Roberto Policiano

25 de set. de 2006

Crueldade

Já corri os seis quilômetros;
Vou beber três litros d’água;
Vou tomar um isotônico
E comer uma salada.

Quem sabe dentro de um mês
Fazendo este esforço diário
Eu perca dois quilos ou três
Cumprindo o meu calendário.

Mas quando deixava o clube
Acreditar no que via eu não pude;
Uma mulher que sabia ser a tal
Exibia o seu corpo escultural.

Busto, pernas, quadril, cintura,
Estavam em suas medidas exatas.
Rosto, cabelos, perfeita estatura;
Tudo nela tinha uma beleza nata!

E, enquanto exibia seus dotes pomposos,
Sustentavam, os seus dedos mimosos,
Um grande e delicioso pastel.
Ah! Como essa vida é cruel!

Roberto Policiano

18 de set. de 2006

Prima Cotinha


A prima Cotinha é uma pessoa bondosa. Extremamente bondosa. Irritantemente bondosa! Certa vez, enquanto ajudava em alguns consertos na casa de sua mãe, tive o desprazer de conhecer sua bondade de perto. O sol estava causticante. Enquanto carregava umas madeiras fui interpolado por ela, que insistiu que eu colocasse a madeira no chão naquele exato momento para tomar um suco geladinho que acabara de fazer.
- Vou deixar as madeiras perto da cerca e já volto.
- Não! aproveite que o suco esta geladinho e tome-o agora!
- Mas a cerca fica a cinco metros daqui!
- Não tem importância! Tome o suco agora.
- Depois vai dar mais trabalho de recolher a madeira.
- Não tem problema, eu te ajudo.
- Mas...
- Tome o suco agora, menino, deixe de ser teimoso!
Fui obrigado a tomar o suco! Cumprindo o prometido, ele ajudou-me com as madeiras. Ao pegar uma delas, espetei um dos dedos. Um fio quase que imperceptível de sangue minou da ferida. Antes que eu esboçasse qualquer reação, a prima já estava com o meu dedo em sua boca para, dizia ela enquanto deixava meu dedo em um dos cantos da boca a fim de conseguir falar, sugar o sangue mal. Depois deste primeiro atendimento, arrastou-me, isso mesmo, arrastou-me até a sala para fazer um curativo.
- Não precisa fazer nenhum curativo, Cotinha, é só um furinho de nada!
- Melhor remediar! Melhor remediar! Seu Anacleto perdeu um pé por não cuidar de um ferimento só porque ele achou que não fosse nada!
- Mas ele furou o pé num prego enferrujado!
- Vai saber onde esta madeira já esteve! Melhor remediar! Melhor remediar!
Não tive outro remédio a não ser deixar ela remediar o furinho do meu dedo. Meia hora depois fui liberado por ela para voltar ao trabalho, não antes de tomar dois copos de água fresca para enfrentar o calor! Quinze minutos depois, quando pensei que havia me livrado dela, quando me abaixava para pegar mais algumas madeiras, senti uma mão segurar fortemente a minha. Era ela averiguando o curativo para, em sendo necessário, trocá-lo. Deu trabalho convencê-la que o curativo ainda protegia o ferimento! Menos de vinte minutos depois, passei por uma nova inspeção. Desta vez não teve como escapar, e lá fui eu arrastado pela bondosa prima para um outro curativo. Ao sair tive que ouvir várias recomendações para não me ferir e, para me hidratar, fui obrigado a tomar mais água.
Fui salvo pelo almoço. Ou melhor, achei que tinha sido salvo, até descobrir quem sentaria perto de mim à mesa! Felizmente o almoço estava delicioso. Comi como um leão! Virei à minha direita e pedi para o tio Astolpho colocar mais um pouco de suco em meu copo. Quando me ajeito na mesa deparo com o meu prato montado e o olhar de bondade da prima Cotinha, que, confesso, já estava odiando, deitado sobre o meu.
- O serviço é pesado e você não está acostumado. É melhor se alimentar bem.
- Mas Cotinha, eu já comi bem!
- Engano seu primo, em uma hora você vai gastar o que comeu. Escute o que estou falando e coma mais este pouquinho de comida. Você vai precisar desta energia.
Fui obrigado a escutá-la
Reiniciar o trabalho com toda aquela comida no estômago fui difícil. Comi tanto que andava encurvado! Procurei um lugar retirado e fui executar um outro serviço. Pretendia ficar longe da prima, se possível a tarde inteira. Não foi possível. Menos de uma hora depois ela me encontrou e, bondosa como ela era, vinha acompanhada com uma jarra de água fresquinha! Pretendia tomar a água em pé mesmo, mas ela me fez sentar num tronco que estava deitado em baixo de uma árvore, cuja copa fornecia uma sombra agradável. Quis levantar-me assim que matei a sede, mas ela, segurando-me pelo braço, obrigou-me a descansar por dez minutos antes de reiniciar o trabalho. Ao me dirigir para o local do trabalho, enrosquei o pé num arbusto e perdi o equilíbrio. Antes de sequer pensar em equilibrar-me novamente, senti o braço protetor da prima enlaçar o meu corpo. Perdi a cabeça! Deitei no chão e chorei de raiva por tanta bondade. Então a ouço dizer:
- É este trabalho infernal neste sol causticante que o deixou estressado!
E, dando uma batidinha em meus ombros, falou com a voz mais angelical que eu já ouvira desde então:
- Não se preocupe que eu vou fazer um chazinho de camomila pra te acalmar.
Levantei num pulo e corri os sete quilômetros que separavam minha casa daquele lugar! Sentei no sofá para descansar da corrida, tomei um banho frio, e fui para cama.
No dia seguinte, seis horas da manhã, ao abrir os olhos, deparei-me com ela sentada ao lado da minha cama.
- Está melhor agora?
- Respondi com um sorriso sem graça e um balançar de cabeça.
- Trouxe o seu chazinho!


