Roberto Policiano

17 de dez. de 2010

Jogo



Dedos ágeis soltavam as peças em suas respectivas casas à medida que mãos habilidosas passavam sobre o tabuleiro. As peças reais dispunham de casas exclusivas. As da assessoria real, bispo, torre, cavalo, podiam ocupar uma dentre as duas casas destinadas a elas, dependendo da ala que ocupariam na partida, ao lado do Rei ou da Rainha. Na vanguarda os peões poderiam coupara qualquer uma das oito casas, não por escolha, mas por mero acaso.

Um dos peões levou um susto quanto foi agarrado pela cabeça e deixado duas casas à frente. Tremeu ao ver os adversários em formação de batalha separados dele por apenas dois espaços, mas sentiu-se aliviado ao se lembrar das regras do jogo, pois, pelo menos por enquanto, não havia perigo de ser eliminado.

Nos próximos lances foi deixado de lado, como que esquecido pelo estrategista da batalha. Assistia da dança das peças deslizando pelo tabuleiro onde, ora aliados ora oponentes, eram eliminados do jogo.

Sentiu um arrepio quanto foi agarrado novamente e levado uma casa à frente. Tremeu de pavor ao perceber que fora colocado ao alcance de um bispo oponente que estava ao seu lado direito, enquanto que, à sua esquerda, um pouco atrás, um cavalo do exército opontente poderia atingi-lo fatalmente. Dera-se conta que fora usado como isca. Não conseguiu conter o tremor e a profusão de gotas de suor que escorriam por todo o seu corpo. O bispo olhou-o com um olhar fulminando por alguns instantes, porém desdenhou da insignificância do despojo e, deslizando para trás, buscou uma posição mais estratégica, sem, no entanto, abdicar da opção de destroçar aquele desprezível peão, que, por um tempo, fora abandonado naquela posição sob a mira do bispo e do cavalo durante os vários lances que se seguiram.

A batalha continuava, ora à sua direita, ora à sua retaguarda, às vezes à sua esquerda ou à sua frente. Os espaços vazios aumentavam à medida que a partida continuava.

Novamente o peão foi deslocado para frente. Percebeu que, em mais dois lances, poderia chegar a ocupar uma posição mais nobre, chegando até mesmo ao posto de rainha, se o mesmo estiver vago. Seu sonho transformou-se em pesadelo, porém, ao olhar para a esquerda e perceber que estava para ser liquidado pelo outro bispo oponente, mas o inimigo, desta vez, parecia mais aterrorizado do que ameaçador, tanto é que, no próximo lance de seu estrategista, ele, um mísero peão, fora usado para derrubar aquele poderoso inimigo, além do fato de ficar a um lance da tão sonhada posição. Ficou eufórico com a possibilidade de sair do anonimato e aguardou com viva expectativa o próximo movimento, que achava seria breve, para atingir uma posição raramente alcançada por um peão. Porém a batalha tornou-se pesada na ala oposta do tabuleiro e todas as atenções voltaram-se para aquela região, que fora palco de vários e ousados lance.

Quando o peão já havia esquecido de seu sonho sentiu ser agarrado e levado para o topo do tabuleiro, atingindo uma das casas estratégicas do inimigo. No entanto, antes de gozar do fato, foi retirado do tabuleiro e seu lugar foi ocupado pela Rainha que fora vencida no combate violento mencionado há pouco. Foi então que a peça caiu em si e percebeu que, uma vez peão, sempre peão!

Não lhe restou alternativa a não ser assistir a batalha por cima da pinha de peças já eliminadas. Foi dali que percebeu que as peças, não importam a posição que ocupam, trabalham em benefício do Rei. Chamou-lhe a atenção o esforço árduo da Rainha, que tomara o seu lugar, para resguardar o Soberano. Assistiu-a a percorrer várias áreas do tabuleiro a fim de proteger o maiorial de todos. Para isso teve que correr riscos e eliminar vários oponentes até cair vencida pela segunda vez. E o peão percebeu que o Rei, despojado de seus principais auxiliares, limitou-se a fugir desesperado de seus algozes. Mal conseguindo caminhar, arrastou-se patético, casa após casa, abandonado o que sobrara de suas tropas às mãos dos inimigos até ser encurralado e sofrer uma humilhante derrota que fora assitida pelos três peões e um cavalo, tudo o que restara de seu exército.


Roberto Policiano

2 Comments:

At 5:45 PM, Anonymous Ana said...

Talvez um dos seus melhores textos. Parabéns.

 
At 8:24 AM, Anonymous Roberto Policiano said...

Obrigado Ana. Também gosto dele. Estava inspirado neste dia, talvez. Um grande abraço

 

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