinco,

Passes as calças

E acertes o vinco,

Tu já tens cinquenta e cinco.

Cinquenta e cinco, compadre,

Cinquenta e cinco,

Passes a calças

E acertes o vinco,

Tu já tens cinquenta e cinco.

 

Abandones esta aventura,

Compadre,

Nada de pulseira e brinco,

É melhor ficares na tua,

Compadre,

Tu já tens cinquenta e cinco.

Cinquenta e cinco, compadre,

Cinquenta e cinco,

É melhor ficares na tua,

Compadre,
 

Tu já tens cinquenta e cinco.

 

Vá fazer academia

Compadre,

E cuides da autonomia,

Com ferro nitrato e zinco

Compadre,

Tu já tens cinquenta e cinco,

Cinquenta e cinco, compadre,

Cinquenta e cinco,

Com ferro nitrato e zinco

Compadre,

Tu já tens cinquenta e cinco.


Roberto Policiano

18 de dez. de 2013

Linha do tempo - I




Eu não falo por zoeira

Nem tampouco é desacato

Mas é bom que não te esqueças, meu velho,

Tu já tens cinquenta e quatro.

Cinquenta e quatro, meu velho,

Cinquenta e quatro,

Mas é bom que não te esqueças, meu velho,

Tu já tens cinquenta e quatro.

 

Não te faças de garoto

Nem de menininho incauto

É melhor que tu te lembres, meu velho,

Tu já tens cinquenta e quatro.

Cinquenta e quatro, meu velho,

Cinquenta e quatro,

É melhor que tu te lembres, meu velho,

Tu já tens cinquenta e quatro.

 

Deixes esta vida de nóia

Largues logo este barato

Não caias nesta tramóia, meu velho,

Tu já tens cinquenta e quatro.

Cinquenta e quatro, meu velho,

Cinquenta e quatro,

Não caias nesta tramóia, meu velho,

Tu já tens cinquenta e quatro.

 

Abandones esta manguaça

Que só te deixas de quatro

Corras já desta desgraça, meu velho,

Tu já tens cinquenta e quatro.

Cinquenta e quatro, meu velho,

Cinquenta e quatro,

Corras já desta desgraça, meu velho,

Tu já tens cinquenta e quatro.

Roberto Policiano
 

11 de dez. de 2013

Escultura



 
O escultor trabalhava animado, pois percebia que aquele trabalho era, na realidade, uma obra prima – um cavalo empinado com a crina esvoaçada pelo vento. Ficava extasiado à medida que a peça ia ganhando forma. Inebriava-se com cada detalhe adicional acrescentado. Quando a escultura ficou pronta não cansava de admirar sua própria obra. Manteve-a em destaque em seu atelier, sempre cuidando para eliminar qualquer poeira que se atrevesse a pousar sobre ela. Sua intenção era ficar com ela, mas outro admirador de arte, encantado com a grandiosidade da obra, ofertou por ela um valor irrecusável, principalmente em vista da situação financeira do artista que, com os olhos rasos d’água, entregou o cavalo ao comprador. Este, após admirar incansavelmente a primorosa peça durante duas semanas, tomando o mesmo cuidado adotado pelo artista, mandou que a mesma fosse embalada bela e ricamente, pois comprara para presentear a um amigo bastante achegado. O felizardo, depois de efusivos agradecimentos, pegou a peça de arte com cuidado e a depositou numa redoma de vidro que estava, por sua vez, num pedestal dourado na sala de estar. No entanto, assim que o amigo deixou o ambiente, o cavalo foi retirado da posição de destaque e entregue para ser colocado no depósito de coisas inservíveis onde ficou esquecido por muito tempo em uma prateleira. Anos depois foi descartado e enviado a uma loja de objetos usados onde fora colocado entre outras quinquilharias. Com o passar do tempo ganhou camadas e mais camadas de poeira até que seu brilho foi ofuscado pelo descuido e abandono. Quem via aquele objeto  entre tantos outros jamais conseguiria enxergar a sua história. Mas um senhor que passou por lá o avistou. Sua visão, embora já turva pela idade, percebeu imediatamente o valor da peça. Entrou até a loja e, disfarçando seu interesse, perguntou os preços de várias coisas que estavam expostas, até chegar ao cavalo. Admirou-se ao saber do preço e, sem perder tempo, comprou-o. Caminhou apressadamente, não obstante sua idade. Um não sei quê de felicidade apoderou-se dele. Ao chegar a casa desembrulhou a obra com cuidado e imediatamente começou a restaurá-la. Limpou cuidadosamente cada milímetro até livrá-la do pó acumulado de todos os anos. Pegou uma lixa extremamente fina e deslizou-a delicadamente sobre a peça sem nenhuma pressa. Depois de vários dias de trabalho paciente colocou a escultura sobre as palmas de suas mãos e, erguendo os braços, girou a obra vagarosamente até perscrutar cada ponto dela. Sorriu satisfeito. Colocou-a num lugar especial em sua sala de estar e, depois de acariciá-la cuidadosamente com uma flanela, sentou-se em sua poltrona e ficou um bom tempo a admirá-la.


Roberto Policiano

4 de dez. de 2013

Viagem Colorida



É manha e, não importa se o céu está nublado, negro, cinzento, azulado, branco ou dourado pelo nascer do sol, lá vai ele descendo e subindo em seu trajeto até alcançar a estação de trem de onde começará a sua viagem.

Já acomodado no corredor do trem e espremido entre tantos outros passageiros, segue em destino ao seu local de trabalho com os olhos cheios das imagens que vê dentro e fora do trem, os ouvidos zunindo com as conversas dos passageiros, as narinas impregnadas dos odores do ambiente e a cabeça repleta de pensamentos que o mantém longe dali, talvez numa tentativa de tornar mais suportável a viagem.

De repente sua atenção é voltada para um dos muitos cartazes expostos no interior daquele meio de transporte e, como consequência disso, chega a uma descoberta que muda de foco suas idas e vindas. Ao olhar o mapa das linhas de trens e de metrôs, com os trajetos coloridos entrecortando-se em vários pontos da cidade, nota, pela primeira vez - o que o surpreende mais ainda - que seu trajeto é feito como que nas ondas do arco-íris. Pois ele inicia sua viagem na linha esmeralda, cruza com a lilás, transfere-se para a amarela que, por sua vez, intercepta as linhas verde e vermelha até chegar ao entroncamento das linhas coral, rubi e azul, embarcando na última onde termina a sua trajetória.

Seu itinerário continuou o mesmo desde tal descoberta, é verdade, mas ninguém pode negar que a partir de então ganhou um colorido a mais!


 
Roberto Policiano