28 de jul. de 2008
21 de jul. de 2008
Cara a Cara
Acordou com uma sensação estranha. Parecia que lhe faltava alguma coisa, embora não soubesse precisar o quê. Enquanto a água morna do banho percorria seu corpo, sentiu um vazio incomum. O que é isso? pensou. À mesa, enquanto comia apressadamente, como fazia todos os dias, percebera que levara consigo aquele sentimento estranho. Antes de sair foi até o espelho do quarto para inspecionar sua aparência. Assustou-se com o que viu. Sua imagem estava com os braços cruzados e uma cara desse tamanho. Antes de recuperar-se da surpresa ouviu sua imagem dizer:
- Sabe o que é essa sensação de vazio?
Olhou para trás a fim de encontrar quem lhe dirigia a palavra.
- Sou eu mesmo que estou falando - a sua própria imagem.
- Mas... como?
- Como isso aconteceu não importa nada aqui, mas, sim, por que isso aconteceu.
- O que você, ou eu, sei lá, quer dizer com isso? O que está acontecendo comigo? Estou falando com minha própria imagem.
Examinou cuidadosamente em volta do espelho pensando tratar-se de um truque.
- Como sempre você não quer acreditar, não é verdade?
- Mas o que está acontecendo aqui? perguntou num tom que evidenciava pavor.
- Se tiver um pouco de paciência posso lhe explicar.
- Que paciência que nada, preciso correr senão me atraso.
- Esse é o seu problema. Vive correndo tanto que nem tem mais tempo para você. Esse vazio que lhe incomoda é saudade. E sabe de quem? De você! Pare e pense um pouco, só um pouco, por favor. Aonde chegará com essa pressa? Faça uma reflexão e contabilize, se conseguir, quanto tempo tem reservado para você. Sua ocupação é tanta, seus compromissos são tantos, tem corrido tanto para...
- Sinto muito, mas não posso esperar mais. Outro dia a gente conversa.
Saiu correndo para não perder a hora. Nem reparou nas lágrimas que rolaram no rosto de sua própria imagem.
- Sabe o que é essa sensação de vazio?
Olhou para trás a fim de encontrar quem lhe dirigia a palavra.
- Sou eu mesmo que estou falando - a sua própria imagem.
- Mas... como?
- Como isso aconteceu não importa nada aqui, mas, sim, por que isso aconteceu.
- O que você, ou eu, sei lá, quer dizer com isso? O que está acontecendo comigo? Estou falando com minha própria imagem.
Examinou cuidadosamente em volta do espelho pensando tratar-se de um truque.
- Como sempre você não quer acreditar, não é verdade?
- Mas o que está acontecendo aqui? perguntou num tom que evidenciava pavor.
- Se tiver um pouco de paciência posso lhe explicar.
- Que paciência que nada, preciso correr senão me atraso.
- Esse é o seu problema. Vive correndo tanto que nem tem mais tempo para você. Esse vazio que lhe incomoda é saudade. E sabe de quem? De você! Pare e pense um pouco, só um pouco, por favor. Aonde chegará com essa pressa? Faça uma reflexão e contabilize, se conseguir, quanto tempo tem reservado para você. Sua ocupação é tanta, seus compromissos são tantos, tem corrido tanto para...
- Sinto muito, mas não posso esperar mais. Outro dia a gente conversa.
Saiu correndo para não perder a hora. Nem reparou nas lágrimas que rolaram no rosto de sua própria imagem.
Roberto Policiano
14 de jul. de 2008
Perdão, Minas Gerais
Confesso - Sou culpado.
Resolvi, nesta poesia,
Admitir meu pecado,
O meu ato de heresia.
Fui eu que de Minas subtraiu
Alguns gramas do seu torrão.
Meu amor por essa terra me traiu.
Engodou-me o meu próprio coração.
Paresse que em minhas veias se encerra
Sangue de soldados audazes,
Pois roubei um bocado de terra
Do centro da cidade de Cataguases.
Não contendo este impulso doentio,
Fui, à noite, de surdina,
E tirei, às margens de um rio,
Um pedaço de Leopoldina.
Quando o sol a pino afugentava
Pessoas de todas as idades,
Em Tebas meu erro aumentava
Ao levar uma lasca daquela cidade.
Em Piacatuba aumentei meu delito
De roubo de terras mineiras
Quando levei daquele distrito
Solo de entre duas paineiras.
Em Argirita eu agi
Seguindo meu plano à risca.
Daquelas terras eu subtraí
Um naco sem dar na vista.
Para aumentar meu pecado
Um impulso de última hora
Fez-me roubar um bocado
De terra de Juiz de Fora.
Com a prova do meu pecado
Junto com minha bagagem,
Com um tiquim de Minas roubado,
Inicio a minha viagem.
Peço a alguém que me leve
De volta para o meu estado
E, deixando Minas mais leve,
Volto um pouco mais pesado!
Quero deixar aqui registrado
Minha confissão a nível nacional.
Admito diante dos magistrados -
Cometi um crime passional.
É que, do meu ponto de vista,
Olhando o assunto por inteiro,
Eu também sou mineiro, uai!
Pois em minhas veias paulistas
Corre o sangue mineiro
Que um dia herdei de meus pais!