Roberto Policiano

11 de set. de 2006

Último desejo

Careço de um beijo;
De um beijo apaixonado.
Pode ser seco ou molhado
Só não pode ser roubado.

Deve ser um beijo genuíno
Que faz do coração um tambor.
Tem de ser com muito amor,
Fazendo, do homem, um menino.

Pode ser simples ou complexo,
Elaborado ou comum.
Não importa se lógico ou sem nexo,
Mas que tenha gosto de mais um.

Pode ser, por exemplo,
À flor da pele.
Nossos corpos apenas se tocam;
Nossos braços nos enlaçam
Sem, no entanto, nos apertar;
Apenas roçam nossas costas.
E nossos lábios apenas se encostam.

Pode ser, também, apertado;
Nossos corpos amalgamados
numa só massa;
Nossos corações unidos
Fazendo um dueto de percussão,
Enquanto nossos lábios esmagados
Dificultam a respiração.

Ou um beijo sem qualquer contato.
Nós inclinamos nossos corpos;
Nossos lábios apenas se tocam
E mutuamente se roçam.

Quem sabe um beijo Hollywoodiano!
Nos avistarmos de longe;
Corremos ao encontro um do outro;
Você pula no ar e,
Ao sustentá-la pela cintura,
Giramos suavemente enquanto
Nossos lábios se encontram.

Ou, talvez, um beijo litorâneo.
Nos encontramos na praia;
Você corre ao meu encontro;
Os braços estirados para frente;
O vento batendo em seu rosto;
Os cabelos soprados para trás;
No encontro você pula,
Prende as pernas na minha cintura,
Enlaça meu pescoço,
E sufoca-me com um beijo apaixonado.

