Roberto Policiano

7 de jul. de 2008

Galo Timba


Eu me lembro dele quando ainda era um galeto. Quando, estufando seu peito, ensaiava seus primeiros cantos, que mais pareciam esforços para se desengasgar, com um pio quase inaudível no final, mas isso o fazia se sentir um tenor. Já naquela época ele andava com ar de majestade, balançando a cabeça de um lado para o outro, como que vigiando o terreiro a fim de expulsar qualquer intruso que tentasse invadir seu espaço. A fim de assegurar sua posição, escolheu a parte mais alta do poleiro e andava para lá e para cá com o peito estufado e o ar imponente, avisando, desse modo, que aquela posição era dele. Voltava àquele lugar umas 17 vezes ao dia no intuito de manter qualquer concorrente fora dali, só descendo ao terreiro para encher o papo e fazer sua costumeira ronda, visto que se achava o guardião do espaço. Foi naquele poleiro que ensaiou exaustivamente seu canto, que evoluiu desde o pio inaudível da primeira tentativa até a um verdadeiro canto de um galo que, para provar que era ele que mandava no terreiro, saiu assim: ‘Eu que sou o rei aquiiiiiiiiiiii!’ É, ele já não era um simples galeto, mas um jovem galo adulto, que recebeu o nome de Galo Timba em reconhecimento de sua posição régia. Galo Timba, cumprindo seu papel de rei, vigiava seu terreiro com autoridade, exigindo que o terreiro, e todos nele, estivessem sempre de acordo com as suas normas. Não era necessário manter a mesma guarda do seu poleiro, pois todos respeitavam seu lugar predileto, não havendo quem se atrevesse a colocar os pés indevidos ali, pois sabiam que o resultado seria terrível. Assim, Galo Timba só ocupava seu poleiro à noite, para dormir, ou em algumas tardes calorentas, pois o local era protegido pela sombra. Quando estava em seu poleiro, de posse de sua posição máxima, Galo Timba enchia o peito, batia as asas, e cantava alto: ‘Eu sou o rei aquiiiiiiiiiii!’ Às vezes, trocando o canto, mas sem trocar a mensagem, cantava assim: ‘Quem manda aqui sou eeeeeeeeeeu!’ ou assim: ‘Sou eu que mando aquiiiiiiiiii!’ ou ainda: ‘Este terreiro é meeeeeeeeeu!’ E por um bom tempo Galo Timba reinou absoluto em seu terreiro. Mas o tempo, inclemente, venceu Galo Timba sem que ele se apercebesse disso. Hoje Galo Timba arrasta as asas porque não consegue mais sustentá-las. Anda de cabeça erguida para não arrastar o bico no chão. Já não percorre o terreiro a fim de assustar intrusos, pois suas pernas cambaleiam. Há tempos não sobe em seu poleiro para entoar seu canto a fim de avisar quem manda ali. Prefere ficar num lugarzinho que achou junto ao tronco da mangueira onde fica deitado o tempo todo. Dali, forçando a vista, viu o galeto Dico, num atrevimento sem tamanho, invadir o poleiro exclusivo do rei do terreiro. Mais do que isso, Dico andou de um lado ao outro do poleiro, bateu suas asas e, numa atitude ousada, ensaiou seu primeiro canto, que nada mais foi do que um quase inaudível pio. Galo Timba nem se importou. Ajeitou-se confortavelmente na terra quentinha e colocou a cabeça sob sua asa, preparando-se para passar a tarde cochilando. No fundo o velho Galo Timba sabia que já não era mais o rei do terreiro.


Roberto Policiano

6 Comments:

At 6:09 PM, Anonymous Anônimo said...

Gostei do desenho do galo. O pescoço esticado lembra o galo do texto.
bjs
Betinha

 
At 3:18 PM, Anonymous Anônimo said...

Tadinho do galo Timba. Fiquei com dozinha dele.
bjs

 
At 5:34 PM, Anonymous Anônimo said...

Adorei a narrativa cheia de humor e de sentido crítico. O mundo está cheio de pessoas que adoram o poleiro - ainda que digam sempre que não - e que cantam de galo a toda a hora... ;)
A propósito de aves galináceas, lembrei-me de um não menos excelente poema que gostaria de partilhar:

CARTAS DO PERÚ DO OLIVAIS


I


Adorada perua:

Há dias que, diante do patrão,

ando de rua em rua

não sei por que razão.

Como tu viste, o homem resolveu

fazermos em Lisboa a consoada,

para me divertir, suponho eu.

Porém, se adivinhasse esta estopada,

tinha-lhe dito logo que não vinha,

tanto mais, tanto mais, não vindo tu,

minha peruazinha,

por quem morre de amor o teu perú.

É para ver a terra? Não percebo,

pois mal ergo a cabeça para o ar

trabalha logo a cana do mancebo

e continuo a andar, a andar, a andar...

Às vezes lá paramos, mas estranho

também estas paragens,

porque me agarram certas personagens,

tomam-me o peso, notam-me o tamanho

e até (Deus me perdoe se ouço mal!)

discutem o valor,

como se eu fosse, amor,

uma coisa venal!

Adeus. Com isto não te enfado mais.

Havendo novidades

escrevo. Mil saudades

e beijos do



Perú dos Olivais




II



Meu anjo... Escrevo agora na cozinha

duma senhora muito delicada,

que me tem dado esplêndida papinha

assim como a criada.

Há pouco ainda (ora imagina, filha!)

deram-me até um copo de Bucelas

que me adoçou muitíssimo as goelas

e é uma verdadeira maravilha,

mas Deus queira, Deus queira

como só bebo água lá em casa,

que não me faça mal à mioleira

e que eu não fique com um grão na asa.

Amanhã te direi o que é passado.

Recebe mil bicadas cordiais

do teu apaixonado



Perú dos Olivais




III



Querida. Água a ferver... Uma panela

ao pé dum alguidar... tenho receio...

Fala-se em cabidela

e em perú de recheio...

Afia-se uma faca... Ó céus! Que horror!

O monco já me cai... Nunca supus...

Que é isto meu amor?

Ai Jesus! Ai Jesus!

Já tenho as pernas presas...

Tolda-se a vista... Engasgo-me... Agonizo...

Tremem-me as miudezas...

Turva-se-me o juízo...

Adeus: Recebe o último glu-glu

e os corais

do in... fe... liz

Pe... rú... dos O... li...vais



Acácio de Paiva — Poemas

 
At 5:36 PM, Anonymous Anônimo said...

Roberto, não pensei que ocupasse tanto espaço... peço desculpa.

 
At 1:41 PM, Anonymous Anônimo said...

Ana, obrigado pelo presente. Quanto ao espaço, que ele seja ocupado com coisas boas, como é o caso. Obrigado também por ter compartilhado o poema, que muito me agradou. Um grande abraço do amigo,
Roberto Policiano

 
At 7:43 PM, Blogger Camis said...

Rs

que barato...

Fiquei imaginando um galinho ajoelhado deitado encima das assas!

Muito bom mesmo!

Bjos!

Saudades de vocês!

 

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