Roberto Policiano

28 de mai. de 2014

Cachola de um moleque metido a poeta



 

É domingo. Não importa o mês nem o ano, apenas que é dia de folga. O sol já não arde tanto, mas o ar quente e abafado delata que o astro rei trabalhou bastante neste dia. Lá no horizonte, agora em forma de um grande círculo alaranjado, ele começa a mergulhar no mar, deixando o espaço para ser ocupado pela lua e as estrelas. Antes, porém, numa despedida feliz, pincela de dourado as nuvens, dando a impressão de que o céu está pegando fogo. Os turistas já deixaram as praias e congestionaram as estradas no retorno para suas casas e suas rotinas. Na areia uma cadeira e,  nela, assistindo ao espetáculo pintado a ouro, ele queda satisfeito. Felizardo, não precisa entrar na fila dos carros que se dirigem em direção à serra. Ganhou o mar inteirinho para si. Sem a algazarra dos banhistas pode ouvir os segredos do mar através de seus marulhos. Os siris começam a se apoderarem do terreno, pois sabem que não serão perturbados pelos humanos. A quase quietude do lugar, o ar quente e salgado, os crustáceos cruzando em várias direções e a fogueira queimando as nuvens, o faz viajar ao passado, no tempo em que ficava com os ouvidos grudados em seu radinho de pilha, tentando filtrar a música dos chiados do aparelho de quinta categoria. Veio-lhe também à mente o menino mirrado que fora e que queria transformar em poesias e prosas tudo o que via e ouvia em sua volta e, por isso mesmo, andava de posse de um lápis e um pequeno bloco de papel onde pudesse grafar as ideias mirabolantes, que, feito ondas magnéticas, traduziam o mundo dando-lhe um novo significado na cachola daquele moleque magricela cognominado Dinho, que rapidamente pegava seu material de poeta e, enquanto mordia a ponta da língua, escrevia sua concepção particular do mundo. Algo tão simples, como a trilha de uma formiga perdida, podia ser transformado numa história de aventura na cuca daquele pirralho metido a escritor. Agora, sentindo-se dono absoluto do oceano e seu psicoterapeuta exclusivo, o então psicólogo houve seus murmúrios em silêncio, sem nenhuma intenção de interpretá-lo, apenas se colocando ao seu lado num compromisso de escutá-lo atentamente, mesmo porque, sendo seu cliente um imenso mar e ele um simples humano, não tem a ousadia de ensiná-lo como é ser oceano. Só há o compromisso de guardar sigilo dos sussurros que lhe vem de tempos em tempos. Depois da sessão terminada pode ele retornar a ser gente comum e, talvez, quem sabe, poeta, se souber transformar tudo o que ouve, vê e cheira em versos singelos. Mas seu cérebro não está para poetizar naquele dia, e ele, ciente de suas limitações, não força nada. Aproveita o finalzinho do dia e, esticando as pernas, inclina o corpo para trás, fecha os olhos, e tão simplesmente goza de uma brisa agradável que começa a encrespar sua pele.
 
 
Roberto Policiano