Resolvi, nesta poesia,
Admitir meu pecado,
O meu ato de heresia.
Fui eu que de Minas subtraiu
Alguns gramas do seu torrão.
Meu amor por essa terra me traiu.
Engodou-me o meu próprio coração.
Paresse que em minhas veias se encerra
Sangue de soldados audazes,
Pois roubei um bocado de terra
Do centro da cidade de Cataguases.
Não contendo este impulso doentio,
Fui, à noite, de surdina,
E tirei, às margens de um rio,
Um pedaço de Leopoldina.
Quando o sol a pino afugentava
Pessoas de todas as idades,
Em Tebas meu erro aumentava
Ao levar uma lasca daquela cidade.
Em Piacatuba aumentei meu delito
De roubo de terras mineiras
Quando levei daquele distrito
Solo de entre duas paineiras.
Em Argirita eu agi
Seguindo meu plano à risca.
Daquelas terras eu subtraí
Um naco sem dar na vista.
Para aumentar meu pecado
Um impulso de última hora
Fez-me roubar um bocado
De terra de Juiz de Fora.
Com a prova do meu pecado
Junto com minha bagagem,
Com um tiquim de Minas roubado,
Inicio a minha viagem.
Peço a alguém que me leve
De volta para o meu estado
E, deixando Minas mais leve,
Volto um pouco mais pesado!
Quero deixar aqui registrado
Minha confissão a nível nacional.
Admito diante dos magistrados -
Cometi um crime passional.
É que, do meu ponto de vista,
Olhando o assunto por inteiro,
Eu também sou mineiro, uai!
Pois em minhas veias paulistas
Corre o sangue mineiro
Que um dia herdei de meus pais!
Roberto Policiano
7 de jul. de 2008
Galo Timba
Eu me lembro dele quando ainda era um galeto. Quando, estufando seu peito, ensaiava seus primeiros cantos, que mais pareciam esforços para se desengasgar, com um pio quase inaudível no final, mas isso o fazia se sentir um tenor. Já naquela época ele andava com ar de majestade, balançando a cabeça de um lado para o outro, como que vigiando o terreiro a fim de expulsar qualquer intruso que tentasse invadir seu espaço. A fim de assegurar sua posição, escolheu a parte mais alta do poleiro e andava para lá e para cá com o peito estufado e o ar imponente, avisando, desse modo, que aquela posição era dele. Voltava àquele lugar umas 17 vezes ao dia no intuito de manter qualquer concorrente fora dali, só descendo ao terreiro para encher o papo e fazer sua costumeira ronda, visto que se achava o guardião do espaço. Foi naquele poleiro que ensaiou exaustivamente seu canto, que evoluiu desde o pio inaudível da primeira tentativa até a um verdadeiro canto de um galo que, para provar que era ele que mandava no terreiro, saiu assim: ‘Eu que sou o rei aquiiiiiiiiiiii!’ É, ele já não era um simples galeto, mas um jovem galo adulto, que recebeu o nome de Galo Timba em reconhecimento de sua posição régia. Galo Timba, cumprindo seu papel de rei, vigiava seu terreiro com autoridade, exigindo que o terreiro, e todos nele, estivessem sempre de acordo com as suas normas. Não era necessário manter a mesma guarda do seu poleiro, pois todos respeitavam seu lugar predileto, não havendo quem se atrevesse a colocar os pés indevidos ali, pois sabiam que o resultado seria terrível. Assim, Galo Timba só ocupava seu poleiro à noite, para dormir, ou em algumas tardes calorentas, pois o local era protegido pela sombra. Quando estava em seu poleiro, de posse de sua posição máxima, Galo Timba enchia o peito, batia as asas, e cantava alto: ‘Eu sou o rei aquiiiiiiiiiii!’ Às vezes, trocando o canto, mas sem trocar a mensagem, cantava assim: ‘Quem manda aqui sou eeeeeeeeeeu!’ ou assim: ‘Sou eu que mando aquiiiiiiiiii!’ ou ainda: ‘Este terreiro é meeeeeeeeeu!’ E por um bom tempo Galo Timba reinou absoluto em seu terreiro. Mas o tempo, inclemente, venceu Galo Timba sem que ele se apercebesse disso. Hoje Galo Timba arrasta as asas porque não consegue mais sustentá-las. Anda de cabeça erguida para não arrastar o bico no chão. Já não percorre o terreiro a fim de assustar intrusos, pois suas pernas cambaleiam. Há tempos não sobe em seu poleiro para entoar seu canto a fim de avisar quem manda ali. Prefere ficar num lugarzinho que achou junto ao tronco da mangueira onde fica deitado o tempo todo. Dali, forçando a vista, viu o galeto Dico, num atrevimento sem tamanho, invadir o poleiro exclusivo do rei do terreiro. Mais do que isso, Dico andou de um lado ao outro do poleiro, bateu suas asas e, numa atitude ousada, ensaiou seu primeiro canto, que nada mais foi do que um quase inaudível pio. Galo Timba nem se importou. Ajeitou-se confortavelmente na terra quentinha e colocou a cabeça sob sua asa, preparando-se para passar a tarde cochilando. No fundo o velho Galo Timba sabia que já não era mais o rei do terreiro.
Roberto Policiano