Por que não um beijo circense?
Eu em um trapézio
Você em outro;
Os trapézios se balançam;
Nós, de pé sobre eles,
Esperamos o momento exato.
Com o vento soprando nossos cabelos
Nos atiramos no vazio
E nos abraçamos.
E, enquanto caímos na rede,
Nos beijamos no ar.

Beijo balé existe?
Se não, podemos criar.
Nós dois rodopiando;
Os braços esticados acima da cabeça;
Nos encontramos no centro,
Um do lado do outro.
Você apóia as costas em meus braços,
Inclina o corpo para trás,
Inclino meu corpo em direção ao seu.
De repente levantamos num pulo
E, rodopiamos em sentidos contrários,
Paramos lentamente um ao lado do outro.
Graciosamente nos ajoelhamos;
Nos abraçamos;
E terminamos o espetáculo com um beijo.

Não interessa que beijo seja.
Pode ser simples ou complexo,
Elaborado ou comum.
Não importa se lógico ou sem nexo,
Mas que tenha gosto de mais um.

Seja que estilo for,
Só quero que seja apaixonado.
Não pode ser por piedade,
Nem pode ser por obrigação,
Tem de ser um beijo de verdade,
Bastante carregado de emoção.

Ao receber um beijo destes
Não precisarei de mais nenhum,
Pois a emoção será tão grande
Que não suportarei a dose,
E, com um sorrindo nos lábios,
Morrerei, feliz, de overdose!


Roberto Policiano

4 de set. de 2006

Encontros com o mar


Depois de tanto tempo lá estava eu a encará-lo frente a frente. Ainda era cedo, cerca de oito horas da manhã. A praia estava praticamente deserta. Dei alguns passos em direção ao mar e parei. As ondas morriam em meus pés. Há muito esperava por este novo encontro. Os dias anteriores foram de expectativas. Agora era eu e ele. Caminhei mais alguns passos. As águas alcançavam os meus joelhos. Parei. Estranhei o mar. Parecia diferente. Seu murmúrio, tantas vezes mencionado pelos poetas, parecia me irritar. Soava-me mais como um ralhar rabugento. Não sei se foi impressão minha, mas acho que ele pressentiu meus sentimentos, pois tive a sensação que ele se incomodava com a minha presença. Alguns siris, talvez a mando dele, começaram a mordiscar meus pés numa tentativa de me intimidar. Revidei imediatamente por caminhar ainda mais em sua direção. Suas águas atingiram a altura dos meus peitos. Ele, mostrando que não estava para brincadeira e não iria aceitar nenhuma afronta, criou uma onda e lançou-a em minha cabeça. “Traiçoeiro!”, pensei. “Pensas que me metes medo? Qual o quê! És grande, mas não és dois! Tudo bem que tens outros irmãos, mas Atlântico é só você”. O mar, como que adivinhando meu insulto, criou uma onda maior ainda e despejou-a sobre mim que, como não esperava por isso, me desequilibrei e fui arrastado até suas margens. Ele, atrevido, encharcou os meus ouvidos! Levantei furioso e caminhei com destemor até o lugar do confronto. Uma nova onda quebrou violentamente em minhas costas. Senti como se tivesse levado uma bofetada do mar.
Como uma semana passa depressa! Em apenas algumas horas retornaria para casa. Cheguei cedo – sete horas da manhã. Queria passar estes últimos momentos junto do meu grande amigo – o mar. Assim que pisei em suas águas, senti os siris roçar meus pés, numa gentil demonstração de boas vindas. Seu marulho era tão calmante que, ao ouvi-lo, apoderou-me uma sensação de paz. Caminhei lentamente em sua direção. Quando suas águas atingiram a altura dos meus peitos, o mar, numa atitude amigável, criou uma onda para massagear minhas costas. Mergulhei em suas águas. Após minha emersão uma seqüência de ondas rebentou em minhas costas. Era como se ele me acariciasse.
Depois deste encontro de despedida, saí dele sentindo a alma lavada!
É... Eu precisava destas férias!
Roberto Policiano