Feijões
Quando dona Naná ia escolher feijões todos
já sabiam e abriam espaço para ela trabalhar tranquila. A mesa era limpa e
desinfetada em toda a sua extensão, pois era ali que os grãos passariam por uma
rigorosa escolha. Depois de muito bem enxaguadas as sementes eram
despejadas cuidadosamente numa vasilha de plástico. Outro recipiente era
colocado ao lado direito para receber os alimentos selecionados. Depois de
sintonizar o rádio em sua estação preferida, a cozinheira colocava uma almofada
na cadeira e após se ajeitar confortavelmente começava a pegar cada unidade
do alimento a fim de fazer uma verdadeira varredura em toda a superfície dela a fim de
achar qualquer mácula que a eliminasse como comestível. Passado pelo teste era
colocado no espaço dos aprovados. O processo se repetia até o último elemento!
A parte rejeitada era descartada imediatamente, ao passo que os aprovados
passavam por uma lavagem minuciosa e eram deixados de molhos por um período de
tempo. Enquanto isso os temperos eram preparados com o mesmo cuidado. A panela
de pressão já estava com a quantidade de água suficiente e na temperatura exata
quando os feijões escorridos eram colocados ali e deixados a esquentar até que
levantasse fervura. Então a panela era fechada e o alimento cozido. O aroma
invadia todo o recanto da casa e traziam todos à mesa. As expressões dos
comensais denunciavam a satisfação dos convidados. O assunto girava em torno da qualidade e do sabor daquela delícia feita com tanto capricho.
Em outra casa não muito longe dali os
feijões também fervilhavam na panela. Neste caso, porém, a cozinheira estava
revoltada com a quantidade de sujeira que teve que retirar ao preparar a
refeição. 'Aquilo era um desperdício, ou melhor, um roubo', esbravejava a mulher.
Há muito ela desconfiava que propositadamente se colocavam pedrinhas e outras coisas para diminuir a
quantidade do produto, tanto é que, previdente como se achava, passou a guardar
“a prova do roubo” para mostrar a quem quisesse. O que ela não percebia é que
ninguém queria ver ou ouvir a respeito. Seu feijão, com respeito à qualidade e
ao sabor, nada ficava a dever ao primeiro. Aliás, só para ficar registrado, as
duas senhoras compravam o mesmo produto e no mesmo lugar, de modo que eram os
mesmos! Embora delicioso, não havia prazer em degustar o alimento, tanta era a
ênfase às escórias que se achavam na embalagem.
Roberto Policiano
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