Roberto Policiano

27 de jun. de 2013

Conversa onomatopéica




Cheguei ao pátio

Apurei meus ouvidos

Que, como um polvo gigante,

Estendeu seus tentáculos

Em todas as direções

A fim de captar

Os diversos sons dos arredores

E, quase que instantaneamente,

Foram capturados:

Conversas entre cachorros;

Cantos, pios, assobios e gorjeios de diversos pássaros;

Farfalhar de folhas embaladas pela brisa;

Estalar da cana de açúcar envergada pelo vento;

Crepitar de talos e folhas secas esmagadas

Pelo meu caminhar e o caminhar de outros;

Roncos de motores de vários veículos;

Soar de buzinas;

Risadas de um grupo de pessoas;

Conversas animadas entre amigos;

Uma explosão;

Música, seguida de um coral;

Barulho de um avião que voava acima das nuvens;

E todos os sons condensados,

Gerando um barulho contínuo,

Mais ou menos assim:

VRUUUUUUUUMMMMMMMMMMM!

Depois, já reunido com outros

Que passaram por experiências parecidas à minha,

Participamos numa conversa onomatopéica

Onde, entre sussurros, murmúrios e chiados,

Compartilhamos com gozo

O que a natureza segredou a cada um de nós.

Neste momento mágico

Tudo parou para nos ouvir

Menos o tempo, que,

Seguindo sempre na mesma direção,

Fluiu discretamente

Sem fazer alarde!
 
 
Roberto Policiano

19 de jun. de 2013

Típico



O trem chega à estação. Entre a multidão que invade a composição, dois colegas alcançam um banco e se sentam.

- Mano; este trem é... tipo, maior guerra.

- Tipo assim; até desanima, tá ligado?

- Tem que ser, tipo ligeiro, senão você dança.

- É um, tipo sufoco, cara.

- É tipo assim, sei lá.

- Tipo coisa de pobre.

- É uma condução tipo ferrada mesmo.

- Somos tipo carregado como animal.

- É como se.. tipo, você sabe, né?

- Falou tudo! Tipo assim, tocou na ferida.

- Tipo, como que é mesmo? Um transporte tipo coisado.

- Tipo uma coisa mesmo.

- Eu me sinto, tipo, nem sei explicar.

- Tô sabendo, é assim, tipo, um troço.

- Tipo é isso mesmo, falou legal.

- Tipo, meu, nem sei dizer.

- E a gente todo dia, tipo, na pior.

- Tipo explorado!

- A gente fica assim, tipo com raiva.

- Aí meu, nossa estação está, tipo chegando.

- Vamos, tipo, levantando, ou então a gente não vai tipo descer.

- Precisamos tipo, forçar a barra.

O pior de tudo é que este papo é tipo assim, típico, tá ligado?
 
Roberto Policiano
 

12 de jun. de 2013

Tio Bento





Dezessete horas e quarenta e cinco minutos. A campainha soa. Rosinha vai atender. Ao abrir a porta e olhar para o portão, um desânimo toma conta imediatamente dela. Era o tio Bento que chegava. Um segundo e alguns centésimos depois se recompôs e foi em direção à visita. Cumprimentos de praxe e o convite para entrar. Já na sala uma poltrona é indicada e o recém-chegado a ocupa. Alguns minutos depois uma xícara de café é serviço, acompanhada de biscoitos de amigo de milho. As novidades são colocadas em dia entre uma bebericada na bebida e uma mordiscada na guloseima. A pequena Adelaide, de apenas três anos de idade, entra na sala e, depois de cumprimentar o tio avô com um beijo no rosto e se incomodar com a barba por fazer - que o parente insistiu em esfregar no rosto da garotinha - escapa do sacrifício e senta-se ao lado da anfitriã. Terminada a introdução de praxe o visitante iniciou sua longa lista de reclamações de pessoas com quem tem contato. Em casa tem problemas com diversos membros da família; na região onde mora alguns vizinhos o perturbam; frequenta uma associação cultural, mas está prestes a abandonar porque algumas pessoas são insuportáveis demais; no emprego alguns colegas de trabalho tentam escorar nele e o chefe não toma nenhuma providência para resolver a situação... Nisto a garotinha teceu o seguinte comentário:

- Como o senhor é azarado, tio Bento! Em todo o lugar onde o senhor está tem sempre alguém incomodando o senhor. Parece que o senhor não tem sossego, não é mesmo?

O homem respondeu com um sorriso forçado e alguns murmúrios e, talvez intimidado pelo comentário inocente da sobrinha, ficou mais alguns minutos e, movido por uma lembrança conveniente de uma obrigação inadiável, despediu-se e seguiu seu rumo.

Enquanto caminhava em direção ao seu lar o comentário da criança continuava a gritar em sua mente. “Onde o senhor está...”; “Onde o senhor está...”; “Onde o senhor está...”; “Onde o senhor está...”. Em meio a tal “gritaria” um “cochicho interior”, embora baixo, prevaleceu sobre o falatório. Chegou a casa determinado a reavaliar suas impressões.


Roberto Policiano

6 de jun. de 2013

Psicologizando o poema



 
Nunca foi plenamente,

Mas jamais deixei de ser;

Fiquei sempre no quase.

Não sei se fui dasein ou niesad;

Talvez dseina ou nesadi;

Quem sabe dasien, dansei ou daseni;

Ou então dsaein, dseain ou dseian;

Vai depender do ângulo que se vê,

Ou de onde se começa.

Não sei se sou ou estou;

Ou só sou se estou;

Quem sabe se estou porque sou...

Talvez esteja condicionado,

Pelo reforço do ambiente,

Que faz do meu eu

Um rato de laboratório.

Ou, ainda, alguma coisa do subconsciente.

Neste caso eu sou sem saber que sou,

Ou, pior ainda,

Sem saber quem sou.

E, por este motivo,
 
Por mais que queira

Jamais descobrirei

Meu verdadeiro eu.

Sendo assim,

Assusto-me com a hipótese

De ter vivido enganado

O que me deixa decepcionado

Comigo mesmo por este autoengano!

Será que estou projetando?

Ou, talvez, Tentando transferir

As responsabilidades

De meus atos para outrem?

Poderia, quem sabe,

Tentar achar a resposta

Nas etapas, ou fases,

Do meu desenvolvimento psíquico,

Mas ainda pairará

A eterna dúvida:

Isso aconteceu por si só

Ou teve ajuda do meio?

Portanto, resolvi me distanciar

De toda concepção pré-fabricada

E observar o fenômeno

Tal como ele se apresenta,

Com toda sua peculiaridade,

Ao atuar com o outro,

Com o mundo,

Ou consigo mesmo.

Tarefa nada fácil,

Pois ele tem a tendência

De se mostrar e se esconder,

Se camuflar ou se exibir,

No eterno jogo da vida,

Mudando o mundo

E sendo mudado pelo mesmo,

Na sua eterna responsabilidade

De cuidar de si,

Tendo como única certeza

O encontro com a finitude

Que cedo ou tarde acontecerá!
 
 
Roberto Policiano