Cachola de um moleque metido a poeta
É
domingo. Não importa o mês nem o ano, apenas que é dia de folga. O sol já não arde
tanto, mas o ar quente e abafado delata que o astro rei trabalhou bastante
neste dia. Lá no horizonte, agora em forma de um grande círculo alaranjado, ele começa a mergulhar no mar, deixando o espaço para ser ocupado pela lua
e as estrelas. Antes, porém, numa despedida feliz, pincela de dourado as
nuvens, dando a impressão de que o céu está pegando fogo. Os turistas já
deixaram as praias e congestionaram as estradas no retorno para suas casas e
suas rotinas. Na areia uma cadeira e, nela, assistindo ao espetáculo pintado a
ouro, ele queda satisfeito. Felizardo, não precisa entrar na fila dos carros
que se dirigem em direção à serra. Ganhou o mar inteirinho para si. Sem a
algazarra dos banhistas pode ouvir os segredos do mar através de seus marulhos.
Os siris começam a se apoderarem do terreno, pois sabem que não serão perturbados
pelos humanos. A quase quietude do lugar, o ar quente e salgado, os crustáceos
cruzando em várias direções e a fogueira queimando as nuvens, o faz viajar ao passado, no tempo em que ficava com os ouvidos grudados em seu radinho de
pilha, tentando filtrar a música dos chiados do aparelho de quinta categoria.
Veio-lhe também à mente o menino mirrado que fora e que queria transformar em
poesias e prosas tudo o que via e ouvia em sua volta e, por isso mesmo, andava de
posse de um lápis e um pequeno bloco de papel onde pudesse grafar as ideias
mirabolantes, que, feito ondas magnéticas, traduziam o mundo dando-lhe um novo significado
na cachola daquele moleque magricela cognominado Dinho, que rapidamente pegava
seu material de poeta e, enquanto mordia a ponta da língua, escrevia sua concepção
particular do mundo. Algo tão simples, como a trilha de uma formiga perdida,
podia ser transformado numa história de aventura na cuca daquele pirralho
metido a escritor. Agora, sentindo-se dono absoluto do oceano e seu
psicoterapeuta exclusivo, o então psicólogo houve seus murmúrios em silêncio,
sem nenhuma intenção de interpretá-lo, apenas se colocando ao seu lado num
compromisso de escutá-lo atentamente, mesmo porque, sendo seu cliente um imenso
mar e ele um simples humano, não tem a ousadia de ensiná-lo como é ser oceano.
Só há o compromisso de guardar sigilo dos sussurros que lhe vem de tempos em
tempos. Depois da sessão terminada pode ele retornar a ser gente comum e,
talvez, quem sabe, poeta, se souber transformar tudo o que ouve, vê
e cheira em versos singelos. Mas seu cérebro
não está para poetizar naquele dia, e ele, ciente de suas limitações, não força
nada. Aproveita o finalzinho do dia e, esticando as pernas, inclina o corpo
para trás, fecha os olhos, e tão simplesmente goza de uma brisa agradável que
começa a encrespar sua pele.
Roberto Policiano