Roberto Policiano

19 de mar. de 2014

Feijões



Quando dona Naná ia escolher feijões todos já sabiam e abriam espaço para ela trabalhar tranquila. A mesa era limpa e desinfetada em toda a sua extensão, pois era ali que os grãos passariam por uma rigorosa escolha. Depois de muito bem enxaguadas as sementes eram despejadas cuidadosamente numa vasilha de plástico. Outro recipiente era colocado ao lado direito para receber os alimentos selecionados. Depois de sintonizar o rádio em sua estação preferida, a cozinheira colocava uma almofada na cadeira e após  se ajeitar confortavelmente começava a pegar cada unidade do alimento a fim de fazer uma verdadeira varredura em toda a superfície dela a fim de achar qualquer mácula que a eliminasse como comestível. Passado pelo teste era colocado no espaço dos aprovados. O processo se repetia até o último elemento! A parte rejeitada era descartada imediatamente, ao passo que os aprovados passavam por uma lavagem minuciosa e eram deixados de molhos por um período de tempo. Enquanto isso os temperos eram preparados com o mesmo cuidado. A panela de pressão já estava com a quantidade de água suficiente e na temperatura exata quando os feijões escorridos eram colocados ali e deixados a esquentar até que levantasse fervura. Então a panela era fechada e o alimento cozido. O aroma invadia todo o recanto da casa e traziam todos à mesa. As expressões dos comensais denunciavam a satisfação dos convidados. O assunto girava em torno da qualidade e do sabor daquela delícia feita com tanto capricho.

Em outra casa não muito longe dali os feijões também fervilhavam na panela. Neste caso, porém, a cozinheira estava revoltada com a quantidade de sujeira que teve que retirar ao preparar a refeição. 'Aquilo era um desperdício, ou melhor, um roubo', esbravejava a mulher. Há muito ela desconfiava que propositadamente se colocavam pedrinhas e outras coisas para diminuir a quantidade do produto, tanto é que, previdente como se achava, passou a guardar “a prova do roubo” para mostrar a quem quisesse. O que ela não percebia é que ninguém queria ver ou ouvir a respeito. Seu feijão, com respeito à qualidade e ao sabor, nada ficava a dever ao primeiro. Aliás, só para ficar registrado, as duas senhoras compravam o mesmo produto e no mesmo lugar, de modo que eram os mesmos! Embora delicioso, não havia prazer em degustar o alimento, tanta era a ênfase às escórias que se achavam na embalagem.


Roberto Policiano